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a casa de fundos da Rua Gustavo Rutzen, na Itoupavazinha, ouve-se um choro. É Paulino que acaba de acordar nos braços da mãe. O menino de cabelos pretos encaracolados é o mais novo morador da casa de três cômodos com paredes sem pintura. Na cozinha, que é também sala e escritório, o computador toca um ritmo latino, bem baixinho para não atrapalhar o bebê. O sol raramente alcança o interior dos cômodos, mas Paulino vive aquecido enrolado em cobertas e com uma touca de lã branca.

 

Sentado no sofá da varanda, o pai faz planos para a família. Trabalhador como tantos outros do bairro, Obertsonn Lexin, 29 anos, emenda jornadas para aumentar o salário e almeja expandir a lan house que abriu no Testo Salto. A mãe do menino trabalha em uma empresa de produtos para saúde em Blumenau, mas está em licença-maternidade.

 

- Eles são tão educados que até estranho. Às vezes nem sei como reagir. Quando me convidam para almoçar não tem prato raso, só prato cheio. E tem que comer tudo! - impressiona-se a vizinha e admiradora Raimunda de Amorim.

 

Quatro dias antes, um domingo, não fosse o socorro dos vizinhos no meio da madrugada Paulino teria nascido ali mesmo, e não na segurança do Hospital Santo Antônio. Nisoulle Antoine, 37, sentiu as primeiras dores às 3h. Por não conhecer o sistema público de saúde e ter ouvido histórias de cirurgias malsucedidas, chorou de nervosismo ao saber que uma cesariana seria necessária. O menino nasceu saudável às 7h. Com Paulino nos braços e o apoio do marido, voltou para casa levando fraldas e roupinhas de bebê dadas de presente por pessoas quase desconhecidas.

 

- Nesses dois anos nunca pensei que aqui tinha tanta gente boa. Quando meu filho nasceu eu pensei: eu não saio mais daqui, não - exclama Lexin.

 

CIDADÃOS DO VALE

Após três anos de imigração ininterrupta, 2 mil haitianos formam
novas famílias e uma comunidade integrada à vida da região

O número exato de haitianos em Blumenau é desconhecido, mas mais de 700 emitiram carteira de trabalho na cidade

Lexin sonha em trazer a filha de seis anos do Haiti para deixar a família completa. Por enquanto, mata a saudade com a foto 3x4 no armário do quarto. Aspira prosperar como empresário. Quer ampliar os negócios em parceria com o amigo Jeanpaulo Poloville Desrosiers, 27, também haitiano. Para alcançar o objetivo faz curso de informática e concilia a rotina com o trabalho na construção civil.

 

- Quero apenas uma casa própria para os meus filhos morarem. Para mim, nada, estou de boa. Quero ter dois filhos profissionais para não passarem trabalho como eu passei - deseja.

 

Integrados ao bairro, ao mercado de trabalho e, desde 12 de abril, pais de um blumenauense, Lexin e Soulle vivem dramas e felicidades comuns aos milhares de cidadãos que nasceram em outras partes e foram adotados pelo Vale do Itajaí. Com uma diferença: são refugiados estrangeiros. Nasceram no Haiti, a nação mais miserável das Américas e que foi devastada por um terremoto há cinco anos. Ao lado de quase 2 mil compatriotas registrados na Polícia Federal de Itajaí, estabelecem uma comunidade nova dentre as diversas etnias de estrangeiros que por aqui aportaram desde o século 19.

 

 

 

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