TEXTO

Claudine Nunes

EDIÇÃO

Jean Balbinotti

 

IMAGEM

Salmo Duarte e

Leo Munhoz

 

DESIGN

Gabriela Florêncio

Com limite orçamentário, setor que tem o desafio
diário de atender à população é um dos que mais oneram

o caixa do município

Por afetar diretamente a qualidade de vida do cidadão, a saúde pública de Joinville é tema sempre presente nas campanhas eleitorais. Falta de remédios, filas para cirurgias e exames e espera por leitos são situações recorrentes no atendimento municipal. Quem já passou por alguma situação parecida certamente ouvirá com atenção as promessas dos candidatos. No entanto, nenhum prefeito, secretário ou vereador conseguirá modificar o quadro atual em Joinville com uma medida isolada de gabinete.

 

O jornal “A Notícia” conversou com as lideranças da Secretaria de Saúde, da Sociedade Joinvilense de Medicina e do Hospital Municipal São José e todos concordam em um ponto: a estrutura da saúde e seus custos são grandes demais para a capacidade financeira do município.

 

– O sistema brasileiro está vivendo uma crise. Quando o Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido, 70% do custeio era do governo federal. Hoje, 70% do custeio cabem aos municípios e Estados. Ou o governo federal faz uma revisão no sistema e reajusta a tabela do SUS, o que não acontece há mais dez anos, ou os municípios vão ter que investir cada vez mais até inviabilizar – afirma a secretária de Saúde de Joinville, Francieli Schultz.

 

Joinville investe atualmente 40,79% da receita líquida de impostos na área da saúde, percentual acima do que a lei exige – o mínimo é de 15% da receita. Esse percentual vem crescendo ao longo dos anos, embora com algumas oscilações. Em 2005, o valor aplicado correspondia a 26,48% da receita. Os recursos próprios cobrem a maior parte dos gastos e totalizaram, em 2015, R$ 372,6 milhões. A saúde municipal também recebe repasses do Estado e da União, o equivalente a R$ 202,8 milhões em 2015. Esse montante cobriu 35% das despesas.

 

Em relação a municípios de perfil semelhante, o percentual investido pela Prefeitura de Joinville na saúde ficou acima da média, aponta o site Meu Município. Os indicadores não são os mesmos do cálculo da Lei de Responsabilidade Fiscal e referem-se ao ano de 2014, mas dão uma referência. Pela metodologia do site, Joinville investiu 37,3% da receita em saúde naquele ano, enquanto que a média de investimento em dez cidades foi de 28,73%. Apesar disso, as contas não fecham. A pasta da Saúde terminou  2015 com dívidas de R$ 16,2 milhões, sem contar o Hospital Municipal São José, que também é deficitário e acumula perdas de R$ 8,1 milhões até julho.

 

Nas eleições deste ano, o candidato que prometer acabar com os problemas da saúde deverá explicar bem a proposta. Construir postos de saúde e reajustar o salário dos servidores esbarram em dois pontos: no aumento dos gastos com a folha de pagamento – a Prefeitura diz estar no limite previsto em lei – e na definição da fonte de recursos para manter as novas unidades.

 

– Não acredite em (construir) mais um hospital. Não há recursos para manter o que temos aqui. O nosso planejamento é realista. O que dá para prometer é investimento na prevenção e na saúde básica. Essa é a grande sacada – diz Francieli.

A parte que cabe ao município

  • Manter as unidades básicas de saúde (postos) e as unidades de referência – prontos-atendimentos 24h, Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Pronto-acolhimento Psicossocial (Paps), Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial (Naipe), Policlínica Boa Vista, Núcleo de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Labiopalatais (Centrinho), Programa de Controle do Tabagismo, Serviço Integrado de Assistência Ventilatória e Oxigenoterapia (Siavo), Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas (Caps AD), Samu, Centro de Especialidades Odontológica  – PAM Bucarein, Serviços Organizados de Inclusão Social (Sois) e Unidade de Acolhimento Adulto (UAA).
  • Prontos-atendimentos (PAs): serviços de urgência e de emergência.
  • Atendimento hospitalar de média e alta complexidade (São José).

A saúde foi a área do município mais polêmica ao longo da atual gestão. Problemas envolvendo a falta de medicamentos e as enormes filas de espera para consultas com especialistas deram origem a uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores e a termos de ajustamento de conduta (TACs) entre a Prefeitura e o Ministério Público (MP), com o objetivo de estabelecer cronogramas de melhorias na área.

 

Diante da falta de recursos, o governo tomou medidas impopulares. Cortou 11 mil atendimentos de pacientes vindos de municípios vizinhos, contrariando a vocação regional do Hospital São José e comprou briga com estudantes de medicina, alegando que o município não consegue custear os gastos da residência médica, etapa obrigatória na formação do profissional. A residência permanece em vigor por questões técnicas, mas não há certeza de que no futuro ela continuará a ser custeada, em boa parte, pelo município.

 

A Secretaria de Saúde também buscou inovar ao adotar a figura do teleconsultor. Médicos especialistas auxiliam, por telefone, outros médicos no atendimento inicial que ocorre nos postos de saúde. Dependendo da situação, a resposta sobre o programa de tratamento é imediata ou pode levar até 72 horas. Com o teleconsultor, o município quer reduzir as filas e oferecer uma resposta mais adequada às demandas da população. Para colocar a ideia em prática, a Prefeitura levou fibra óptica a todas as unidades de saúde, comprou 300 computadores e firmou parceria com a Univali e a UFSC, que cederam gratuitamente o software para gerir o sistema, já utilizado em outras cidades.

 

Cinco áreas contam com o auxílio da teleconsultoria, entre elas, a ortopedia, na qual foi implantada há seis meses. Ali, a fila chegou a ter 8,8 mil pessoas em 2013. Na época, eram realizadas 664 consultas por mês. Atualmente,  existem 1.900 pessoas na fila e são realizadas 2.300 consultas mensalmente. O tempo de espera, segundo a Secretária da Saúde, é de menos de 30 dias.

 

Outra medida com impacto direto na comunidade é a informatização dos encaminhamentos de consultas nos postos para que os pacientes não precisem mais andar de um lado para outro com as solicitações.  A medida também está sendo implantada para os procedimentos de exames.

Clique e confira

Termos de ajustamento de conduta (TACs) firmados entre a Prefeitura e o Ministério Público:

O grande impasse da saúde em Joinville se concentra no Hospital São José. Desfazê-lo requer articulação para construir uma solução conjunta. Esta talvez seja a principal contribuição que os políticos eleitos em outubro podem oferecer à área da saúde. É o que afirma o presidente da Sociedade Joinvilense de Medicina (SJM), Antônio César Franco Garcia.

 

– O gestor sozinho não vai resolver nada. É preciso um pacto da sociedade, e a classe política é quem deve mobilizá-la, começando pelo diagnóstico de recuperação da saúde no longo prazo – afirma.

 

O São José é a unidade hospitalar que mais atende a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) em Santa Catarina. É referência para uma população de 1,3 milhão de pessoas, dependendo do tipo do tratamento. Pelo pronto-socorro, passam cerca de 45 mil pessoas por ano. Em 2015, 13% dos atendimentos foram de pessoas que moram fora de Joinville. Na internação, esse índice sobe para 24%. Os pacientes chegam de várias cidades, desde Blumenau até Curitiba.

 

Embora vital para região, seus custos são pesados demais para Joinville, e os atendimentos de alta complexidade fogem à vocação da saúde municipal. Profissionais da área são unânimes em dizer que governos locais deveriam concentrar a atuação na saúde básica, com foco em prevenção. Os serviços que cada cidade vai abraçar, no entanto, dependem do gestor. O São José completou 110 anos de fundação em junho. Já teve ajuda do Estado para custear a folha salarial, mas atualmente, o município banca as despesas sozinho.

 

– Um hospital do SUS só consegue gerir 60% dos atendimentos do SUS – diz Garcia, ao se referir à necessidade de destinar 40% dos atendimentos a planos de saúde para que uma instituição se torne sustentável economicamente.

 

O presidente da SJM acredita que a construção de outro hospital que atenda aos pacientes do SUS e aos planos de saúde, com administração privada, poderia absorver parte dos serviços do São José e diminuir a carga do hospital sobre o orçamento da Prefeitura. De acordo com o diretor do Hospital São José, Paulo Manoel de Souza, o repasse do SUS cobre apenas 40% dos gastos. Um dos pontos sensíveis é a quantidade de leitos, o que leva às recorrentes imagens de pacientes aguardando vaga nos corredores.

 

Segundo Souza, há recursos garantidos para mais 29 leitos. Neste ano, o hospital começou a colocar em prática um plano interno para agilizar procedimentos e tornar a ocupação mais eficiente. O trabalho começa a dar resultado. A taxa de ocupação média no semestre foi de 134%, enquanto no mês de maio foi de 125,7%.

 

– A vocação do hospital é de emergência e traumas. Temos  dificuldade de fazer cirurgias agendadas porque ele está sempre cheio. Uma opção seria construir um anexo para funcionar com outra forma de custeio e voltado às cirurgias eletivas – reforça Souza.

– Comecei a me sentir mal na boca da noite. Às quatro horas da manhã, meu cunhado me levou para o Pronto-atendimento (PA) Sul e de lá me levaram correndo para o São José. Tive um AVC em casa e dois no hospital – recorda o aposentado João Mendes Rodrigues, de 63 anos.

 

Ele faz parte da estatística de que uma em cada seis pessoas no Brasil terá acidente vascular cerebral (AVC), mais conhecido como derrame. No São José, João passou por cirurgia e, dois dias depois, voltou a falar. Concluiu o tratamento sem sequelas, contrariando a estatística de que 70% das pessoas ficam com algum problema e não conseguem voltar ao trabalho.

 

O tratamento do AVC realizado pelo São José é referência entre os hospitais públicos no Brasil e vem sendo estudado pelo Ministério da Saúde para virar política nacional. Há mais de dez anos, Joinville reúne dados de pacientes, mesmo após o tratamento, em um banco de dados único na América Latina, explica o neurologista Pedro Magalhães. O monitoramento mostrou que, na zona Sul da cidade, a incidência de AVC é duas vezes maior do que na zona Norte. Essa informação ajudará na elaboração de políticas públicas de prevenção.

 

O principal motivo, diz Magalhães, é o nível de acesso a informações para prevenir colesterol, hipertensão, diabetes e combater o tabagismo. Em Joinville, são registrados 500 casos de AVC isquêmico por ano. Desde 2012, o hospital utiliza o tratamento chamado trombectomia, que reduz o risco de morte e de sequelas.

 

– O tratamento do São José não perde em nada para a iniciativa privada, e o melhor: é acessível a todos – diz Magalhães.

Rodrigues será monitorado pela equipe de Magalhães para evitar uma nova incidência. Ele não bebe ou fuma há anos, porém, tem pressão alta e confessa que gostava de saborear uma carne com gordura.

 

– O importante mesmo é viver – diz Rodrigues, sorrindo, minutos antes de receber alta do hospital ao lado da filha Tatiane.