Entrevista
raul velloso PhD em economia pela Yale University
uma saída para 
a crise fiscal

cortar gastos e aumentar a arrecadação ampliando as bases,

não os impostos: o economista raul velloso sustenta que é fundamental tornar a máquina pública mais enxuta para equacionar a crise fiscal e reanimar a economia. ele também defende um modelo que coloque mais foco na poupança e, portanto, no investimento interno

O senhor já declarou que o tamanho da máquina pública brasileira é um dos grandes responsáveis pelo déficit público. É esse o principal desafio para as contas do país entrarem em ordem?

Na União, 75% do gasto é com previdência, pessoal e assistência social. Para muitos Estados, o peso efetivo na receita do gasto de pessoal, incluindo servidores aposentados e pensionistas, situa-se acima de 70%, mesmo com limites legais abaixo disso. Como esse gasto todo é muito rígido, basta a receita crescer um pouco menos para abrir um buraco nas contas e provocar temor de subida exagerada na dívida pública. Imagina quando se abre uma recessão tão aguda como a atual.

A saída é aprovar reformas capazes de ajustar esses gastos para baixo, como várias que tenho citado. No curto prazo, deve-se cortar o que der e procurar aumentar a arrecadação, de preferência diminuindo alíquotas e aumentando as bases.

 

Em Santa Catarina, um grande entrave para o desenvolvimento da economia, na opinião do setor produtivo, é a infraestrutura. Uma alternativa defendida para acelerar o processo de duplicação das rodovias federais é o sistema de concessões. O senhor tem uma proposta bem estruturada nessa área. Acredita que pode ser uma alternativa para essas rodovias?

Incrementar as concessões de infraestrutura deveria ser peça fundamental da estratégia de retomada dos investimentos e do crescimento do PIB. As oportunidades são amplas, e, apesar da subida dos custos de financiamento, há no mundo uma abundante disponibilidade de capitais para esse fim. Além do mais, investir em infraestrutura tem a vantagem adicional de aumentar a produtividade, algo que nem sempre ocorre em outros tipos de investimento. Crise aguda à parte, o xis da questão é a atuação muito aquém do ideal de parte do governo federal, que às vezes parece ser contra as próprias concessões, seja por um viés estatizante, seja por uma visão populista de querer cobrar tarifas abaixo dos custos por esses serviços.

 

Santa Catarina é um Estado bastante industrializado e está sofrendo os resultados deste momento de desaceleração econômica. Como o senhor avalia cenário a longo prazo para a indústria nacional?

A ênfase exagerada no crescimento do consumo posta em prática desde 2003 pelos governos do PT é responsável, por paradoxal que pareça, pela apreciação real sistemática da taxa de câmbio e pela quase destruição da indústria brasileira. Esse modelo precisa mudar na direção de outro que ponha maior foco na poupança e, portanto, no investimento, inclusive e especialmente no setor público. Só assim a taxa de câmbio se colocará numa trajetória adequada e sustentável, capaz de recuperar a competitividade de nossa indústria. A propósito, nos últimos meses a taxa de câmbio subiu bastante, mas não necessariamente de forma sustentável, pois teve a ver com a fuga de capitais, diante da crise de confiança no país, e não pela contenção natural do consumo de importados.

 

Como o senhor vê os efeitos da instabilidade política no cenário econômico?

A crise política é um fato, mas por trás existe uma crise fiscal de elevada magnitude, cujo equacionamento requer a aprovação de reformas de peso na área do gasto público. Se a governabilidade no âmbito federal está se desmanchando, e como o espaço político nunca fica vazio para sempre, creio que uma frente de governadores relevantes, onde seguramente se inclui o de Santa Catatina, muito afetados pelos efeitos da recessão sem a terem causado – e sem a capacidade que a União tem de emitir moeda para financiar seus déficits –, teria de liderar o processo de aprovação dessas reformas, numa aliança estratégica com o governo federal e com lideranças respeitáveis do Congresso Nacional.

 

Quais são as saídas para equacionar esse impasse?

Num primeiro momento temos que equacionar a gigantesca crise fiscal (isso é, temor de explosão da dívida pública), o que, no ambiente político tão desfavorável que vivemos, exigirá um penoso esforço de reformas estruturais voltadas para reduzir o gasto público. A saída da recessão ocorrerá primeiro pelo estímulo às exportações em geral e pela substituição de importações industriais, que já estão acontecendo numa certa medida, pela impulsão da forte depreciação real da taxa de câmbio que vem ocorrendo tanto pela fuga e não entrada de capitais, como pela recessão em si. Mas como o peso das exportações (líquidas de importações) no PIB é baixo, num segundo momento terá de ocorrer a retomada dos investimentos privados, a serem embalados pela recuperação da confiança – se as reformas antes mencionadas ocorrerem. Por último, se juntará a recuperação do consumo. Posteriormente, quando o grau de utilização da capacidade aumentar suficientemente, teremos de mudar o viés da política econômica em favor do investimento e do aumento de produtividade.