Ninguém sabia como era aquilo era possível, mas, um dia, o menino soltou: “mãe, quero ser dançarino”. Eles estavam no povoado de Marisá, um distrito de Tucano, cidadezinha do sertão da Bahia. O menino era Giovane Santana de Jesus e, aos cinco anos, o único lugar onde ele podia assistir aos desenhos animados naquela vila onde boa parte das casas nem tinha energia elétrica era na televisão da avó. Foi em um deles que a imagem do balé se fez presente pela primeira vez na vida de Giovane que, apaixonado, avisou à mãe que queria dançar.

- Eu nem sabia direito o que era balé, nunca tinha visto. Eu fiquei na minha, achei estranho, mas não falei para ele que era impossível – conta Ivone Caribé.

De alguma forma, no entanto, o sonho ficou guardado na memória da mãe e do filho. Alguns anos depois, já vivendo em Cipó e trabalhando como porteira em uma escola particular, Ivone encontrou um cartaz com o anúncio de aulas de balé que aconteceriam na instituição de ensino. Era a oportunidade ideal para Giovane, com um único inconveniente: a mensalidade custava R$ 50 e a mãe recebia um salário de R$ 250.

No primeiro mês, o sacrifício foi feito. No segundo, a situação começou a apertar. No terceiro, com a inadimplência anunciando a saída do menino das aulas, a professora de balé agarrou o sonho pelas mãos e garantiu a permanência do melhor aluno da turma. E, quando a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil anunciou uma visita a Camaçari – cidade litorânea a 216 quilômetros de Cipó - para uma pré-seletiva, foi ela quem orientou Ivone e Giovane: era a grande chance. Afinal, Cipó literalmente dava os primeiros passos na dança, já que a primeira apresentação a que a cidade assistiu só aconteceu com a chegada das professoras de Giovane.

Cerca de 718 concorrentes depois – 200 em Camaçari e 518 na seletiva final, em Joinville – o maior desafio apareceu. Giovane havia sido selecionado para ingressar na Escola Bolshoi, mas a mudança que isso representava modificaria toda a família. Enquanto o filho mais velho foi morar em São Paulo com o pai, Ivone deixou o emprego em Cipó e acompanhou o caçula, sem a certeza de que, ao chegar na nova cidade, haveria lugar para ficar ou emprego para assumir. Para garantir os primeiros meses, os amigos e as professoras de dança de Giovane promoveram uma vaquinha, e mãe e filho rifaram tudo o que tinha dentro de casa, de geladeiras a ventilador. Assim, reuniram cerca de 2 mil reais para dar início à nova vida.

 

Com a quantia em mãos, mãe e filho cruzaram o país. Em Joinville, outras surpresas apareceriam pelo caminho. Com a condição de conservar a casa e cuidar do jardim, eles mudaram para uma casa na zona Sul onde não precisam pagar aluguel. Ivone conseguiu trabalhos como diarista, ganha três vezes mais do que recebia como salário no interior da Bahia e já deu início à própria formação, fazendo curso de cabeleireira. Para o futuro, Ivone ainda planeja realizar também o próprio sonho e estudar gastronomia.

O primeiro ano de Giovane também foi incomum: em julho, ele ganhou um papel no espetáculo O Quebra-nozes, que o Bolshoi Brasil apresentou na abertura do Festival de Dança — acontecimento raro entre os calouros da primeira série, mesmo que o personagem exigisse apenas trabalho de misancene, quer dizer, interpretação sem dança. Em outubro, acompanhado de outros alunos das séries iniciais da Escola, Giovane foi ao programa Esquenta, na Rede Globo, e foi o escolhido para conversar com a apresentadora Regina Casé.

— Eu só soube que seria entrevistado quando cheguei lá. Eles me disseram antes o que iam perguntar, mas só na hora em que conversei com a Regina é que pensei em contar a outra parte, sobre o meu pai — lembra o menino.

A outra parte, no caso, era a dificuldade que ele encontrava da aceitação do pai e do irmão mais velho, que faziam coro aos xingamentos que vinham da rua, em Cipó, quando ele saía da aula de balé. A história emocionou a apresentadora, fez a plateia e os artistas convidados chorarem e por quase sete minutos, Giovane foi destaque em rede nacional. A repercussão daquele drama ganhou as redes sociais, mas, para ele, ficou no passado: hoje, o pai e o irmão admiram as conquistas e a cidade de Cipó vibra com as notícias de seu ilustre antigo morador.