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Conheça a história de duas irmãs que foram vítimas do padrasto e superaram o trauma do abuso sexual com o apoio da mãe

Era uma família aparentemente feliz. A mãe e o marido - que não era o pai biológico das meninas, mas que as tratava como se assim o fosse - faziam planos para o futuro. Naquele dia, a filha mais nova, que sequer frequentava
o ensino fundamental, segurou forte na mão da mãe e disse: "Mãe, eu tenho uma coisa para te contar". Não era a primeira vez que ela tentava dizer algo. Ciente disso, a mãe abaixou na altura dos olhos da filha e a encorajou:

- Filha, você ama a mamãe? Então, você confia em mim? Aconteça o que acontecer, eu estarei sempre com você. Me conta: o que está acontecendo?

A garotinha finalmente sentiu confiança o suficiente para fazer a revelação que mudaria a vida delas. Após um ano sofrendo abusos sexuais do padrasto, ela contou, a seu modo, o que estava acontecendo. "Eu morri naquela hora", revelou a mãe. Em apenas cinco minutos, os planos com o marido, que até então era um homem acima de qualquer suspeita, carinhoso e gentil com a mãe e as meninas, desmoronaram.

Passados os minutos iniciais de desespero, a mulher se acalmou e procurou agir racionalmente. Primeiro, mandou o criminoso embora de sua vida. Depois, fez o registro da violência sexual na delegacia. Mais tarde, descobriu que a filha mais velha, uma pré-adolescente, não só foi abusada como teve o estupro consumado.

Quando descobri, pensei em matá-lo, em me matar, tive sensação de culpa, me senti enganada. É horrível lidar com isso. Mas eu fui corajosa e enfrentei tudo. Tive que achar nas cinzas, como a Fênix, forças para ressurgir e cuidar da minha família.

Quando a violência iniciou-se, as irmãs apresentaram alteração no comportamento, mas tinham dificuldade em revelar o abuso. A menor passou a urinar na cama e a perder a atenção na escola. A maior tornou-se agressiva e sentia raiva do padrasto. A mãe chegou a levar a pequena a uma psicóloga, mas ela também teve dificuldade em identificar o problema. A profissional suspeitou que fosse ciúme por causa do bebê que a mãe estava esperando, fruto do relacionamento com o então marido.

Campanhas do governo contra violência sexual que circulavam na televisão na época despertaram a atenção da mãe. Ela chegou a conversar sobre o assunto com as filhas, pois acreditou que pudesse estar acontecendo algo na escola, mas nunca imaginou que a violência ocorria dentro de casa.

Hoje, as irmãs vivem uma vida normal. Porém, nem sempre os casos que envolvem abuso sexual têm o mesmo desfecho. De acordo com os profissionais que trabalham na área, há muitas situações em que a família não acredita no relato da criança e não denuncia o crime. Sabendo disso, a mãe, que superou o problema, agora incentiva as outras mães a acreditarem nos filhos e a lhes darem todo apoio possível.

Não é o que acontece na sua vida, mas como você encara o que aconteceu. É difícil? Claro que é. Mas
a sua atitude como mãe vai fazer a diferença. Porque a minha filha confiou em mim quando me contou. Eu não poderia ter tido outra reação se não a de colocá-lo para fora da minha casa. Não é fácil, porque ele também participava da renda da família
e até cinco minutos antes da revelação eu o amava. Mas a gente consegue. Hoje, posso dizer que
somos vitoriosas, eu e minhas filhas.

Condenação nem sempre acaba com a prisão do abusador

O homem que abusou sexualmente das irmãs na história acima, foi condenado a 14 anos
de prisão. O caso chegou ao fórum em um ano. A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público no ano seguinte e a sentença saiu no outro ano. Além da morosidade no andamento
do processo e as crianças precisarem reviver o trauma toda vez que prestaram depoimento,
o autor do crime ainda não cumpriu a pena. Ele está recorrendo da decisão em liberdade.

Segundo a 4ª Vara Criminal de Joinville, os processos são longos porque dificilmente o suspeito é preso em flagrante, e comprovar a agressão requer uma série de investigações,
já que a violência sexual nem sempre implica lesão corporal e depende do relato da criança.

Nesta história, o homem só deverá cumprir a pena preso após terminarem todas as possibilidades de recursos nos tribunais superiores. Ele só corre o risco de ser preso no curso
do processo se ameaçar a vítima, cometer outro crime ou não comparecer às audiências.

Violação na infância

Mulher de 30 anos fala sobre abuso que sofreu aos cinco e nunca revelou por não entender o que estava acontecendo

Nem sempre o abuso sexual é revelado pela criança, principalmente quando ele ocorre muito cedo. É o caso de uma mulher de 30 anos que decidiu contar sua história à reportagem. Os pais dela nunca souberam o que o vizinho, tão querido pela família, foi capaz de fazer. Como nunca havia recebido orientação dos pais, aos
cinco anos era impossível compreender que o suposto "carinho" recebido nas partes íntimas violava os seus direitos de criança.

Hoje, a maturidade permite entender o que aos cinco não fazia
sentido. Ela era pequena demais para entender o que era certo ou
errado e não havia diálogo aberto com os pais a ponto de permitir que revelasse a eles a sensação nova estimulada pelo agressor. Por isso, o abuso sequer foi denunciado.

Na época, foi durante uma brincadeira inocente que o então vizinho a tocou nas partes íntimas. A mulher não lembra se o abuso aconteceu outras vezes, mas esta cena ficou marcada em sua memória. Como o homem não foi violento, ela não soube discernir, quando criança,
se a atitude dele foi equivocada. No entanto, sempre sentiu receio de que os pais a culpassem por não ter impedido a atitude do sujeito. Sentimento comum entre as vítimas.

Até hoje, a mulher nunca havia revelado o abuso para ninguém além de sua terapeuta.
Como o abuso não voltou a se repetir, ela superou tudo com tranquilidade. A falta de informação a deixou confusa quando criança, mas hoje a mulher entende que não foi culpada pelas sensações que teve ao ser estimulada pelo homem. A conduta dele, sim, foi perversa e desequilibrada, pois como adulto ele deveria ter zelado pela integridade dela enquanto criança.