Refúgio dos enamorados

Das mãos dadas às escondidas na Conselheiro Mafra,  vô carlão e vó neusa se casaram na Ilha e hoje vivem num cantinho particular na Costa da lagoa

ão havia energia elétrica na Costa da Lagoa 30 anos atrás, quando Carlos Gustavo Adriano, 74 anos, e Neusa Helena da Silva Adriano, 67, construíram a casa onde hoje moram.

– Não existia metade das casas que têm hoje, nem eletricidade. Compramos liquinhos para botar em cada peça. Não tínhamos telefone, nem esgoto. Batalhamos um bocado – lembra Neusa.

Ao lado do Ponto 13, uma das 23 paradas para embarque e desembarque dos barcos que navegam pela Lagoa da Conceição, eles ergueram um refúgio para a família. O jardim é decorado com a placa: “Nosso Cantinho – Vô Carlão e Vó Neusa”. Numa quarta-feira nublada de março, Carlos contemplava a paisagem enquanto ouvia uma música romântica no quintal.

Foi quando a equipe de reportagem do DC apareceu no portão, perguntando se conhecia uma bela história de amor. Ele sorriu e prontamente começou a narrar como a própria família começou.

Ele, nativo do bairro João Paulo, é tio “dos Dazaranha”, bairro onde a banda começou. Ela é nativa da Agronômica – então uma região rural, com sítios onde se colhiam laranjas. Os dois se conheceram em 1970, época em que as ondas ainda batiam no Miramar, os carros ainda circulavam por toda a Rua Felipe Schmidt e a
rodovia SC-401, em direção ao norte da Ilha, começava a ser duplicada.

Em 47 anos, eles viram a cidade se transformar. Como autênticos manezinhos, ainda usam expressões como “a gente é lá de baixo” para se referir ao Centro, preservam o sotaque e os costumes. Mesmo agora, que estão aposentados e têm tempo para viajar, não abrem mão de Florianópolis, nem da calmaria da Costa da Lagoa.

– É uma cidade boa de morar. Tem  muitas coisas bonitas lá fora, mas eu não troco a nossa cidade por nada – orgulha-se Neusa.

– Nos conhecemos, namoramos e tivemos dois filhos em Florianópolis. Vieram as amizades. Entrei como escriturário e cheguei a gerente na Caixa Econômica. Eu não teria o que tenho hoje se fosse em outro lugar – emenda Carlão.

N

(i)

Navegador histórico

Ao ver nomes de lugares da cidade em negrito, clique para ver fotos históricas da cidade ou relacionadas à época a que os personagens se referem

O escurinho da

Conselheiro Mafra

A Rua Conselheiro Mafra tinha menos luminosidade há cinco décadas. Foi nessa região histórica, com casarões erguidos no começo do século passado ainda preservados, que Carlão e Neusa davam as mãos escondidos dos olhos alheios.

A via recebeu o nome em homenagem ao advogado e político Manuel da Silva Mafra, o Conselheiro Mafra (1831-1907), nascido na antiga Desterro. Mas já teve outros nomes: Rua Augusta, do Príncipe, do Comércio e Altino Corrêa.

Continua uma via essencialmente comercial, com lojinhas de bugigangas, tecidos, móveis, bijuterias, inferninhos, hotéis de quinta categoria, lanchonetes e uma variedade de comércio informal.

– A Conselheiro Mafra era escurinha e lá passeávamos de mãos dadas. Até que ele disse: vou terminar com minha namorada. E aí eu também terminei com o meu, era um namorado de cinco anos com quem me correspondia por carta. Aí deu aquele fuzuê e com seis meses de namoro, nós noivamos. Com um ano, nos casamos e estamos aí, há 47 anos – afirma Neusa.

Vô Carlão recorda do comércio barato e do Mercado Público, mas enaltece a má fama da rua na época:

– Hoje a Conselheiro evoluiu. Qualquer coisa de sacanagem que acontecia na época, era lá. Alguém via um amigo com amante? Era lá.

Reduto intacto da

cultura açoriana

Chegar à Costa da Lagoa só é possível via barco, a partir dos terminais lacustres do Centrinho da Lagoa e do Rio Vermelho, ou, para aventureiros, por trilhas. O difícil acesso faz com que a região, localizada na parte noroeste da Lagoa da Conceição, seja um dos poucos redutos da cultura açoriana ainda preservada. Na comunidade, batizada Centrinho da Costa, vivem pescadores e rendeiras que hoje recebem turistas e os próprios moradores de Florianópolis em restaurantes de comida típica. Carapeva, pirão e camarão, claro, estão no cardápio.

Na trilha para a Costa, a partir do Canto dos Araçás, ainda se podem ver resquícios dos séculos passados, quando no lugar funcionavam engenhos de farinha. Um deles ainda funciona uma vez por ano, na festa e farinhada promovida pela comunidade.

Mais adiante no mesmo caminho, há um casarão construído por volta de 1780, por escravos, conhecido como o Sobrado da Dona Louquinha. Todo o caminho da Costa da Lagoa é tombado como patrimônio histórico e cultural do município.

De antiga freguesia a point turístico

A Lagoa da Conceição é a terceira freguesia mais antiga de Florianópolis, oficializada pelo império em 1750. Tem 55,28 quilômetros quadrados e, para quem é de fora, fica difícil assimilar o número de localidades que fazem parte do distrito: Costa da Lagoa, Praia e Parque da Galheta, Praia da Joaquina, Lagoa da Conceição, Canto da Lagoa, Retiro da Lagoa, Praia Mole e Porto da Lagoa.

Dentre as praias mais famosas da Ilha, três delas ficam no entorno: a Joaquina, a Mole e a Barra. O Centrinho e a Avenida das Rendeiras são hoje points para turistas, com bares, casas noturnas, restaurantes de frutos do mar, a tradicional feirinha de artesanatos na Pracinha (na Lagoa, tudo é no diminutivo).

início

Lucas e Erwin