O maldito bastardinho até que levava jeito para convencer os jovens com promessas de rebeldia eterna, mas não resistiu aos encantos de um rival com quem nem eu, com todos os meus poderes, sou capaz de competir. Que mané Deus, o quê! Estou falando de dinheiro! Por menos do que as 30 moedas de prata que o meu afilhado Judas ganhou para entregar Jota Cê, esse tal de rock’n’roll me traiu e se vendeu para o sistema. Você acredita mesmo que um herdeiro meu ia inspirar aquele bando de ídolos engomadinhos para adolescentes?!?! Vade retro!

Meu filho legítimo semeou a desordem e o caos, escandalizou a sociedade e gerou a dinastia

Black Sabbath

Black Sabbath

1970 / Vertigo Records

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Black Sabbath

The Wizard

Behind The Wall Of Sleep

N.I.B.

Evil Woman (cover Crow)

Sleeping Village

Warning (cover Aynsley Dunbar Retaliation)

enho que confessar que foi fácil estender meus domínios sobre a música ouvida neste planeta mixuruca de vocês. Até porque a indústria musical nunca foi lugar de santo. E ficou pior ainda com a onda flower power na década de 1960. Mesmo para

mim, um especialista em falsidade, a inocência utópica pregada pelos ripongas era hipócrita demais. Alguém tinha que fazer o trabalho sujo e acordar a juventude para a realidade. Deixa comigo, pensei.

Tratei de procurar um local onde minha filosofia sonora – quanto mais alto, sujo e agressivo, melhor – fosse aceita sem resistência. O paraíso que eu imaginava existia e ficava no centro da Inglaterra: a cinzenta, chuvosa e entediante Birmingham. Ao chegar na cidade, conheci uma banda chamada de Earth (Terra, em inglês). Mas seus integrantes não tinham nada a ver com arco-íris e incenso. Eram pobres, feios e encrenqueiros. Foi ódio à primeira vista.

Em troca da eternidade, convenci os quatro imprestáveis a mudar o nome da banda para Black Sabbath, o ritual pagão que reúne bruxas com a corte infernal. O resto é história. Em fevereiro de 1970 – numa sexta-feira 13, ora se não! –, com trovões e raios retumbando dos alto-falantes, o público ouviu pela primeira vez o homônimo disco de estreia do grupo. Nas letras, ocultismo, terror e guerra. Ou seja, poesia pura. O som? Sai da frente!

A partir do blues, Ozzy Osbourne (voz), Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e Bill Ward (bateria) elevaram a patamares de distorção impensáveis para a época o barulho que faziam, soturno e repleto de trítonos – estrutura harmônica de efeito dissonante conhecida como diabolus in musica por causar muita tensão e punida pela igreja medieval com a fogueira. Me emocionei com a homenagem, só não chorei porque não ia pegar bem para mim.

No lançamento, soprei no ouvido de Ozzy para ele declarar: “Nossa música é uma reação a toda essa babaquice de paz, amor e felicidade. Os hippies ficam tentando convencer você de que o mundo é uma maravilha, mas é só olhar ao redor para ver em que merda estamos.” Claro que teve um pessoal que levou o papo a sério demais. Azar dessas pobres almas. O mundo nunca mais seria o mesmo depois do recém-nascido dar o ar da sua (des)graça.

Às gargalhadas, meu filho abriu as asas.

(E depois acabou soltando as feras e caindo na gandaia.)