O Calor do Inverno #7: O caminho do ouvido à alma

Durante a estação mais fria do ano, série do Pioneiro irá apresentar 10 histórias para aquecer a alma.


Publicao em 26 de agosto de 2016

Texto

Andrei Andrade

andrei.andrade@pioneiro.com

Imagens

Jonas Ramos


Infografia

Guilherme Ferrari

O Calor do Inverno #10:

O inverno da esperança

Mesmo nas manhãs em que a cortina aberta revelar o céu mais cinzento, Simone Jaehn terá na primeira caneca de café do dia um motivo para lembrar que a esperança nunca morre, ainda que por vezes se esconda como o sol. Esse, afinal, é o inverno em que a caxiense de 33 anos pôde voltar a sentir na boca a satisfação de degustar a bebida preferida, um prazer desses tão banais que chega a quase ser esquecido, mas que seus rins disfuncionais a restringiram por nove anos. O primeiro gole a descer quentinho pela garganta após o transplante bem-sucedido foi uma sensação que sua voz ainda embarga para descrever.

O destino deu a Simone todas as chances para desistir. A insuficiência renal crônica foi constatada aos 16 anos, quando as portas da vida adulta mal se abriam, mas logo pareciam querer fechar. A primeira tentativa de transplante de rim, órgão que recebeu da mãe, deu errado por conta de uma trombose na artéria renal. Sem que o sangue pudesse chegar ao rim, ele secou e foi retirado. Era 2006. Naquele mesmo ano, começou a hemodiálise com apenas 30% da atividade renal. Em 2008, quando recebeu o segundo transplante, o órgão chegou a durar 11 meses em seu corpo, até ser rejeitado. Simone precisou voltar então para a rotina de hemodiálise e à fila de espera. Sem poder ingerir mais do que 300 ml de líquido por dia, por não poder produzir urina, havia dias em que chorava de sede. Nessas ocasiões, colocava uma pedra de gelo na boca para amenizar.



O Calor do Inverno #10: O inverno da esperança

No bairro Reolon, Denize Cardoso perdeu o emprego por conta da crise e por três anos se dedicou a fazer cursos, mas não recebeu uma oportunidade de trabalho sequer. Neste inverno, foi contratada para ser auxiliar de cozinha em um projeto social para crianças do bairro.



O terceiro transplante foi no fim de março deste ano. Desta vez, o corpo tem reagido bem, e a vida entrou em uma esfera positiva que a faz acreditar que nada dará errado. O namorado — companheiro com quem divide algumas felicidades que a nova fase permitiu, desde sair para tomar um suco ou café, ou mesmo conhecer Canela e Gramado, algo que a rotina de hemodiálise três vezes por semana não permitia — tornou-se marido em abril. O melhor inverno da vida de Simone só chegou porque ela nunca pensou em desistir. Essa premissa ela tenta transmitir aos pacientes de hemodiálise que hoje ajuda a atender, como um amigo que há 23 anos aguarda pelo rim compatível.

Assim como Simone reencontrou a esperança literalmente dentro de si, a vida também tem se encarregado de devolver o sorriso para pessoas que não desistem dela. No bairro Reolon, Denize Cardoso perdeu o emprego por conta da crise e por três anos se dedicou a fazer cursos, mas não recebeu uma oportunidade de trabalho sequer. Neste inverno, foi contratada para ser auxiliar de cozinha em um projeto social para crianças do bairro, onde sente que a sua obrigação é muito maior do que preparar lanches, mas sim oferecer carinho e atenção para dezenas de crianças que experimentam muito pouco calor humano. No bairro Montes Claros, após incontáveis anos de dificuldade para se aquecer adequadamente no inverno, Ana Maria Sturcio, 76, finalmente teve roupas quentes à vontade para oferecer ao marido, que tem as duas pernas amputadas, e à irmã, que tem doença cerebral. Entre os casacos, cobertores, mantas e luvas que recebe a cada dois meses desde que se cadastrou em uma feira de roupas para pessoas pobre no bairro Kayser, Ana Maria escolhe aqueles mais coloridos, para dar mais alegria à casa em meio às dificuldades.

Toda árvore que no outono perde as folhas, as terá de volta na primavera. Entre uma e outra estação haverá o inverno, para ensinar a esperar sem desacreditar. Em cada criança que saiu da fila de adoção, cada mulher que finalmente realizou o sonho de engravidar ou cada diagnóstico de uma doença curada, a boa notícia chega para legitimar a certeza de quem não perde a esperança. Que boas novas pode nos reservar a próxima estação?