Desemprego na Serra

Série de reportagens mostra a vida e as perspectivas de quem perdeu o emprego. Conheça as histórias de Claudiomiro, Catiane e Cleber


Publicao em 04 de julho de 2016

Reportagem

Andre Tajes

andre.tajes@pioneiro.com

Foto

Roni Rigon

roni.rigon@pioneiro.com

Marcelo Casagrande

marcelo.casagrande@pioneiro.com


Arte

Charles Segat

charles.segat@pioneiro.com

Infografia

Guilherme Ferrari

Desemprego na

Serra



Desemprego na Serra



Tenho esperança de retornar ao mercado de trabalho. É o que me mantém de pé e tentando.



Angústia, incerteza, tristeza. Sentimentos que dominam os dias, as noites e as horas de Claudiomiro Justino Reco, 45 anos, nos últimos seis meses. Ele é um dos 15,5 mil trabalhadores caxienses que perderam o emprego nos últimos 12 meses devido ao agravamento da crise econômica. Para se ter uma ideia, em Florianópolis, com a mesma média de habitantes de Caxias, o número de postos fechados é de 7,2 mil (53% a menos).

Até o final do ano passado, o soldador tinha uma vida estável e um emprego de 18 anos em uma grande indústria da cidade. Em novembro de 2015, recebeu a fatídica notícia: “você está demitido”, disse seu gestor, na época. Em menos de uma semana se viu sem plano de saúde, sem vale-refeição, sem salário.

A justificativa da empresa não amenizou o impacto.

– Me explicaram que a fábrica estava passando por uma crise nunca vivenciada antes e não poderiam manter o quadro de funcionários. Levei um choque.

Casado, pai de uma filha de três anos, ele passa os dias entregando currículos nas agências de emprego – já distribuiu mais de 30 – e esperando por um telefonema que o possibilite voltar ao mercado de trabalho.

Empregados e Desempregados (Caged) apontam para números jamais vistos em Caxias do Sul. Na indústria de transformação está o maior número de postos de trabalho fechados: 11.808 nos últimos 12 meses. Avança para o setor de serviços (-2.288) e segue para o comércio (-866).

Segundo a Câmara de Dirigentes Lojistas de Caxias do Sul (CDL), a taxa de desemprego de maio foi de -8,83%. No Rio Grande do Sul, o número sem emprego formal ultrapassa os 162 mil trabalhadores. No Brasil, a população desocupada chegou a 11,4 milhões de pessoas no trimestre encerrado em maio.




A falta de trabalho me tira o sono e a alegria de viver



Para o soldador Claudiomiro Reco, as horas passam lentamente. Acostumado a uma rotina intensa, chegou a ter uma jornada dupla para aumentar a renda da família. À noite trabalhava como motoboy em uma casa de lanches, mas optou por deixar o serviço para ficar mais tempo com a filha Júlia, oito anos.

– Agora não tenho trabalho algum – lamenta.

A esposa, Daniella Dutra, ficou desempregada por dois anos. Há 30 dias, depois de muita batalha e um pouco de sorte, conseguiu um trabalho que rende R$ 1,1 mil. É pouco, mas melhor que nada. Não vai dar para honrar todos os compromissos. Claudiomiro avalia a possibilidade de vender o Voyage (ano 2013). Apesar de ser importante para levar e buscar a filha na escola, a prestação de R$ 670 está pesando demais no bolso.

– Não mantemos o carro por status, mas pela saúde da filha.

A menina Júlia tem má formação congênita no coração, chamada de Comunicação Interventricular (CVI), e muitas vezes precisa se deslocar com urgência ao hospital ou ao Postão 24h. O plano de saúde também faz muita falta.

– Tenho esperança de retornar ao mercado de trabalho. É o que me mantém de pé e tentando.

Ele reconhece que poderia ter conduzido sua vida profissional por outro caminho:

– Devia ter feito faculdade e me preparado mais. Mas só queria saber de trabalhar dia e noite. Agora estou desempregado.

Claudiomiro é persistente. Nos últimos seis meses distribuiu mais de 30 currículos em agências de recrutamento. Foi chamado para quatro entrevistas, sem sucesso:

– Está difícil. Ligam e dizem que outra pessoa está mais qualificada e sempre falta alguma coisa.

Dois aspectos, segundo ele, estão dificultando a contratação: a idade (45 anos) e o salário que atingiu em 18 anos na mesma empresa – R$ 2,8 mil mensais. Atualmente, os salários oferecidos são bem menores – entre R$1,2 mil e R$ 1,4 mil:

– Não me importo em ganhar menos.



Desemprego na Serra



‘Sobrevivemos com R$ 600’




Desci vários degraus no meu padrão de vida.



O drama da falta de emprego piora na família de Catiane Sena, 37 anos. O padrão de vida dela e dos quatro filhos caiu drasticamente nos últimos três anos. Divorciada, a ex-atendente de uma loja de conveniência pediu demissão para dar atenção aos filhos que sentiram a separação do casal e a ausência do pai.

Desde então, ela sustenta os quatro filhos – Roger, 15 anos, Arthur, 13, Elias, seis, e Antônio, dois meses – com apenas R$ 600, que recebe de pensão:

– Vivemos com R$ 600. Melhor, sobrevivemos com esse dinheiro. Mesmo sabendo das dificuldades financeiras que enfrentaria sem o salário de R$ 860 que recebia da loja de conveniência, Catiane não hesitou em pedir demissão para estar ao lado do filho mais velho que enfrentava problemas de aprendizagem na escola. Agora, não consegue retornar ao mercado de trabalho.

– Além das poucas vagas, não me contratam porque tenho filho pequeno.

A moradora do bairro Santa Corona conta que o dinheiro da pensão é usado para o pagamento do vale-transporte dos filhos Roger e Arthur no valor de R$ 170, que estudam em Galópolis, e também para alimentação.

– Quando consigo, pago as contas de água e luz, que somam R$210.

O padrão de vida da família também mudou. Desceu vários degraus e Catiane admite que dificilmente voltará a subir.

– Tínhamos carro importado, comprei um cão labrador para meus filhos e agora não tenho condições de sustentar o cachorro. As crianças iam de van para a escola, tínhamos condições de comprar roupas e calçados. Os meninos jogavam futebol, mas agora não tenho como pagar pelo fardamento e tênis – conta.



Desemprego na Serra



A angústia de quem precisa demitir




É preciso escolher entre demitir ou fechar a empresa.



Se ouvir a notícia “você está demitido” é um baque, ter que dar esta notícia não é menos impactante. O proprietário da metalúrgica Mazi Máquinas, Adenir Moreira de Souza, 64 anos, que o diga. Nos últimos dois anos, precisou desligar 11 funcionários com mais de 12 anos de empresa.

demitir ou fechar a empresa. Numa empresa de pequeno ou médio porte, a relação empregado/patrão é muito mais intensa. O empresário conhece a história de vida de cada funcionário.

– Criamos um forte vínculo. Não demitimos por ser incapaz. Todos os desligamentos foram terríveis. Muitos esperam retornar e a empresa os quer de volta.

A Mazi Máquinas, que produz lonas de freio para o transporte de veículos pesados, chegou a ter 30 funcionários e atualmente conta com 19. O empresário diz que, além de demitir os que tinham os maiores salários, também reduziu os custos fixos.

– A empresa fez um esforço pela manutenção dos empregos, mas não foi o suficiente e precisamos demitir.



Desemprego na Serra



Demissões chegam ao alto escalão das empresas




Sem trabalho, perco a referência. Me sinto inútil.



A crise também chegou aos cargos mais elevados nas empresas e mudou o estilo de vida de trabalhadores considerados “chefes”. Executivos que ocupavam vagas de supervisão, coordenação e direção com salários acima de R$ 15 mil também estão perdendo o emprego. Para essas funções, as vagas também estão escassas. Com quase 20 anos de experiência na área executiva de grandes empresas, o caxiense Cleber Ricardo Daneluz, 40 anos, chegou a ter um salário de R$ 20 mil. Atuou em empresas da região, no Nordeste e em São Paulo.

Há pelo menos dois anos, ele e a mulher planejavam retornar a Caxias, mas não imaginavam que seria sem emprego. Há 30 dias, Daneluz procura por um novo trabalho em Caxias.

– Meu grande erro foi sair da Grendene (no Nordeste).

Ciente da atual situação econômica, Daneluz diz que está pronto para trabalhar por um salário até 70% menor, desde que a empresa ofereça condições de crescimento. Sua formação acadê- mica inclui graduação em Administra- ção, MBA em Gestão Empresarial, curso superior em Qualidade Empresarial e inglês.

– Não tenho ambição salarial. Hoje, ter salário alto é um risco. Quero ganhar para viver. A empresa pode ser pequena, desde que tenha tranquilidade e estabilidade. Não quero trabalhar pelo valor (do salário), mas para desenvolver um plano de crescimento – ressalta.

Determinado e confiante de seu talento, Daneluz estabeleceu dois prazos para retornar ao mercado de trabalho: em agosto ou outubro. Deste ano.

– Tem poucas vagas e muita concorrência, mas vou conseguir

Trabalha com um plano B.

– Se precisar vou pegar a enxada e trabalhar na terra – diz Daneluz, que ajudou os pais na propriedade da famí- lia em Santa Lúcia do Piaí.

Para o administrador, somente um bom currículo não é garantia de conquistar uma vaga de trabalho. Aspectos como empatia e relacionamento também são considerados:

– Nisso (relacionamento) tenho dificuldade. Fiquei muito tempo fora de Caxias

Para aliviar a tensão, ele mantém a rotina de acordar cedo e ir ao computador em busca de oportunidades e contatos.

– Me sinto inútil ficando em casa

Opinião

O que dizem as lideranças






Nelson Sbabo, presidente da CIC



“As demissões na indústria só não são em maior número por falta de dinheiro para pagar as indenizações trabalhistas. Muitas empresas não têm recursos para indenizar os funcionários. Fizeram investimentos nas pessoas e agora vão desmontar o quadro técnico formado por gerentes e encarregados de setor. A situação está muito perigosa. O governo federal precisa encontrar uma solução rápida para o país voltar a crescer. Uma alternativa é a abertura de mercado para incrementar as vendas em novos países. Mas tudo isso é para ontem”.



Getulio Fonseca,
ex-presidente do Simecs



“As 20 mil demissões ocorridas no setor em Caxias não serão recuperadas. Os postos fechados não vão voltar. As empresas estão se preparando de outra maneira para investir em produtividade e dificilmente voltarão a contratar. Só não demitem mais porque não têm dinheiro para cumprir com os compromissos trabalhistas”.



Volnei Sebben, presidente do Sinduscon



“O mercado da construção civil demitiu 25% dos operários em Caxias do Sul em 2016. Os desligamentos acontecem por dois motivos: empreendimentos concluídos e redução de novas obras. Estamos vivendo um novo mercado e que encolheu muito. Não é só nosso privilégio. Em 2014, o setor aprovou na prefeitura a construção de 1,3 milhão de m². Em 2015 foram 947 mil m². Até maio deste ano o setor aprovou 268 mil m² e a estimativa é chegar a 700 mil m² até o final do ano. A redução deve chegar a 26%. Temos que nos virar nesse mercado turbulento”.

Vagas nos últimos 12 meses

Fonte: Caged (maio/15 a maio/16)




SetorAdmissãoDesligamentosSaldo
Indústria de transformação 16.692 28.500 -11.808
Serviços 22.026 24.314 -2.288
Comércio 15.174 16.040 -865
Construção civil 4.178 4.691 -513
Outros 2.995 3.035 -40
TOTAL 61.065 76.580 -15.515

Antes de trocar de emprego

Fique atento a essas dicas




| Informe-se sobre a saúde financeira da empresa.

| Busque informações sobre rotatividade de funcionários e, principalmente, de gestores.

| Veja se a empresa oferece chances de crescimento.

| Procure saber tudo sobre o caráter dos proprietários.