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FELIPE CARNEIRO quando o tratamento é longe de casa Dezenas de ambulâncias e milhares de pacientes graves viajam horas para conseguir atendimento na Grande Florianópolis
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heira a carne podre o ambulatório vascular do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina, localizado no mesmo prédio do Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, em São José. Pacientes com feridas abertas, carne necrosada, pus, dedos dos pés a serem amputados e muita, muita dor, viajam horas do interior de Santa Catarina para conseguir atendimento em alguns dos três principais hospitais do Estado, na Grande Florianópolis.

A partir das 5h, todos os dias, dezenas de vans, ambulâncias, kombis e carros pequenos adesivados com brasões de diferentes prefeituras do interior catarinense fazem uma via crucis pelos hospitais Regional, em São José, e Celso Ramos e Infantil Joana de Gusmão, na Capital, onde deixam pacientes.

Maria Loreci de Aguiar, 61 anos, doméstica, saiu à meia-noite de Pinheiro Preto, município próximo à Videira, no Oeste, 396 quilômetros distante de Florianópolis. Chegou ao Regional de São José de van com outros pacientes. Os dedos do pé direito, em carne viva, doem tanto quanto a coluna. Há oito meses tenta resolver o problema vascular.

– Em Chapecó, eles deveriam fazer minha cirurgia na perna. Meus papéis foram para lá. Esperei uns dois meses e não disseram nem que sim nem que não. E eu esperando. Fazer o quê? – diz.

 

Na mão direita de Mario Schulz faltam três dedos, os outros dois estão pela metade. No pé direito, a ferida começa na sola e borbulha no peito, perfurando o pé de baixo para cima. Ele usa uma sacola para cobrir a pele judiada, enrolada numa gaze para segurar os fluidos que soltam do machucado que nunca sara. Mario tem 74 anos, saiu às 3h de Jaraguá do Sul, no Norte do Estado, acompanhado da filha, para um atendimento no Hospital Regional de São José. Há dois anos ele aguarda uma cirurgia no olho esquerdo, que não fecha nem quando ele dorme e que, por isso, o faz lacrimejar e ter a visão embaçada, além de doer.

Há 10 anos, ele foi diagnosticado com hanseníase. Foram cinco anos até descobrir a doença, e o diagnóstico tardio resultou em sequelas. A doença está curada, já as feridas parecem não secar nunca.

Ele e Maria são exemplos de pacientes que viajam horas para depois esperar ainda mais em filas nos hospitais da Capital. Pessoas que poderiam ser atendidas em seus municípios ou instituições próximas às suas cidades.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES) explica que o alto número de ambulâncias de municípios longínquos nos hospitais de referência se deve ao fato de a pasta ser referência para muitas especialidades de média e alta complexidade. Em março deste ano, a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), formada por representantes da secretaria e dos municípios, aprovou o remanejamento de tetos de especialidades de média e alta complexidade ambulatorial, onde cotas anteriormente pactuadas com a SES estão retornando para os municípios de origem do paciente.

 

como funciona O paciente busca atendimento em uma unidade básica de saúde (UBS) No caso de encaminhamento para o especialista, a UBS fará a solicitação de acordo com a Programação Pactuada e Integrada (PPI) do município Quando esgotadas as alternativas de atendimento na região, e caso o município tenha pactuação com a Secretaria Estadual de Saúde, a UBS efetua o cadastro da solicitação de agendamento da consulta ou exame, por meio de um sistema para a Central Estadual de Regulação Ambulatorial (Cera) A equipe de médicos reguladores da Cera avalia a solicitação e classifica o grau de risco, garantindo acesso aos casos prioritários A UBS, após a confirmação de agendamento no sistema, comunica o paciente e entrega a autorização de agendamento com a descrição da unidade executante A unidade executante no dia do atendimento registra no sistema a confirmação do atendimento
acordos com a central estadual geram encaminhamentos

As secretarias municipais de saúde têm pactuações com o Estado e entre outras cidades. Uma cidade no Oeste de SC pode ter pactuação com a central estadual e com o município mais próximo para atendimento de cardiologia pediátrica, por exemplo. Se na cidade próxima não tiver a especialidade ou vaga, então as unidades geridas pela SES absorvem o atendimento.

A Secretaria de Saúde de Criciúma, por exemplo, envia uma média de 10 veículos com pacientes para os hospitais de referência.

– Não temos pactuação com outros municípios porque temos em nossas unidades de saúde

35 especialidades. É encaminhado para atendimento na rede estadual apenas o que é de alta complexidade, como cardiologia pediátrica e transplantes renal e hepático – afirma a secretária de saúde de Criciúma, Francielle Lazzarin de Freitas Gava.

Em agosto, o município de Joaçaba, no Meio-Oeste, enviou para os hospitais de referência na Grande Florianópolis 22 veículos, número que vem diminuindo, segundo o secretário de saúde, Celso Vilmar Brancher.

– É muito caro para nós termos algumas especialidades. Temos pactuação com Chapecó e pacientes que precisam de cardiologista estão indo para Xanxerê. Aqui temos convênio também com médicos particulares – diz.

Para o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimento de Saúde Pública Estadual e Privado de Florianópolis e Região (SindSaúde), uma alternativa para diminuir o número de pacientes em trânsito e desafogar os hospitais maiores seria rever contratos com os hospitais filantrópicos que têm parceria com a rede pública, além de construir centros de saúde ou mais policlínicas no interior.