O Calor do Inverno #7: O caminho do ouvido à alma

Durante a estação mais fria do ano, série do Pioneiro irá apresentar 10 histórias para aquecer a alma.


Publicao em 20 de agosto de 2016

Texto

Andrei Andrade

andrei.andrade@pioneiro.com

Imagens

Roni Rigon


Infografia

Guilherme Ferrari

O Calor do Inverno #9:

A insensatez da pressa

Tivesse o ser humano a paciência das orquídeas, quão plena poderia ser a vida. Enquanto o imediatismo de uma existência que se busca legitimar por resultados nos faz escravos, a planta parece brincar com o tempo sempre que espera sete ou oito anos para oferecer a primeira florada, que pode durar meses, mas também um dia só. A paciência é o conhecimento mais elevado que a planta transmite a quem dedica a vida ao seu cultivo. A pressa, parece dizer a planta, é uma insensatez.

O inverno é a estação em que a maioria das espécies de orquídea repousa no chamado estado de dormência. Aguardam pela chegada da primavera para retribuir com flores a todo o cuidado que recebem, principalmente nos dias e noites mais gelados. Orquidófilos como Ivanor Frighetto, 42 anos, que na estufa do fundo de sua casa abriga mais de mil espécimes, dedicam um amor paternal às plantas, que se colocam à prova no período mais frio só ano. Ivanor, cuja primeira orquídea que teve em mãos recebeu da avó, e a segunda ofereceu à esposa quando o filho deles nasceu, há 15 anos, controla com rigor a temperatura e a dosagem de água _ menor no inverno, para evitar a formação de gelo na estrutura da planta. Para proteger do frio, diariamente cobre com cobertores os exemplares que são mais castigados pelo ar serrano, no caso espécies que têm origem em regiões de clima quente e que não se adaptam para o frio do Sul. Em noites que ameaçam geada, as mais encarangadas são transportadas para dentro de casa.



O Calor do Inverno #5: O vinho, de Platão a Salvati

Mesmo em sua paciência, o colecionador de orquídeas é um inquieto por natureza. O conhecimento de que incontáveis variedades brotam em cada canto do mundo o faz estar sempre à procura de um novo espécime, que pode ser de um deserto africano ou da selva amazônica. É como a paixão do colecionador de selos, com a determinante diferença de que sua coleção respira, e por isso não será apenas um passatempo.



É que mesmo em sua paciência, o colecionador de orquídeas é um inquieto por natureza. O conhecimento de que incontáveis variedades brotam em cada canto do mundo o faz estar sempre à procura de um novo espécime, que pode ser de um deserto africano ou da selva amazônica. As espécies nativas ao redor do mundo são mais de 20 mil. É como a paixão do colecionador de selos, com a determinante diferença de que sua coleção respira, e por isso não será apenas um passatempo. Demandará necessariamente a tríade que o amigo de Ivanor, Ivan Brugalli, 53, considera requisito básico para o cultivador: paciência, dedicação e paixão. E quanto mais difícil for a adaptação da espécie às baixas temperaturas, maior será o esforço para mantê-la saudável para florir. Para Ivan, é uma sinergia. E na mesma medida que a morte traz a culpa, cada floração faz experimentar o êxito do trabalho bem realizado.

Por uma dessas razões que a própria razão desconhece, a orquídea é a planta que cativa os homens. É rara uma exposição em que não predomine o público masculino, enquanto as mulheres podem ficar por horas conversando do lado de fora. Cerca de 80% dos cultivadores do Rio Grande do Sul são homens, que expõem suas coleções e defendem seus exemplares como se discutissem futebol ou carros antigos. Talvez o maior apreço masculino por coleções, principalmente quando se pode estabelecer algum tipo competição, ajude a explicar. Se à mulher satisfaz a contemplação, o prazer masculino reside mais em catalogar e contentar o espírito de explorador. Não que não se aprecie as cores de uma labiata ou o perfume de uma chocolate drop, para ficar apenas no gênero das cattleyas.

O inverno se aproxima do fim. Logo virá a primavera. Em sua sabedoria, a planta sabe que a pressa é inimiga e o repouso se faz necessário até a próxima floração. Só existe um ciclo, inalterável e perfeito. Ao apaixonado, a orquídea ensina a respeitar o tempo e esperar a renovação. A farmacêutica Karin Schubert, 51, esposa de Ivan, resume: o que a apaixona é o jeito de ser de cada orquídea. Cada uma tem sua necessidade, cada uma irá responder ao seu tempo. Para os orquidófilos, servir uma xícara de chá ou uma cuia de chimarrão e passar algumas horas no orquidário é uma terapia. Faz admirar, faz pensar, faz cuidar, faz esperar. Dotada da calma de um monge, a orquídea ensina os princípios.