A senhora Katharinenstrasse

A história de esquecimento e de redescoberta da avenida Getúlio Vargas é revelada por seus patrimônios e personagens

Em poucos metros da via disputada pelos bairros Bucarein e Anita Garibaldi é possível encontrar solução para uma porção de necessidades, do conserto de um aparelho de TV à encomenda de um terno sob medida - atividade cada vez mais rara em Joinville. A oferta de produtos e serviços é o forte da avenida Getúlio Vargas, e não é de hoje. Prédios construídos há quase cem anos, alguns com a data registrada na fachada, constituem a prova material da antiga relação do caminho, o mais importante de ligação à região Sul da cidade, com o comércio.

Via já teve trânsito de mão dupla e paralelepípedos

O alfaiate que atende há mais de 30 anos no mesmo endereço, a papelaria que passa de pai para filha e se mantém há 40 anos no ramo e o imóvel camaleão, que já recebeu vários tipos de comércios, revelam pequenas histórias de uma avenida que não estão contadas em livros, mas muito vivas na memória dos personagens que fazem a economia girar por ali.

Nem sempre a Katharinenstrasse — nome original da Getúlio Vargas usado até os anos 1940 — foi uma via de interesse comercial. O caminho foi aberto para ser o acesso principal à região marcada, inicialmente, para receber o núcleo urbano da Colônia Dona Francisca, por ser alta e seca e estar próxima ao porto, por onde chegavam os imigrantes. Os primeiros lotes foram vendidos aos alemães e austríacos a partir de 1858, mas o Bucarein acabou perdendo a importância, já que apenas o Centro vingou como núcleo residencial e comercial, como lembra o historiador Dilney Cunha.

O esquecimento da Katharinenstrasse durou quase 50 anos até a chegada da estrada de ferro cortando a cidade e fazendo a conexão entre São Francisco do Sul e o Planalto Norte. Era pela avenida Getúlio Vargas que a maioria dos passageiros passava para chegar à rua Leite Ribeiro e embarcar em um vagão na estação ferroviária, hoje resgatado como espaço museológico e de memória.

Estação Ferroviária no ano da inauguração, em 1906

A partir de 1906, quando a ferrovia foi inaugurada, a proximidade com o local de chegada de mercadorias e a movimentação de pessoas fizeram com que a avenida voltasse a ser uma área de interesse imobiliário. Começava, então, o investimento no alargamento e urbanização da Katharinenstrasse, que havia se tornado uma área estritamente residencial.

Desfile de 7 de Setembro acontecia na Getúlio Vargas. Hoje o ato cívico ocorre na avenida Beira-rio

— A atual Getúlio Vargas não era mais que um caminho estreito macadamizado, com valas laterais — relata Carlos Ficker no livro História de Joinville — Crônica da Colônia Dona Francisca, em publicação de 1965.

A estação ferroviária trouxe um rápido crescimento e a afluência de novos moradores, inclusive de imigrantes sírio-libaneses, como os Zattar, Farah, Cecyn e Dippe, que, segundo Dilney, se dedicavam ao comércio, sobretudo de tecidos. Com a nova onda de ocupação também apareceram as primeiras alfaiatarias, funilarias, bares, padarias, farmácia, entre outros comércios que permanecem até hoje. Foi nesta época pungente que também era construído o Hospital de Caridade, atual Hospital Municipal São José.