Alemanha manezinha

numa história de idas e vindas, o relojoeiro de stuttgart caiu nas graças da moradora de floripa e largou a europa para ser feliz no paraíso cercado por costões

que um alemão e uma manezinha têm em comum? O amor por Florianópolis. Protagonistas de uma história de filme que parece ter sido escrita pelo destino, Mariza, 58 anos, e Ebehart John, 66, se conheceram há exatas três décadas, quando a moda era cabelo repicado, e a Dizzy, na Avenida Beira-Mar Norte, era a melhor discoteca da cidade. Hoje, eles vivem numa cidade diferente da que os uniu.

No Santinho, praia do norte da Ilha de Santa Catarina que escolheram para viver desde 2003, há menos dunas, mais prédios e o trânsito é mais caótico. Mas a natureza exuberante e a lua nascendo no mar continuam arrancando suspiros do casal. Se o sonho de todo alemão é viver perto da praia, a de todo manezinho é também estar na sua terra e perto da família.

Ebehart John veio a Floripa pela primeira vez em 1987, quando viajava pelo Brasil com amigos. Hospedado num hotel da Rua Felipe Schmidt, soube do Ressaca, extinto bar da Avenida Beira-Mar, na mesma área da Dizzy.

– Era 7 de março, véspera do meu aniversário. Estávamos na janela, ele no lado de fora, eu dentro. Eu não o observei, mas ele me viu e me mandou uma rosa. Na época, era comum ver meninas com cestos vendendo flores, com bilhete escrito em inglês e alemão — lembra ela, que não entendia nenhum dos idiomas e teve ajuda de uma amiga para traduzir.

O garçom do bar, por coincidência, era descendente de alemão e se propôs a ajudar. O recado era: “Praia do Campeche amanhã”. Quase que ocorreu um desencontro, porque Mariza chegou cedo e ele, tarde. Até que depois do almoço ela voltou e avistou o alemão, vestindo uma sunga pequenininha, e o amigo dele, calçando meia e sandália.

Ebehart, que trabalhava como relojoeiro e tinha dois filhos do primeiro casamento, teve certeza de que só se casaria novamente se fosse com a manezinha. A história se desenrola com mais coincidências: ele chegou a ligar para a casa dos pais e para o trabalho dela: “Marriza, Marriza”, dizia. E ninguém entendia. O chefe da moça, que falava a língua, intercedeu para dar o recado: o alemão queria se despedir.

Com ajuda de uma vizinha para traduzir a conversa, ela foi ao aeroporto. Lá trocaram o primeiro beijo, com a promessa de que Ebehart voltaria para unir a nota de 10 dólares que partiu em dois, cada metade com um nome. A nota e o bilhete do bar Ressaca até hoje estão guardados, emoldurados num quadro.

Graças a uma prima de Mariza que já morava, por nova coincidência, na mesma cidade que Ebehart nasceu, Stuttgart, e a incentivou a confiar, a manezinha contrariou a família e foi morar na Alemanha. Ebehart veio buscá-la, meses depois que se conheceram. Lá, ela estudou o idioma, fez faculdade e por fim se casaram. Viveram na Alemanha por 16 anos, até decidirem voltar a Florianópolis.

– As pessoas diziam que eu falava bem o alemão, mas eu cantava um pouco – ri Mariza.

Hoje, no bairro, ela é conhecida como a Mariza do Alemão. E ele é conhecido por fazer o melhor pão da vizinhança.

O

O que a nativa da

Ilha de Santa Catarina

ensinou aos germânicos

Ebehart John, apesar de morar em Florianópolis há anos, ainda fala pouco português. Já ela reconhece que, mesmo tendo morado tantos anos fora da cidade natal, manteve a essência. E, claro, levou para a Alemanha, país com hábitos mais frios, o calor humano e o acolhimento tão peculiares aos manezinhos.

– Lá, as relações familiares são diferentes. Tudo é mais regrado. Eu, como boa manezinha que sou, cheguei nos meus sogros e, na primeira vez, tasquei um beijo e um abraço. Me olharam como se eu estivesse fazendo algo errado. Minha prima tinha esquecido de avisar que lá não se beija, só se dá a mão. Hoje, os familiares dele, quando se encontram, se beijam. É uma coisa que eu levei para lá. Assim como comer brigadeiro, pastel, pão de queijo – diz Mariza.

Por outro lado, Florianópolis assusta alguém acostumado a regras e organização:

– A segurança aqui pode melhorar muito. Para mim, é estranho quando leio no jornal que teve alguma fuga de presídio. São coisas desconhecidas na Alemanha. Como alguém pode fugir da prisão? O trânsito também, aqui ninguém respeita nada. Mas o que mais incomoda é a pontualidade. As pessoas não avisam que vão se atrasar – lamenta Ebehart.

Mariza pondera as críticas do amado, que foi atraído a Florianópolis pela natureza, tranquilidade e alegria das pessoas:

– Acho que a cidade perdeu um pouco isso. Eu já peguei camarão com a mão na Lagoa da Conceição, onde meus pais nasceram. Isso o Ebehart ainda viu, o manezinho que bota a cadeira na frente de casa para ficar conversando. Mas essas coisas estão acontecendo no mundo inteiro. O que se pode fazer é tentar pôr ordem.

Praia do Santinho

O Santinho faz parte do distrito de
Ingleses do Rio Vermelho, no Norte da Ilha de SC.
A praia tem costões nos dois lados — à direita, a trilha leva a um acervo de arte rupestre de mais de 5 mil anos. A Pedra do Santinho deu nome ao lugar. Por ser parecida com a imagem de um santo, chegou a ser reverenciada. Também há desenhos de círculos concêntricos com pontos, linhas onduladas e paralelas e figuras humanas gravados nas rochas.

Mariza e Ebehart John compraram o terreno na Praia do Santinho em 1992, entre idas e vindas para Florianópolis durante as férias, mas se mudariam 11 anos mais tarde.

– Não tinha nada por aqui. Nem a nossa rua, que foi aberta para que pudéssemos subir até o terreno – lembra ela.

Ebehart conta que há até pouco tempo era possível ver as vaquinhas pastando nos gramados próximos às dunas. Mas com os novos empreendimentos, a vista para o mar está ficando restrita aos sortudos que podem comprar um apartamento virado para o leste.

Girlei e
Ana Paula

outras histórias