REFUGIADOS

álculos sempre fascinaram Wendy Philossaint. Todos os dias ficava um pouco mais em sala de aula para resolver exercícios na companhia do professor do curso de Engenharia Civil. Naquela terça-feira, 12 de janeiro de 2010, era esse mais uma vez o plano do rapaz de 24 anos, que carrega resiliência no semblante e no jeito de falar. A esposa dele também estava na universidade, mas longe dali, na companhia de amigas. Quando eram 17h Philossaint e o professor resolveram deixar o prédio, por motivos que até hoje não sabe explicar:

 

- Me veio à cabeça que não podia ficar ali. Que deveria ir embora. Que deveria sair - lembra cabisbaixo, encostado no muro da casa do amigo Jeanpaulo, o Gazman.

Haitianos do Vale desviam de conversas sobre o grande terremoto
de 2010, tragédia que alavancou a onda migratória ao Brasil

C

O governo

do Haiti acredita

que 500 mil

 pessoas tenham deixado as áreas atingidas pelo terremoto para buscar refúgio em outras partes do país

e do mundo

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No extremo Norte do Haiti, Chenet Thomas, 37, trabalhava como em um dia qualquer. Mas um barulho rompeu a tranquilidade da tarde de terça-feira. As palavras de socorro vinham de fora. Em poucos minutos o trânsito ficou confuso, as pessoas saíram à rua. Fiel à rotina de analisar projetos da prefeitura local, a partir daquele 12 de janeiro Thomas assumiu a missão de transportar moradores da capital ao Norte do país. Foram longos dias de trabalho exaustivo, interrompidos por algo que viu na televisão:

 

- Assisti a uma entrevista do presidente Lula com o governo do Haiti e vi que havia uma cooperação entre os dois países. Estava bem no emprego, mas logo depois fiquei desempregado por causa da situação. Resolvi vir ao Brasil.

 

Segundo a diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos, Rosita Milesi, o contexto da diáspora haitiana é mais amplo do que as consequências do terremoto. A desordem econômica e social vem de muito tempo e já estimulou processos migratórios a outros países do Caribe, América do Sul, além de Estados Unidos, França e Canadá. Com o tremor e as viagens em massa, vários países restringiram a chegada de mais imigrantes, ao contrário do Brasil.

 

Segundo a estudante e pesquisadora do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Maria Clara Kretzer, o país entrou no imaginário do povo caribenho com a Missão da Organização das Nações Unidas (ONU) que mantém o Exército brasileiro no Haiti há 11 anos.

 

- Depois deste período os haitianos começam a ver o Brasil como uma rota alternativa - avalia.

 

O desemprego pós-terremoto fez Thomas deixar no país as duas filhas, uma de cinco e outra de nove anos, e a mulher. Uma nova vida era o que procurava, e a encontrou em Blumenau. Chegou em 2013, e hoje trabalha na Companhia Urbanizadora (URB). Assim como quase todos os compatriotas que por aqui apareceram, desvia de conversas sobre o passado de terror.

 

Prefere pensar num futuro ao lado da família.

O terremoto de 7,3 graus na escala Richter que devastou o Haiti e a universidade de Porto Príncipe viria 15 minutos depois. Ele saiu a tempo. Os demais, incluindo a esposa, não tiveram a mesma sorte. O tremor durou 35 segundos, suficientes para afetar diretamente 1,5 milhão de pessoas - 15% da população do país caribenho. Mais de 220 mil pessoas morreram e 105 mil casas foram completamente destruídas. Considerado o maior desastre natural das Américas, o fenômeno causou danos calculados em 7,8 bilhões de dólares, equivalente a 120% do Produto Interno Bruto do país.