ntre retalhos, tecidos, linhas, agulhas e muitos livros de arte, Reidaviqui Davilli de Maria, 25 anos, descobriu seu papel no mundo: usar a moda como ferramenta de transformação. O estilista de Garopaba, morador do Jardim Janaína, em Biguaçu, impressiona pela articulação e clareza do que a moda representa em seu papel como criador.
Muito cedo, o jovem negro, criado somente pela
mãe, buscou uma trajetória diferente da maioria dos meninos com realidades parecidas com a sua. Cresceu dando explicação de que seu nome não tem relação
com o rei Davi da Bíblia, mas sim com o nome de um jogador de futebol estrangeiro que a mãe entendeu errado. Na infância, conheceu o balé, e na adolescência as artes plásticas.
Aos 15 anos, Reidaviqui entrou para o projeto social no Centro Cultural Escrava Anastácia. Ali, teve o primeiro contato com as máquinas de costura, tesouras e tecidos que já o encantavam desde a infância:
– Minha casa era toda desenhada nas paredes e nas portas. Eu fiz balé dos sete aos 14 anos, mas sempre me interessei mais pela parte de figurinos, eu tinha essa curiosidade – relembra.
O objetivo do projeto era montar uma cooperativa de moda jovem, e para isso Reidaviqui começou a frequentar algumas disciplinas na Centro de Artes da Udesc, dentro do projeto Ecomoda. Nesse período, conheceu professores que são seus mentores até hoje.
– Ao mesmo tempo em que me encantei de conhecer mais desse mundo que eu via nas revistas, cheio de brilho, ainda que artificial, foi um choque. Eu comecei a ver que a moda não era só passarela, só consumo. Vi que meu trabalho era pensar a moda de outro jeito, como uma ferramenta de responsabilidade social – explica o estilista.
Intercâmbio na Itália
Durante os estudos na Udesc, Reidaviqui teve a oportunidade de fazer um estágio na Itália, expoente da moda mundial. Sem condições financeiras, correu atrás de ajuda por todos os lados:
– Sempre me virei costurando e minha mãe vendeu muito sanduíche natural na praia pra conseguir que eu fosse. Lá eu vi um mundo novo. Sempre sonhava em ir para Paris, Milão, mas depois que voltei, fui percebendo que tu não precisa estar na Europa para fazer uma coisa grande. Isso eu estou fazendo aqui e agora. Grande para mim é entrar em uma comunidade e ter uma menina gritando meu nome, agradecendo por um vestido. Esse é meu universo, e consigo encontrar aqui.
De aluno do projeto no Centro Cultural, Reidaviqui passou a educador social, e hoje ministra oficinas para jovens como ele. Pelo seu talento, ganhou uma bolsa de estudos de uma universidade particular e em breve vai concluir sua formação acadêmica em moda.
Nome: Reidaviqui
Davilli de Maria
Idade: 25 anos
Comunidade: Jardim Janaína – Biguaçu
Talento: estilista
NAS REDES
Facebook:
Reidaviqui Davilli
Instagram: @reidaviqui
Contato: (48) 9679-2501
Em novembro de 2015, o estilista assinou um desfile intitulado Negros: suas formas e história, após ser contemplado pelo edital Elisabete Anderle de estímulo à cultura. Ele conta que uma professora falou para ele do edital, que iria premiar pela primeira vez artistas negros que falassem de arte afro-brasileira.
– Uma semana antes do fim das inscrições, a Célia (professora) me falou. Então comecei a pensar o que poderia fazer. Tinha passado por um episódio chato na faculdade, quando questionei um professor da disciplina de desenho por não ver nenhum negro representado em um país que a maior parte da população é negra. Ali mergulhei em um processo de pesquisa e cheguei no tema diáspora, dentro disso na pós-abolição.
Ele, jovem, negro e homossexual, relata que começou a refletir sobre quais eram as marcas que ele e outros jovens como ele carregavam.
– Quando um jovem negro entra na minha sala e fala que foi seguido pelo segurança no shopping, reflito até que ponto a abolição da escravatura é real. Após pesquisar muito e entender o papel do negro na sociedade, vi que é um ser que está em pedaços.
Uma característica muito comum são os retalhos, pedaços que compõem algo, até pela minha história de vida, que é muito fragmentada.
Com os R$ 25 mil do prêmio em mãos, ajuda de amigos e professores, Reidaviqui conseguiu fazer os desenhos, a coleção e o desfile. Todos os modelos eram do projeto, jovens negros e negras que pela primeira vez se viram como protagonistas de uma história.
Grande para mim é entrar em uma comunidade e ter uma menina gritando meu nome, agradecendo por um vestido.
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