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Claudia Morriesen

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Jean Balbinotti

 

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Maykon Lammerhirt

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Gabriela Florêncio

Na última reportagem da série, “AN” mostra o potencial ecológico de Joinville e como a cidade alia conhecimentos para garantir o desenvolvimento sustentável

Joinville poderia ser considerada um oásis no Brasil. Mesmo que o País seja rico em belezas naturais, a cidade aparece em posição privilegiada em posse de biodiversidade e recursos hídricos. Por isso, a primeira palavra de ordem para esta área parece ser preservação, mas não é.

 

Neste ponto, o município conseguiu chegar ao momento atual sem que grandes danos tivessem sido feitos à maior parte de seu território, e precisa apenas manter esta cultura por meio de leis, fiscalização e conscientização da população.

 

Os desafios para o meio ambiente em Joinville referem-se à utilização deste potencial ainda pouco explorado para garantir o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida de seus moradores. Quem compara a cidade catarinense às pequenas porções de vegetação em meio ao deserto é o ambientalista Nelson Wendel.

 

Depois de viajar pelo Brasil cumprindo compromissos nos seis anos em que trabalhou no Ministério do Meio Ambiente, ele confirma esta situação com base na experiência e nos fatos.

 

– Quase 50% do nosso território é ainda coberto por Mata Atlântica e mangue. E essa diversidade, a considero uma das maiores do planeta, pois começamos no mar e vamos até a serra – diz Wendel.

 

Entre trabalhos burocráricos como emissão de alvarás, fiscalização de obras, administração de cemitérios e zeladoria sobre áreas públicas como calçadas e praças, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema), órgão que substituiu a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema) em 2014,  é a responsável pela gestão das áreas de proteção ambiental e unidades de conservação, a fiscalização e a educação ambiental da cidade.

 

O orçamento do órgão é composto por verbas do Fundo Municipal de Meio Ambiente (FMMA), receitas de convênio com a Companhia Águas de Joinville e o Aterro Industrial, verba dos cemitérios, de reposição florestal e de multas, além do convênio com o Departamento Nacional de Mineração (DNPM) e o pagamento dos serviços prestados diariamente aos contribuintes.

 

Dinheiro, portanto, não é problema para a administração, que atualmente trabalha para otimizar os serviços burocráticos e parametrizar as questões ambientais.

 

– Joinville tem um potencial imenso de desenvolvimento. Sabendo sempre da importância de se alinhar o desenvolvimento econômico com o ambiental, a cidade  será um modelo para outras por ter toda essa beleza natural que tem e conseguir conservá-la para que possa ter um desenvolvimento sustentável – afirma a diretora-executiva da Sema, Luana Siewert Pretto.

Ao olhar Joinville do alto, é possível entender o porquê de a cidade estar no topo da lista nos levantamentos sobre cobertura de Mata Atlântica e mata nativa: ela é entrecortada e circundada por áreas verdes, que a fazem ser o segundo município com maior floresta nativa de Santa Catarina (52,4 mil hectares) e ter a maior floresta atlântica contínua em área urbana do Brasil. Um local para se ter esta experiência é o alto do Morro da Boa Vista, uma das seis unidades de conservação ambiental do município (que ainda divide mais uma unidade com o município de Schroeder).

 

É ela que, com 8,65 km², dá o título de maior cobertura de mata atlântica dentro do perímetro urbano e, por isso, foi transformada em Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie). Recentemente, o local ganhou uso turístico novamente, com a reinauguração do mirante após seis anos em obras. Já os outros nomes na lista das unidades de conservação são menos famosos em divulgação e visitas: Área de Proteção Ambiental Serra Dona Francisca, Arie do Morro do Iririú, Parque Natural Municipal da Caieira e Reserva de Desenvolvimento Sustentável da Ilha do Morro do Amaral.

 

Na área urbana, e também com potencial para pontos turísticos, estão o Morro do Iririú, o Parque Caieira e o Morro do Amaral. Mas, transformá-los em locais com estrutura para atender a população e despertar o interesse do morador no ecoturismo ainda são pautas para o futuro.

 

– Isso é realmente um desafio: trabalhar a parte de turismo com a natureza é uma mudança de cultura. Chegar no Parque Caieira e não encontrar uma lanchonete lá, só poder contemplar a natureza, é algo que a população vai se acostumando ao longo do tempo – afirma Luana Pretto, da Sema, referindo-se ao fato de o parque no bairro Adhemar Garcia não permitir a entrada de alimentos por se tratar de um patrimônio histórico e ambiental.

 

Segundo a diretora da Sema, há projetos de trilhas ecológicas e visitas à Áreas de Preservação Ambiental (APA), além de incentivo à conscientização de crianças, com promoção de tour ambiental nas unidades de conservação. Mais do que opções de turismo e lazer, esses locais são importantes para manter o ciclo de vida de Joinville. Eles mantêm a biodiversidade da região, controlam a erosão, permitem a recarga dos lençóis freáticos e são reguladores do clima.

 

– Joinville, no verão, não dá para andar no Centro da cidade. As pessoas acham que deixar aquele 30% (de Mata Atlântica assegurados por lei como cobertura florestal) quando compram terreno para loteamento é absurdo porque poderia juntar tudo isso num lugar só, mas estas áreas pontuais dentro da cidade são importantes para regular o clima e para manter a biodiversidade dentro da cidade – afirma a professora Therezinha de Oliveira, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Meio Ambiente da Univille.

 

Atualmente, foram firmados convênios entre a universidade e o órgão público para fazer levantamento das espécies existentes no Morro da Boa Vista e no Morro do Iririú. Desta forma, será possível identificar alternativas de manejo, mapeando os animais que são nativos e aqueles que são exóticos e, portanto, precisam ser monitorados.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL no município

Área de Proteção Ambiental Serra Dona Francisca

Categoria: Área de proteção ambiental

Grupo: Uso sustentável

Área (km²): 404.917

Objetivos: proteger os recursos hídricos, garantir a conservação de remanescentes de Mata Atlântica, proteger a fauna silvestre, melhorar a qualidade de vida das populações residentes por meio da orientação e da disciplina das atividades econômicas locais, fomentar o turismo ecológico e a educação ambiental, etc.

Parque Natural

Municipal da Caieira

Categoria: Parque

Grupo: Proteção integral

Área (km²): 1.419

Objetivos: Preservar e proteger a história do município, além de conservar um dos últimos remanescentes de mangue e restinga em perímetro urbano; oferecer a possibilidade de acesso a ambientes ecológicos para atividades de educação e recreação em contato com a natureza.

Arie do Morro
do Boa Vista

Categoria: Área de relevante interesse ecológico (Arie)

Grupo: Uso sustentável

Área (km²): 8.650

Objetivos: Conservar a vegetação remanescente da Mata Atlântica inserida na malha urbana; coibir uma eventual ocupação indesejável e corrigir problemas decorrentes da ocupação; oferecer ao público a possibilidade de acesso a ambientes ecológicos para o lazer, ativo e contemplativo, em contato com a natureza.

Arie do Morro
do Iririú

Categoria: Área de relevante interesse ecológico (Arie)

Grupo: Uso sustentável

Área (km²): 4.977

Objetivos: Garantir a proteção dos remanescentes do Bioma Mata Atlântica em ambiente urbano, mais especificamente os ecossistemas de Floresta Ombrófila Densa, visando ao equilíbrio ecológico e a qualidade de vida; proteger a fauna e a flora silvestres, visando a manutenção genética da biodiversidade local; disciplinar o uso e a ocupação do solo, restringindo novas ocupações; disciplinar atividades potencialmente poluidoras na região com controle, monitoramento e fiscalização ambiental; fomentar o turismo ecológico, pesquisa científica e educação ambiental.

RDS da Ilha do
Morro do Amaral

Categoria: Reserva de desenvolvimento sustentável (RDS)

Grupo: Uso sustentável

Área (km²): 3.455

Objetivos: preservar a natureza, com a proteção de remanescente da Mata Atlântica, da Floresta Ombrófila densa e seus ecossistemas, mangue e lagoa; proteger a fauna e a flora silvestre; assegurar as condições e os meios para a melhoria da qualidade de vida da população local; fomentar o turismo ecológico e a educação ambiental; preservar e valorizar a cultura, história e tradições locais; preservar os sítios arqueológicos (sambaquis).

Se a questão ambiental fosse prioridade nas decisões da administração pública, é bem possível que áreas como saúde, infraestrutura urbana, saneamento básico, assistência social, turismo e lazer contassem com menos problemas.

 

Para a professora Therezinha de Oliveira, elas são estratégicas porque mexem com a qualidade de vida das pessoas, mas dificilmente são consideradas.

 

– É preciso ter os três eixos caminhando juntos: crescimento econômico, dignidade social e a qualidade ambiental. A cidade tem que crescer, gerar emprego, mas respeitar os limites do meio ambiente – avalia Therezinha.

 

Entre as sugestões da especialista estão a evolução do sistema de coleta seletiva, com o reaproveitamento de resíduos. Segundo ela, Joinville gera em torno de 400 toneladas de lixo por dia, as quais poderiam ser transformadas em matéria-prima: 51% é de matéria orgânica, que poderia ser compostada e virar 200 toneladas de condicionadores de solo usados nas áreas públicas da cidade, como ajardinamento de praças e hortas escolares.

 

– Estamos enterrando energia e transformando o nosso solo em aterro sanitário – lamenta Therezinha.

 

A Sema ainda caminha para este projeto, com acompanhamento das cooperativas de coleta e triagem de lixo, em parceria com a Secretaria de Assistência Social, e criou um programa de compostagem na Ceasa. Lá, será feito um trabalho de educação ambiental de separação e posse dos resíduos, além de fazer compostagem no aterro sanitário.

A disponibilidade de recursos hídricos pode não ter figurado entre os problemas enfrentados pela comunidade joinvilense, mas, ainda que o município seja privilegiado neste fator – a bacia hidrográfica do Rio Cubatão do Norte é uma das principais da região e tem cerca de 80% de sua área total inserida em território de Joinville – a quantidade e a qualidade da água é assunto que não pode ficar de fora na lista de prioridades. O crescimento da população e das atividades industriais no município e no seu entorno representam um aumento significativo no consumo.

 

– A gente quer que venham indústrias, empregos e pessoas para cá, mas água não cresce, nem aumenta. O que temos de água hoje é o que teremos no futuro. Também se falava que São Paulo era a terra da garoa e hoje há falta de água lá – alerta a professora da Univille, Therezinha de Oliveira.

 

Ela acredita que o primeiro passo para essa mudança seja a criação do grupo de trabalho da Prefeitura de Joinville para reunir as informações  colhidas pelo Comitê de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas dos rios Cubatão e Cachoeira (CCJ), pela Secretaria do Meio Ambiente e pela Companhia Águas de Joinville. Integradas, elas poderão discutir as mudanças climáticas e os recursos hídricos.

 

Segundo o ambientalista Nelson Wendel, os dados do CCJ mostram que, enquanto o rio Cachoeira está apresentando redução da carga poluente, o rio Cubatão está perdendo qualidade.

 

– À primeira vista, parece ter água em abundância, com o (rio) Piraí e o Cubatão, mas não temos sistema de armazenamento de água em açude ou algo assim. Não precisa construir um açude imenso. O que tem de ser feito é dar prioridade à preservação das florestas da Serra do Mar para manter essa produtividade de água – afirma Wendel.

 

Atualmente, a Sema está focada em um estudo para caracterizar a fauna e flora das áreas marginais e dos cursos de águas nas nascentes dos rios de Joinville. Nesse estudo, a ideia é verificar quais são as espécies de vegetação e os animais que vivem nos cursos de água.

Desde que a Fundema foi transformada em secretaria, em 2014, cabe a ela fazer a fiscalização e conceder o licenciamento de obras – antes, a responsabilidade era da Secretaria de Infraestrutura Urbana. Além disso, a Secretaria de Meio Ambiente controla a conservação de áreas públicas e trabalha para que estes serviços administrativos, unidos àqueles que já eram atendidos pela Fundema, sejam otimizados e simplificados. Para isso, conta com a tecnologia e aliados para desenvolver o conhecimento necessário para fazer evoluir a gestão em meio ambiente no município.

 

– Tanto os licenciamentos ambientais quanto os alvarás de construção estão  relacionados à burocracia e à dificuldade de agilidade nos processos – comenta a diretora da Sema, Luana Pretto.

 

Conforme ela, trata-se de um grande desafio que envolve transparência para que a pessoa possa consultar na internet, protocolar o pedido na hora que ela quiser e não depender de estacionamento.

 

No dia 4 de julho, os licenciamentos ambientais começaram a ser feitos eletronicamente e, agora, a secretaria espera fazer o mesmo com os alvarás de construção. Este projeto trouxe outras prefeituras a Joinville para conhecer como funciona a tramitação eletrônica de licenciamento eletrônico, da mesma forma que a Sema buscou informações em outras cidades para desenvolver ações como o Projeto Legal – um conjunto de peças gráficas utilizado como padrão a ser apresentado para a emissão do alvará de construção – e o diagnóstico socioambiental, que apresentou propostas de mudanças no licenciamento ambiental da cidade, produzido a partir do Guia de Atuação no Ordenamento Territorial e Meio Ambiente produzido pelo Ministério Público de Santa Catarina.

 

– Uma dificuldade muito grande que a gente tinha era o fato de estar aplicando a área de preservação permanente de 30 metros dentro do município, mesmo sabendo que havia muitas regiões onde já tinha uma área consolidada. A gente acabava ficando de mãos atadas porque não havia solução – lembra Luana.

 

A Sema deu início a convênios que colaboram nas duas vias. Na parte burocrática, já está em execução o convênio com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de SC (Crea) para que o mesmo trabalho de inspetoria não seja repetido. Assim, caso encontrem alguma irregularidade, o Crea informa a Prefeitura para que um fiscal da Sema seja enviado ao local. Da mesma forma, a PM Ambiental colabora na vigilância das áreas de preservação ambiental, evitando construções irregulares.