Famílias estão deixando Caxias

Pedidos de auxílio-mudança, benefício oferecido pela prefeitura para pessoas de baixa renda, aumentaram 250% em um ano e meio.


Publicao em 01 de agosto de 2016

Texto

Ana Demoliner

ana.demoliner@pioneiro.com

Imagens

Diogo Sallaberry

Felipe Nyland


Infografia

Guilherme Ferrari

Famílias estão

deixando Caxias

Conhecida historicamente por ser o destino de muitas famílias de outras cidades e Estados que buscam melhores oportunidades, Caxias do Sul vive hoje uma movimentação inversa. Estimuladas principalmente pelo cenário de desemprego — 14,1 mil postos foram fechados apenas nos últimos 12 meses —, muitas pessoas estão deixando o município que em outros tempos já foi sinônimo de esperança e trabalho.

Prova dessa evasão são os números registrados pelo auxílio-mudança oferecido pela prefeitura. O benefício é concedido para famílias de baixa renda que queiram voltar para a cidade de origem.

Há um ano e meio, quando o auxílio foi criado, a média mensal era de cerca de 20 solicitações, conta o secretário municipal de Habitação, Giovani Fontana. Atualmente o número chega a 70, o que representa um aumento de 250%.

— A gente vê esse auxílio como um mal necessário. Ele preserva o município e impede que essas famílias fiquem em uma condição à margem da sociedade. Em suas cidades de origem, normalmente eles contam com parentes e amigos e assim vislumbram um sustento — relata Fontana.

Neste ano, cerca de 270 famílias já solicitaram o auxílio. No segundo semestre de 2015, o número chegou a 300. Considerando que cada família tem em média quatro integrantes, pode-se dizer que mais de 2 mil pessoas deixaram Caxias apenas via auxílio-mudança em um ano.

A alta procura pelo benefício exigiu mudanças provisórias nos procedimentos de solicitação. Normalmente há uma reunião mensal por mês para elencar os pedidos que nortearão o roteiro dos caminhões que levam os pertences das famílias. Em julho, porém, o encontro teve de ser adiado:

— Não estávamos conseguindo suprir a demanda, então não marcamos nenhuma reunião para julho. Assim colocaremos todos pedidos em dia. Em agosto, vamos retomar o encontro mensal — justifica Fontana.

O presidente da Associação de Moradores do Loteamento Popular Mariani, Anivaldo Zancanaro, observa que a maioria das famílias que vem deixando Caxias estava vivendo de aluguel. Mesmo com o desemprego, portanto, quem conseguiu conquistar uma residência própria escolhe permanecer na cidade:

— Quem paga aluguel sabe que vai acabar ficando inadimplente e, por isso, pode até ser despejado. Então eles vão embora para algum lugar em que não precisam ter esse custo fixo — analisa.



Como funciona o auxílio-mudança





| O benefício é destinado a famílias de baixa renda que devem apresentar a solicitação na Secretaria da Habitação (Rua Alfredo Chaves, 1333)

| Uma reunião para a formalização desses pedidos ocorre mensalmente _ o próximo deve ser no dia 17 de agosto, sempre em dois horários: 8h30min e 13h30min

| São realizadas entrevistas com cada solicitante e é realizada uma triagem

| Quem for contemplado tem a obrigação de deixar móveis e utensílios domésticos prontos para o transporte no caminhão disponibilizado pela prefeitura

| O benefício é destinado a famílias de baixa renda que devem apresentar a solicitação na Secretaria da Habitação (Rua Alfredo Chaves, 1333)

| Uma reunião para a formalização desses pedidos ocorre mensalmente _ o próximo deve ser no dia 17 de agosto, sempre em dois horários: 8h30min e 13h30min

| O único custo para os beneficiários é dos pedágios ao longo do trajeto

| Apenas destinos dentro do Rio Grande do Sul são permitidos

| O trajeto envolve apenas móveis e utensílios de caráter residencial, ou seja, a família que solicitou o pedido não vai junto com a mudança e não tem os custos de viagem pagosn



Bairros estão menos povoados




O aumento nos pedidos de auxílio-mudança não é o único sinal de que muitas famílias estão deixando Caxias. Bairros populosos, com grande parte dos moradores ligados ao ramo metalmecânico, acumulam cada vez mais placas de "aluga-se" ou "venda-se".

O presidente da Associação de Moradores do bairro Cidade Industrial, Hugo Trindade da Silva, conta que nunca viu tantos imóveis vagos na região:

— Antigamente a gente nem precisava colocar placa quando alguma casa estava vazia: era só avisar que já aparecia um interessado. Agora vemos muitos imóveis vagos. As famílias que foram embora vieram para Caxias para trabalhar, crescer. Então se a única coisa que mantém a pessoa aqui não existe mais, eles decidem que é hora de voltar — conta Silva.

No Serrano, a situação é parecida. Conforme Clóvis Daniel Alves da Silva, presidente da Amob do bairro, muitas famílias voltaram ou estão tentando voltar para a cidade de origem. Imigrantes africanos também buscam alternativas para irem embora:

— Quanto tinha bastante emprego, era garantido que a pessoa interessada iria conseguir alguma coisa. Hoje em dia depende de sorte — avalia.



'Caxias já foi uma cidade boa para se viver'




Embora sejam a maioria, famílias com origem em outras cidades do Estado e do Brasil não estão sozinhas na escolha de deixar Caxias. Pessoas que sempre viveram em solo caxiense também vêm acumulando frustrações no mercado profissional e decidem, então, partir para outros municípios.

Esse é o caso da família de Anderson de Oliveira, 23 anos. Ele, a esposa Valéria, 19 anos, e a filha recém-nascida, Brenda, foram se instalar em Santa Cecília do Sul no final de junho. A mudança dos pertences ocorreu com a ajuda do auxílio-mudança cedido pela prefeitura.

Natural de Caxias, Anderson tomou a decisão depois de entregar mais de 30 currículos e não obter sucesso. Até então, o jovem sempre esteve empregado em ramos ligados à metalurgia e à mecânica.

— Eu estava pagando R$ 400 de aluguel em Caxias, fora luz, água, supermercado... Não tem como ficar sem renda tendo essas contas e mais um bebê, então falei com meu pai, que já estava morando em Santa Cecília, e ele disse que conseguia um emprego lá — conta Anderson.

Seu Amílton, pai de Anderson, vive na cidade que fica a 250 quilômetros de Caxias há cerca de cinco anos. Antes disso, nasceu e viveu por mais de 50 anos na terra da Festa da Uva:

— Caxias já foi uma cidade boa para se viver, mas agora não é mais. Vim para Santa Cecília do Sul principalmente por melhores condições de saúde, segurança e até educação, porque meu filho menor ainda está na escola. Mas na época que eu vim, Caxias ao menos ainda tinha boas oportunidades de emprego. Agora não tem mais nem isso — lamenta Amílton.

Em Santa Cecília, Seu Amílton trabalha em casa, em um negócio próprio, e também vai 12 dias por mês em uma metalúrgica da cidade, o que lhe garante uma renda adicional de R$ 1,4 mil mensais. Para Anderson, conseguiu emprego em uma madeireira:

— O salário inicial não é muito bom, é de cerca de R$ 50 por dia, mas ele (o filho) tem boas condições de crescer na empresa. O importante é não ficar parado.