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Claudia Morriesen

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Jean Balbinotti

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Maykon Lammerhirt
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Gabriela Florêncio

Prefeitura não consegue repassar a totalidade dos recursos previstos à cultura e muitos equipamentos e projetos são engavetados pela falta de engajamento da comunidade

Para fazer cultura em Joinville é necessário fazer contas. Isso porque na cidade há equipamentos, projetos e engajamento de classe suficiente para o setor funcionar da forma que uma cidade de porte médio precisa. No entanto, a verba que chega para a execução anual da Fundação Cultural de Joinville (FCJ), somada à falta de interesse da comunidade em cobrar ações nesta área, é insuficiente para garantir investimentos e, por vezes, até mesmo a manutenção das unidades que estão sob o seu guarda-chuva. Segundo o Plano Municipal de Cultura – instituído em 2012 com força de lei para nortear a execução das políticas públicas deste setor em Joinville –, pelo menos 1,6% do orçamento municipal anual deve ser repassado à FCJ.

 

Desta forma, em 2016, este valor deve alcançar os R$ 38 milhões. Mas não é o que acontece: em 2015, por exemplo, cerca de R$ 15 milhões dos R$ 22 milhões previstos pelo orçamento foram repassados para serem utilizados na gestão da área cultural. A FCJ é o órgão responsável por tudo o que diz respeito à formação na área artística, à programação cultural e à conservação do patrimônio histórico do município. Ela administra 15 unidades, como a Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior, o Complexo Cau Hansen, a Rádio Joinville Cultural, a Orquestra Cidade de Joinville, os museus e outras unidades de preservação histórica.

 

Há também estruturas que ainda não entram nesta lista e não funcionam em todo o seu potencial, como a Cidadela Cultural Antarctica e o Centro de Esportes e Cultura Unificados (Ceu) do Aventureiro. Todo o orçamento da fundação existe para cuidar da manutenção e da ocupação com atividades destas unidades, e para a folha de pagamento dos 144 funcionários, entre administradores, professores, historiadores e outros cargos específicos para cada equipamento cultural e para a própria FCJ. Os recursos que sobram desta conta são divididos entre as contas destas unidades e projetos, o que significa uma fatia muito pequena do orçamento total.

 

– À primeira vista, o valor parece muito alto. A maior parte, no entanto, é usada para cobrir a folha de pagamento. O que sobra para investimentos é menos de R$ 1 milhão por ano – afirma o presidente da FCJ, Guilherme Gassenferth.

 

Um dos caminhos para garantir investimentos que o orçamento público não contempla é a busca de recursos via editais, prêmios e, principalmente, parcerias público-privadas. Foi por meio de editais que alguns dos museus de Joinville foram restaurados após apresentarem problemas estruturais a ponto de as visitas serem proibidas por segurança. O ideal, é claro, é que estes imóveis – alguns deles, inventariados como patrimônio histórico e artístico da cidade, com mais de 100 anos de construção – tivessem manutenção permanente, evitando gastos maiores para consertar avarias.

Um dos editais utilizados para restauração das unidades culturais de Joinville é o próprio sistema de financiamento da FCJ. Colocado em prática há dez anos, o Sistema Municipal pelo Desenvolvimento da Cultura (Simdec) consiste em dois mecanismos: o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC) e o Mecenato Municipal. O primeiro depende da receita do município e é calculado a partir de uma porcentagem da arrecadação de IPTU e de ISS do ano anterior, enquanto o mecenato submete-se aos valores da renúncia fiscal de contribuintes do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e do IPTU.

 

Em 2015, o valor autorizado pela Secretaria da Fazenda foi de 2,4%, totalizando R$ 5,712 milhões. Deste total, por lei, 30% são investidos em projetos da FCJ e de suas unidades. Divididos em 17 modalidades, os mecanismos do Simdec garantem produção cultural e artística para as mais variadas áreas. É a partir deles que se define a programação nos equipamentos públicos culturais, geralmente gratuita ou a preços populares. Como todos os contemplados, além de desenvolverem projetos relevantes, precisam oferecer uma contrapartida social para a comunidade como forma de “pagar” o recurso recebido. O investimento inicial é multiplicado, em forma de oficinas, palestras gratuitas e acervos para bibliotecas.

 

– O Simdec é muito importante para dar suporte às ideias e desenvolver os projetos que, sem estes recursos, dificilmente seriam colocados em prática – diz a coordenadora do sistema, Simone Nascimento da Silva.

 

Em dez anos, R$ 26 milhões foram repassados aos projetos do Simdec e estima-se que mais de 1 milhão de pessoas foram beneficiadas entre produtores, artistas e público. É o carro-chefe da produção cultural na cidade e considerada uma das prioridades pela classe artística, mas, nos últimos anos, passou por atrasos na abertura para inscrições, o que empurrou os pagamentos para o fim do ano e, consequentemente, a criação das atividades e produtos culturais.

Segundo a Fundação Cultural de Joinville, uma consulta pública será aberta ainda no mês de julho para discutir mudanças no Sistema Municipal pelo Desenvolvimento da Cultura (Simdec). Duas alterações são sugeridas para o decreto: os critérios para cada modalidade, que são gerais e devem ser setoriais; e a avaliação online dos projetos, já que os gastos com a banca chegam a R$ 50 mil, o que também gera empecilhos na sua execução.

 

Para o presidente do Conselho Municipal de Cultura, Maycon Santos, a criação de uma banca com avaliação online é legítima, desde que exista um edital de avaliadores credenciados. No entanto, ele não concorda com a desculpa do gasto com transporte, hospedagem e alimentação dos especialistas como um dos motivos para atraso no último edital, já que estes valores estão previstos nos recursos destinados ao fundo municipal: de 10% a 20% do valor total é calculado para cobrir os custos administrativos.

 

– O valor autorizado para o Simdec foi divulgado em abril e, no fim do ano, alegaram que não havia verba para pagar a banca. Então, para onde foi o dinheiro? Por que afirmaram que havia R$ 5,712 milhões e depois disseram que não ia dar? – indaga.

Provavelmente, o maior trunfo da área cultural de Joinville sobre outras cidades do mesmo porte foi criada nos anos 1970: a Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior, que abriga em sua estrutura a Escola Municipal de Ballet, a Escola de Música Villa-Lobos e a Escola de Artes Fritz Alt. Ali, cerca de 1.402 alunos têm acesso a cursos com mensalidades acessíveis. A matrícula custa R$ 45 e, as mensalidades, R$ 50.

 

Além dos alunos que frequentam as aulas no endereço da casa-sede, no bairro Saguaçu, outros 444 alunos podem participar dos cursos a partir de parcerias com projetos culturais de instituições da cidade, descentralizando o ensino das artes para os bairros.

 

Este é o principal desafio da Casa da Cultura: atender à alta demanda que cria listas de espera. A expansão precisaria acontecer em todas as formas, da equipe de professores ao prédio. Ainda que o Projeto de Extensão Comunitária atenda a parte desta solicitação, o ideal seria a ampliação do prédio ou a construção em outro endereço.

 

– A Casa da Cultura é um patrimônio para a cidade, então, mais do que fazer os cursos, as pessoas querem estudar nela – afirma a coordenadora Carla Rauber.

 

Ainda que seus cursos não sejam gratuitos, a Casa da Cultura é basicamente mantida com subsídio da FCJ. As mensalidades representam apenas 25% do custo de suas operações. O resto, como a folha de pagamento, entra no mesmo orçamento anual usado para todas as outras contas da área cultural da cidade.

 

– Quando queremos um “extra”, contamos com a Associação de Amigos da Casa da Cultura. Eles conseguem, por meio de captação de recursos, a verba necessária sem tanta burocracia – conta Carla.

É a partir de iniciativas desencadeadas por associações de amigos que reside parte da esperança para a realização da manutenção e das atividades que o Poder Público não consegue contemplar. Elas são o elo entre a sociedade civil e a administração, garantindo uma gestão democrática com apoio, manutenção e incentivo às atividades dos museus. Além disso, podem concorrer a editais e receber benefícios de instituições como o Instituto Brasileiro de Museus, do Ministério da Cultura.

 

Outra possibilidade seria a transformação da gestão de equipamentos culturais a partir da concessão ou da exploração, tirando do orçamento público os gastos com unidades como o Cau Hansen.

 

– Faz sentido que ele seja um equipamento público? O Expocentro Edmundo Doubrawa, exceto por poucos eventos como a Feira do Livro, serve para eventos comerciais. Ele não é superavitário, todo o Centreventos é deficitário, e esse dinheiro sai da cultura para atender, por exemplo, a feiras de comércio de carros – avalia o presidente da FCJ, Guilherme Gassenferth, citando o principal evento visto no Expocentro.

 

A mesma lógica seria usada com outro imóvel que há mais de 15 anos espera por recursos para cumprir o seu papel: a Cidadela Cultural Antárctica, comprada pela Prefeitura por R$ 2,1 milhões no ano 2000. O imóvel foi construído no século 19, abrigou uma cervejaria e teve como último proprietário a marca com a qual o complexo foi batizado. Como é tombado como patrimônio histórico, precisa de um projeto de restauro e de reformas estruturais, para só depois chegar a vez de um projeto de ocupação. A estimativa é que, para funcionar, cerca de R$ 20 milhões sejam necessários  apenas neste equipamento.

 

– O contrato de compra tem cláusulas que impedem a mudança do nome e a exploração de outras marcas em sua propriedade porque outras cervejarias já apresentaram interesse em assumir o projeto do complexo e restaurá-lo – afirma.

Outro gigante entre as unidades da área cultural é o Centro de Esportes e Cultura (CEU) do Aventureiro. Em 2011, Joinville foi contemplada pelo Ministério da Cultura (MinC) com a construção de uma edificação multiuso para o bairro mais populoso do município, que também atendesse aos critérios do Ministério da Cultura por sua organização comunitária.

 

A primeira data de inauguração do CEU foi agendada para outubro de 2013. Depois, outras datas foram agendadas e passaram, sem que ela acontecesse. A estrutura, inclusive, já precisou de reformas após ser alvo de vandalismo. O investimento do MinC foi de R$ 3,5 milhões, com previsão de R$ 161.048,34 de contrapartida municipal, para construção de um complexo de 7 mil metros quadrados, com biblioteca, cineteatro de 120 lugares e salas multiuso, além de espaços para prática de esportes e lazer.

 

– Falta apenas mais uma licitação de compra para concluirmos o CEU do Aventureiro, que é o de material cênico para o teatro. A comunidade já está utilizando, mesmo sem inauguração – afirma o presidente da FCJ.

 

O produtor cultural Cristovão Petry teve um projeto contemplado pela Fundação Nacional das Artes (Funarte) para fazer a ocupação do CEU do Aventureiro com atividades culturais. A Funarte repassaria R$ 100 mil para a execução de atividades culturais ao longo de seis meses.

 

– Acredito que o dinheiro não vem mais porque ultrapassou o prazo. É uma pena, pois trata-se de um espaço ótimo para a cidade, mas levar quatro anos para fazer a inauguração é demais – lamenta Petry.

 

Ele, que também é conselheiro tutelar, tem a experiência de anos à frente da Associação de Moradores e Amigos do Bairro Itinga (Amorabi), que ganhou título de ponto de cultura nacional e oferece programação e oficinas de artes para a comunidade daquele bairro. Ali, Petry viu passar gerações atendidas pela associação e fez chegar atividades artísticas para famílias que não teriam condições financeiras de buscá-las nas regiões centrais da cidade.

 

– Assim como a saúde e a educação, a cultura é um direito previsto pelo Estatuto da Criança. Mas não há políticas públicas suficientes para atender aos bairros de Joinville – destaca.