Novo cenário nos municípios da Serra

Série de reportagens mostra a vida e as perspectivas de quem perdeu o emprego. Nas 18 cidades da região Nordeste, foram fechados 21, 3 mil postos de trabalho em 12 meses. Na segunda reportagem da série, destacamos Bento e Nova Bassano


Publicao em 05 de julho de 2016

Reportagem

Andre Tajes

andre.tajes@pioneiro.com

Foto

Jonas Ramos

jonas.ramos@pioneiro.com

Arte

Charles Segat

charles.segat@pioneiro.com

Infografia

Guilherme Ferrari

Novo cenário nos municípios da

Serra

Nova Bassano é um pequeno município de 9,4 mil habitantes distante 120 km de Caxias do Sul e 195 km de Porto Alegre. Desde o início de 2015, a cidade vive uma nova realidade. Mais de 1,6 mil pessoas estão desempregadas. A situação se agravou ainda mais nos últimos dois meses, quando o setor metalmecânico – principal gerador de emprego e renda – iniciou a série de demissões. Hoje, a cidade cambaleia. A violência aumentou e os moradores fecham as portas de suas casas mais cedo. Não tem posto da Brigada Militar, por isso também não há índices registrados dos assaltos.

A menos de dois anos, a cidade atraía trabalhadores de várias regiões. Hoje, só demite.

No final de dezembro de 2015, Nova Bassano registrou 5.450 vagas de empregos formais. Nos primeiros cinco meses deste ano, fechou 1.026 vagas, ou seja, 18,8% dos trabalhadores perderam seus empregos.

O secretário de Desenvolvimento Econômico e Captação de Recursos, Édison Peruzzo, diz que o pior ainda está por vir, pois muitos trabalhadores ainda recebem o seguro-desemprego.

– Não dá para negar que há uma sensação de que a cidade está parando. E vai piorar.

O impacto negativo ocorre devido às demissões na maior indústria da cidade, a Medabil (empresa de estruturas metálicas) que, em 2013, tinha 1 mil funcionários e, atualmente, emprega menos de 300. A empresa está instalada na cidade há 48 anos e sempre foi a base da economia do município.

– Em 2014, os impostos da Medabil representaram 56% do total recolhido pela prefeitura. Este ano ainda não temos como fazer uma projeção, mas dá para ter uma ideia, já que a empresa reduziu mais da metade de seus funcionários – lamenta.



Novo cenário nos municípios da Serra



Três da mesma família demitidos




Nunca imaginamos que perderíamos o emprego ao mesmo tempo.



As demissões da Medabil atingiram em cheio a técnica de segurança do trabalho Simone Pessini, 34 anos, e o analista de qualidade Neimar Lucchetta, 30, casados desde março deste ano. Os dois trabalhavam na empresa e viviam com uma renda mensal de R$ 6 mil. Agora estão reorganizando a vida financeira e pessoal.

– Esse mês (o dinheiro) já está fazendo falta. Meu marido recebeu a primeira parcela do seguro no valor de R$ 1.540, o teto da previdência. Eu só encaminhei o seguro no início de junho e ainda não recebi a primeira parcela – conta Simone.

Sem emprego e com pouco dinheiro, o casal decidiu interromper a construção da casa de dois andares que iniciaram em janeiro e onde já investiram R$ 100 mil.

– Vamos parar a obra. Juntamos nosso FGTS, vendemos um carro e usamos o dinheiro para construir nossa casa. Nossa sorte é que não tínhamos feito financiamento – diz Simone.

Apesar das dificuldades, o casal planeja concluir a obra na garagem e ocupar o local em dois meses. As obras na sala comercial do térreo e a residência no primeiro piso estão suspensas.

– Eu e meu irmão vamos trabalhar para finalizar a parte de baixo e poder morar.

O casal também cortou a tevê a cabo e as contas do celular. Só pouparam o plano de saúde.

– Nunca imaginamos que perderíamos o emprego ao mesmo tempo – lamenta Simone.

Para economizar, o casal decidiu morar na casa dos pais de Neimar – seu Nevio, 58 e dona Nilce, 54. Aposentados, sustentam a casa e ainda auxiliam o filho Nelvi, 34, que também perdeu o emprego de operador de máquinas.

– Meu marido se aposentou depois de um acidente de trabalho. Agora, a empresa cortou o plano de saúde, o vale-alimentação e está atrasando o salário. As coisas estão difíceis. Estou precisando mexer nas nossas economias – lamenta Nilce.

Diante da crise, ela precisou adaptar o orçamento doméstico. Diminuiu o horário da funcionária que cuida de seu esposo para três dias na semana e em meio turno.

– Gosto muito dela, mas não tenho como pagar todo o valor – diz, chateada.

Demitida no dia 13 de maio, Simone busca uma nova oportunidade no mercado de trabalho nos municípios vizinhos, mas nas duas entrevistas de emprego se decepcionou com o salário oferecido de R$ 1,3 mil.

– Descontando o valor do transporte sobraria R$ 800. Achei que nunca iria ouvir que tem muita mão de obra qualificada disponível. Hoje está mais fácil para quem tem menos qualificação. É triste – diz Simone que também é graduada em RH.

Para o analista de qualidade, demitido no dia 20 de abril, “a ficha ainda não caiu”. O consolo é que a demissão ocorreu devido à crise e não por falta de competência.

– Saio de cabeça erguida. O aprendizado ficou comigo. Tinha um pouco de medo (da demissão), mas não achei que poderia chegar até mim. Sinto a falta do convívio com os colegas – ressalta.

Para Nelvi Luchetta, demitido no final de maio, a principal preocupação é com a parcela de R$ 630 do financiamento da casa. Ele trabalhou mais de 10 anos em uma metalúrgica da cidade e perdeu o salário de R$ 1,8 mil.

– Fiquei triste e uma lágrima saiu do olho. Era da Cipa. Não podia ser demitido.

Sem salário há dois meses, ele conta com o salário de confeiteira da esposa, Neli, 25, para pagar as contas da casa.

– Este mês, minha mãe pagou o mercado. Não acreditava quando meu irmão falava sobre a crise – conta.



Novo cenário nos municípios da Serra



Sonho da casa adiado




Tinha a esperança de não ser demitida. Gostava do trabalho e da convivência com os colegas



Eliane Rodrigues de Vargas, 49 anos, adiou o sonho da casa própria ao perceber o aumento das demissões no setor moveleiro em Bento. A precaução evitou o endividamento bancário da funcionária do setor de montagem de uma empresa de móveis. Perdeu o emprego há um mês. Além da frustração com o cancelamento da compra de um apartamento, a demissão trouxe tristeza e um "aperto no coração":

– Tinha a esperança de não ser demitida. Gostava do trabalho e da convivência com os colegas – diz.

A situação de Eliane não é pior porque divide as contas da casa com a filha Aline Vargas da Silveira, 30, que trabalha como professora. O aluguel do apartamento, o condomínio e a conta de luz somam quase R$ 700.

– Mesmo com esse frio, não estamos ligando o aquecedor para não aumentar a conta de luz. Estou comprando o básico e segurando as contas.

Crise afeta o setor moveleiro




Outros dois municípios da Serra tiveram resultados negativos: Bento Gonçalves e Farroupilha. Em Bento, 2.646 trabalhadores foram demitidos de maio de 2015 a maio de 2016. O maior número ocorreu no setor moveleiro com 1.163 vagas fechadas.

Em 2013, o segmento empregou 8,9 mil trabalhadores e, até o final de abril, a indústria moveleira tinha 7 mil empregados – o fechamento de 1,9 mil postos de trabalho representa redução de 21% do mercado. No mesmo ano em que o polo moveleiro teve o maior número de trabalhadores, o setor faturou R$ 2,48 bilhões. No ano passado, o faturamento caiu para R$ 2,2 bilhões.

Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário (Sindmóveis), Henrique Tecchio, foram fechados mais de 1,1 mil postos de trabalho somente em 2015. Nos quatro primeiros meses de 2016 já foram 157 trabalhadores demitidos.

– É um número histórico, muito negativo e expressivo. A tendência do desemprego continua e não estancou. O mercado consumidor está estagnado.

A área de móveis planejados teve uma redução entre 20% a 50% no faturamento se comparado com anos anteriores. Segundo Tecchio, a baixa nas vendas é reflexo da redução do mercado da construção civil. No geral, o faturamento de janeiro a março deste ano caiu 20,8% em comparação com o primeiro trimestre de 2015. No mesmo período, o volume das exportações caiu 21%.

Tecchio diz que o setor não estava acostumado com a crise e que as empresas optaram por manter o custo fixo e acabaram perdendo dinheiro. Para ele, somente uma mudança política pode promover a retomada e crescimento do mercado.

– Estamos tentando manter as empresas vivas. Não há fechamento de empresas, mas algumas estão com recuperação judicial em análise.

Em Farroupilha as demissões foram distribuídas em diversos setores. O setor que mais sofreu nos últimos 12 meses foi o de calçados, com 221 vagas fechadas.

Evolução do emprego em seis municípios

Fonte Caged - de maio/15 a maio 16




Caxias do SulFarroupilhaBento GonçalvesSão MarcosFlores da CunhaNova Bassano
População 474.853 68.562 113.287 21.204 29.196 9.478
Admissões 61.065 9.641 17.935 2.110 3.870 1.671
Desligamentos 76.580 11.054 20.581 2.291 4.062 3.338
Variação -15.515 -1.413 -2.646 -181 -192 -1.667