O Calor do Inverno #2: Onde há café, o frio não entra

Durante a estação mais fria do ano, série do Pioneiro irá apresentar 10 histórias para aquecer a alma


Publicao em 02 de julho de 2016

Texto

Andrei Andrade

andrei.andrade@pioneiro.com

Imagens

Roni Rigon


Infografia

Guilherme Ferrari

O Calor do Inverno #2:

Onde há café, o frio não entra

O dia que começa com o sabor de café é um dia promissor. Não é por outra razão que a bebida serve como o verdadeiro despertador para aqueles que, tão logo o dia amanhece, estão à procura do primeiro gole para encarar a rotina, seja ela corrida como a do motoboy, que enxuga a taça como se fosse um chopp na Oktoberfest, ou pacata como a do aposentado, que eleva à xícara de encontro à boca como se experimentasse um vinho fino.

No Gato Preto, que ao lado do Bar 13, da Bomboniére Paris, do Café Nobre e do Bouticão de Ouro é um dos bares-símbolo que ainda mantêm as portas abertas no centro de Caxias do Sul, a confraria do café começa às 7h. Uma hora antes, o dono Ademar Turani já passou na padaria para garantir 25 pães da primeira fornada do dia. O sanduíche com presunto, queijo e salame é o acompanhamento indispensável do café da lancheria do bairro São Pelegrino. Feito na hora e na frente do freguês, o sanduíche é tão irresistível quanto a bebida recém passada.



O Calor do Inverno #2: Onde há café, o frio não entra

Entre um gole na bebida fumegante e uma mordida no pão crocante, dezenas de vidas que não estão ávidas por um sinal wi-fi ou um check-in na rede social, mas sim por um café para aquecer o corpo e uma conversa para aquecer a alma, se reúnem pelo prazer do convívio.



O lanche é um clássico. Tanto que a frequentadora Ilva Boniatti, por exemplo, que não gosta muito de salame, pede o seu sanduíche com salame mesmo. Foi o marido quem a alertou que seria falta de educação desarmonizar a fórmula consagrada. Professora aposentada da UCS, Ilva é das poucas mulheres assíduas da freguesia de Ademar. Chega por volta de 8h com o marido e saboreia o café da manhã folheando o jornal, começando pela frase destacada do dia na coluna do frei Jaime Bettega e depois o noticiário esportivo (é grená fanática). Quando o companheiro segue para o trabalho, ela se encaminha para as atividades do dia levando na bolsa metade do sanduíche envolto num guardanapo.

Ademar considera a amizade com os clientes a melhor parte do trabalho. Respeitoso, diz que dona Ilva é uma pessoa formidável. Mas sobre a chamada “tigrada”, como se refere à clientela masculina, o barato é a intimidade de poder tirar um sarro e arrancar boas risadas matinais. Se um cliente chega falando demais, ele logo diz: “hoje tu não vai dar palpite”. Mas se o camarada larga uma pérola, a pensata vai para o quadro-negro atrás do balcão intitulado “Informativo”. As frases normalmente versam sobre política, assunto que pauta 80% da conversa no balcão. O resto é futebol.

Entre um gole na bebida fumegante e uma mordida no pão crocante, dezenas de vidas que não estão ávidas por um sinal wi-fi ou um check-in na rede social, mas sim por um café para aquecer o corpo e uma conversa para aquecer a alma, se reúnem pelo prazer do convívio.

Aposentado há quatro anos, Valcir Biazus chega todo dia às 8h e se acomoda junto ao balcão. Enquanto a esposa, filhos e netos ocupam seus dias com trabalho ou estudos, é a opção para evitar a solidão. Por volta de 9h30min, Valcir deixa o balcão para caminhar pelo bairro e depois de uma hora retorna ao bar para um breve descanso.

Aos 76 anos, o idoso não sabe dizer se a vitalidade e o sorriso no rosto se devem ao exercício físico ou ao compromisso com a “tigrada”.