DIORGENES PANDINI
omeçou na mão direita, subiu pelo braço e se alojou no ombro. Ao ponto que existem dias em que mal consegue limpar a casa. É assim que Zenilda Borges Rosa, 62 anos, moradora no Bairro Procasa, em São José, na Grande Florianópolis, reclama da falta de um dos procedimentos mais simples da medicina – um raio x.
– Há 11 meses eu espero me chamarem. Consultei com o médico no posto de saúde, ele me deu um remédio para controlar a dor e mandou fazer o exame. Mas depende do hospital (Dr. Homero de Miranda Gomes) e a resposta é a mesma: tem que esperar.
A agonia de Zenilda é a mesma de milhares de pacientes que dependem do sistema público de saúde. A dívida reconhecida da Secretaria da Saúde de Santa Catarina, hoje, passa dos R$ 508 milhões, sendo a maior parte acumulada entre 2016 e 2017. Auditorias do Tribunal de Contas do Estado (TCE), inquéritos no Ministério Público e apurações e ajustes internos do próprio governo buscam explicações detalhadas e soluções para essa cifra milionária. A Secretaria da Fazenda afirma que o pior da recessão passou pelo Estado e que a perspectiva é de melhora gradual nos próximos meses. Mas a saúde é a área mais sensível, justamente por envolver a vida de tantas Zenildas.
– Temos conhecimento das dificuldades da saúde, mas os últimos dois anos tiveram arrecadação baixa. Em 2016 fechou mais baixo que em 2013, então perdemos quatro anos de economia. E a despesa só sobe. Medicamento em dólar, gastos dos hospitais, com pessoal. A despesa sobe e a receita não – diz o secretário da Fazenda em exercício, Renato Lacerda.
Para 2018, cumprindo o que foi determinado por Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada na Assembleia Legislativa, o mínimo do orçamento destinado à saúde sobe de 13% para 14% – o que deve representar R$ 200 milhões a mais no caixa. Mas tão ou mais importante do que isso é o trabalho de gestão. No fim de 2016, o TCE apontou que R$ 231 milhões em despesas ficaram para ser pagas em 2017, numa prática contábil que até é permitida, mas gera problemas. O resultado é que a cada repasse nos primeiros meses deste ano, parte ia para saldar dívidas antigas e as despesas correntes ficavam. Uma bola de neve.
– Os serviços não podem parar, continuam ocorrendo despesas. Aí quando chega fim do ano ou você consegue mais recursos extras para a saúde, ou tem que começar a cortar alguns gastos onde é possível ou vai ter despesa passando para o ano seguinte. A saúde está fazendo um bom trabalho de gestão hoje, de revisão de contratos, diminuição de gastos, economia, para que seja possível fechar o ano pagando as despesas em dia – acrescenta Lacerda.
Apesar dos apontamentos em 2016, inicialmente o TCE só faria uma auditoria detalhada sobre a dívida atual da saúde no ano que vem. Provocado e pressionado pelo MP, o cenário mudou.
O tribunal firmou compromisso de entregar até o início de 2018 uma checagem operacional concluída ao procurador-geral. Uma equipe técnica vai se debruçar sobre os dados do sistema financeiro da saúde, incluindo análise de documentos e visitas in loco a hospitais e outras unidades.
O TCE tem feito ressalvas e determinações ao longo dos anos quando o assunto é saúde na aprovação das contas do governo, mas tanto na corte quanto na Alesc, onde também não houve rejeição dos pareceres nos últimos anos, o entendimento é que a cobrança, monitoramento e fiscalização são mais importantes do que ações punitivas como multas.
– As contas do governo são uma análise global, não são o lugar às vezes para medidas mais produtivas. Só podemos rejeitar, aprovar, fazer ressalvas e recomendações. Nossa maior contribuição são as auditorias operacionais, principalmente em hospitais. Elas funcionam porque fazem a pessoa tomar a providência. Investir só no viés punitivo não é produtivo. A pessoa recorre anos aqui, recorre ao Judiciário, os débitos acabam não sendo cobrados – argumenta o chefe de gabinete da presidência do TCE, Ricardo André Cabral Ribas.
De qualquer forma, tanto a auditoria do TCE quanto ações tramitando no Ministério Público apuram de quem é a responsabilidade pela dificuldade enfrentada na saúde, podendo penalizar gestores e o governador Colombo, dependendo do que for constatado.
Enquanto uma solução definitiva não vem, o governo se apoia em aportes emergenciais ou remanejamentos de verbas, algumas delas ainda no campo da estimativa. A Fazenda até já divulgou o passo a passo para empresas privadas interessadas em fazer doações ajudarem a saúde e o governador Raimundo Colombo já prometeu R$ 400 milhões de recursos extras até o fim do ano. Deste valor, porém, a única parte que o Centro Administrativo tem mais certeza de conseguir destinar à pasta é os R$ 80 milhões que serão economizados até dezembro com a diminuição na participação patronal no SC Saúde, de 4,5% para 0,5%. O restante ainda depende dos resultados do Programa Catarinense de Recuperação Fiscal e da mudança na administração do Porto de São Francisco.