Meu primeiro ano

O primeiro ano nunca é fácil e a trajetória em busca da realização do sonho de ser um grande bailarino pode ser dolorida em alguns momentos. Tudo isso vira lembrança na história dos profissionais formados pela Escola do Teatro Bolshoi no Brasil. Alguns deles recordaram o início da caminhada para a reportagem:


Jovani Furlan Junior

22 anos, solista no Miami City Ballet, nos Estados Unidos

Fiz o teste para a ETBB em 2009 quando era aluno da Escola João Collin em Joinville por incentivo da minha família, especialmente da minha avó. Fui aprovado e comecei meus estudos na primeira série em 2010, eu tinha 11 anos, mesmo sem saber nada sobre ballet ou mesmo sobre o que o Bolshoi representava em Joinville eu sempre tive um gene dançante em mim, fisicamente e emocionalmente, o que me ajuda muito na minha vida como bailarino. Lembro que me sentia perdido nos primeiros dias na escola, tanta informação, tantos rostos novos, professores conversando em russo, os passos de ballet que são todos em francês, a sensação da sapatilha no meu pé, o cheiro do breu, o som do piano. Ao andar na escola eu me sentia especial, todos os funcionários nos faziam sentir importantes dentro daquele lugar, não tinha medo de estar ali, só aprendi desde o primeiro dia que o trabalho seria muito duro. As primeiras semanas foram árduas, eu não entendia o que era a dor muscular

que eu sentia pelo meu corpo todo, fazíamos um trabalho intenso de chão, um fortalecimento de todos os músculos do corpo que são necessários para o ballet. Lembro sentir cãibras nos pés, dores musculares na lombar, nas coxas e panturrilhas. Os abdominais e o esticar/flexionar dos pés era interminável, eu não entendia o porque de tudo isso quando era pequeno, eu só fazia tudo o que o professor me mandava porque gostava de ser um aluno exemplar, com o tempo comecei a notar os músculos no corpo todo aparecendo, minha postura era diferente, o jeito que eu entendia a música era diferente e eu comecei a criar uma paixão pela dança. Me sentia bem com minhas sapatilhas e fazendo port de bras, a cada ano eu me apaixonava mais e mais pela arte da dança, e carrego tudo isso comigo até hoje, sou muito agradecido pelos cuidados desde o primeiro dia nessa escola maravilhosa. Sinto que eles liberaram algo dentro de mim que eu nunca teria descoberto sozinho, tenho paixão pelo o que faço e a cada dia mais me sinto como um bailarino.


Luzemberg Santana

22 anos, bailarino da Royal Winnipeg Ballet, no Canadá

Eu entrei para Escola Do Teatro Bolshoi no Brasil no ano de 2004, com 10 anos de idade. Naquela época eu não tinha muito medo, tudo era muito novo. Minha maior dificuldade durante esse primeiro ano da escola foi a saudade da minha família [que ficou em João Pessoa, na Paraíba], mas eu sempre procurei usar essa saudade como motivação. Nesse tempo, meu sonho era ser como os bailarinos mais velhos daquela época: eles viajavam o mundo dançando com a escola.

Luciana Voltolini

31 anos, bailarina do StaatsBallett Berlin, na Alemanha

Minha experiência na Escola Bolshoi foi uma grande oportunidade, me abriu as portas para meu futuro como bailarina. Eu fiz parte da primeira turma, em 2000. Natural de Joinville, estudei na escola durante quatro anos. Em 2001, fui até Moscou com mais três alunas da escola e professores, e tivemos a chance de ver a companhia de perto, assistir aos espetáculos e fazer aulas. Foi quando descobri de verdade que queria ser bailarina profissional. Agradeço todos os dias pela oportunidade de ter feito parte da Escola Bolshoi. Aprendi muito e carrego comigo lindas memórias. Hoje danço na Alemanha, no StaatsBallett Berlin. Passei pelo American Ballet Theater (2011-2015) e Boston Ballet (2004-2011). Levarei sempre comigo, por onde passar, tudo que aprendi com a professora Galina Kravchenko e todos que lá conheci.

Lucas Axel

23 anos, bailarino do Balé da Cidade de São Paulo

Para mim era tudo novo, sofri saudade da família, amadureci na marra por ter que vir sozinho, batalhei pelo que queria, ali dentro enxerguei a dança totalmente completa em mim. Me formei entrei para a Cia Jovem do Bolshoi e ali foi meu primeiro emprego como bailarino profissional. Hoje estou encerrando um ciclo na São Paulo Companhia de Dança, outra experiência incrível na minha vida, e abro um novo ciclo com o Balé da cidade de São Paulo. São duas renomadas companhias brasileiras com repertórios internacionais. E meu objetivo é daqui dois anos — ou menos que isso — trabalhar na Europa.

Nahuel Alejandro Vega

Eu entrei no Bolshoi pela primeira vez quando tinha nove anos, em 2002. Naquela época, eu nem tinha expectativas para o futuro, jé estar na Escola Bolshoi era um sonho feito realidade. Com meus pais, deixamos o nosso país, a Argentina, para tentar tudo no Brasil. Foi um ano maravilhoso, cheio de boas realizações para mim. Foi uma mudança incrível, em muitas aspectos: a língua, a cultura, as pessoas. Eu aprendi muito e adorei esse momento. Infelizmente, para meus pais, foi mais complicado economicamente, pois pela lei da época criava muita a dificuldade para eles conseguirem trabalho e voltamos para Argentina no final do mesmo ano. Eu segui com aulas de dança na minha cidade (Mar del Plata), até que, em 2006, voltei a Joinville (desta vez sozinho) com 13 anos, para formação de dança contemporânea. Agora com uma turma muito extrovertida, consegui me sentir quase um joinvilense no final de quatro anos de formação. O Bolshoi me deixou fortes bases, uma grande experiência cênica e lindas lembranças de Joinville e do Brasil. Nunca vou esquecer desses anos no Bolshoi e na cidade das flores.

22 anos, dançarino no Ballet du Grand
Théâtre de Genève, na Suíça

Rafaela Morel

Sou natural da cidade de Presidente Prudente (SP), ingressei na dança aos três anos de idade e, seguindo o sonho de ser uma bailarina profissional, fiz o teste para ingressar na Escola Bolshoi em 2007, durante o Festival de Dança, e devido ao resultado positivo, iniciei minhas atividades na escola no início do ano de 2008, aos 14 anos. Devido à minha idade e ao certo conhecimento em dança clássica que já possuía na época, iniciei meus estudos na 4ª série, ou seja, praticamente na metade do curso. Por estar conhecendo um novo método, encontrei vários desafios pelo caminho. Enquanto minhas colegas de turma já estavam passando da fase do aprendizado básico para o aperfeiçoamento, eu começava a aprender muita coisa quase do zero. Muitas vezes tinha medo de não conseguir acompanhar a turma e, consequentemente, não atingir meus maiores objetivos. O método Vaganova  exige muito preparo físico e, para o bailarino ter um bom desempenho, é necessário que dedique seu tempo não só às aulas de balé clássico, mas também fora da sala de aula, com exercícios de fortalecimento, alongamento e ginástica. As aulas de música, história da dança e da arte e teatro também eram novidade ainda para mim. Morar longe da família na fase da adolescência também não foi nada fácil .Isso tudo exigiu de mim esforço e dedicação redobrados pois foi uma mudança muito grande em minha rotina. Na verdade, todos esses desafios me impulsionaram na realização de meus sonhos, pois percebi que com todas as oportunidades oferecidas pela escola os obstáculos servem como experiência e nos instigam a querer crescer sempre mais e mais. Desde o primeiro ano, com o primeiro contato que tive com o Ballet Russo, meu sonho maior já era ser bailarina profissional contratada por um teatro russo.

22 anos, bailarina no Teatro Mariinsky, na Rússia

Naiara de Mattos

Sou de Salvador (Bahia) e entrei no Bolshoi em 2007, aos 13 anos de idade, e fui direto pra quarta série. Meu maior medo era sair de casa, do aconchego da família e ir para uma outra cidade, outro Estado, conhecer pessoas que seriam completamente diferentes de mim, que teriam uma cultura totalmente diferente da minha. Chegando lá, esse medo tornou-se também a minha maior dificuldade... Tão nova, o sentimento que me dominava era a saudade. Tive que me adaptar a novas regras, a um novo método de ensino, professores e didática russa, novos costumes, e até mesmo ao frio do inverno de Joinville que estamos longe de ter em Salvador. Mas tudo isso me fez crescer e amadurecer muito rápido. Me ajudou a ter forças pra alcançar meu maior sonho/objetivo. Desde que entrei no Bolshoi, tinha como meta me esforçar muito, conquistar o tão esperado diploma e partir para a Europa. Hoje, aqui estou: formada pela Escola Bolshoi no Brasil e trabalhando na Alemanha.

23 anos, bailarina no Leipziger Ballet, na Alemanha