ATRASO E IMPACTO NA ECONOMIA
(Parte 5) Documentos mostram que a Funai usa a obra da BR-101 como moeda de troca para garantir homologação da terra indígena Morro dos Cavalos. Enquanto isso, construção de túneis no local está R$ 60 milhões mais cara Parte 1 Introdução Parte 2 Parte 3 Parte 4 Parte 5 Linha do tempo
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ocumentos a que o Diário Catarinense teve acesso revelam que a Funai usa a duplicação da BR-101, no trecho de Morro dos Cavalos, como moeda de troca para que a terra indígena seja homologada. Essa prática, associada aos atrasos burocráticos no próprio DNIT, é o que tem emperrado a obra e provocado impacto no custo dos túneis projetados para o local - em menos de uma década, o mesmo projeto ficou R$ 60 milhões mais caro.
A liberação para construir os túneis, segundo consta na licença prévia emitida pelo Ibama, está condicionada às exigências feitas pela Fundação Nacional do Índio no ofício 542/2013. O documento é assinado pela diretora substituta Carolina Schneider Comandulli em 31 de julho de 2013 e, no quarto item, afirma: "intervenções na rodovia BR-101 deverão ocorrer somente após assegurada a posse plena da terra aos indígenas". Isto porque apesar de reconhecida pelo Ministério da Justiça, a terra indígena ainda não está homologada pela Presidência da República.
Esta exigência da Funai tem como base o estudo de impacto ambiental da obra, protocolado em setembro de 2010. A pesquisadora Maria Inês Ladeira, a mesma envolvida no processo de demarcação de Morro dos Cavalos (ela solicitou o início do processo e depois foi contratada pela Funai para elaborar os laudos), consta no documento como a responsável pelo levantamento antropológico do estudo. Segundo o DNIT, Maria Inês foi indicada pela Funai para participar do trabalho.
Para iniciar as obras ainda é necessário que seja emitida a licença de instalação. Para isto, o DNIT precisa concluir os planos básicos ambiental e indígena - que devem originar novas condicionantes à construção túneis, bem como os valores que deverão ser pagos como compensação ambiental. A previsão é de que os documentos sejam protocolados até o fim do ano. Não compete ao departamento, porém, garantir à posse da terra aos indígenas (a responsabilidade é da Presidência da República). E por isso as discussões de arrastam.
– Foge da nossa esfera de competências. O DNIT é um órgão executor de obras de infraestrutura. Se depender desta exigência, não teremos como negociar a construção dos túneis – diz o superintendente do departamento em SC, Vissilar Pretto.
Por pelo menos três vezes o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, esteve em Florianópolis para tratar sobre o caso. Foi ele quem intermediou as negociações para que a Funai concordasse com as obras de uma faixa extra no trecho, uma medida paliativa para aliviar o trânsito no local até que se resolva a questão dos túneis. Segundo o ministro, era preciso desassociar os processos: a demarcação da terra é um e as obras são outro.
– Precisamos resolver esta questão das obras. Sobre o processo de demarcação eu não consigo enxergar luz no fim do túnel – disse Cardozo, enfatizando a complexidade do caso (que desde janeiro tramita no Superior Tribunal Federal). RESTRIÇÕES ÀS OBRAS DOS TÚNEIS
As obras de duplicação no trecho, entre os quilômetros 232 e 235 da BR-101, são discutidas há quase duas décadas. Em 2005, houve interferência do Tribunal de Contas da União (TCU) e só a partir do parecer do órgão é que se definiu pela construção de um túnel duplo no local, com a extinção da pista que é usada atualmente.
No relatório publicado pelo tribunal, a procuradora do Ministério Público Federal (MPF) em Florianópolis Analúcia Hartmann é citada como a "origem da restrições à obra". Analúcia representa o MPF nas questões indígenas em Santa Catarina e trata sobre Morro dos Cavalos desde meados dos anos 90. No início dos anos 2000 quando o DNIT apresentou o projeto, ela questionou o uso do subsolo - se era de propriedade dos índios ou da União - e, segundo consta no documento do tribunal "pressionou a Funai e o Ibama para que não fosse dada a autorização para a obra". Na época se previa construir um único túnel, com a preservação da pista atual.
– Até hoje não existe legislação para o uso do subsolo em área indígena, a questão jurídica existe e simplesmente foi levantada pelo Ministério Público. Existem outros dois trechos da duplicação da BR-101 (a ponte de Laguna e o túnel no Morro do Formigão, em fase de construção) que também estão atrasados e nesses locais não há ocupação indígena. A falta de eficiência do DNIT não tem nada a ver como o Ministério Público nem com os índios ou com a Funai – argumenta a procuradora.
É fato que entraves burocráticos no próprio DNIT contribuíram para o atraso das obras. E o superintendente do departamento em SC reconhece isso. O TCU definiu pelos túneis em 2005 e só em 2010 o departamento apresentou os estudos necessários para a aquisição da licença prévia ambiental. Nos últimos anos, porém, a demora estaria atrelada às exigências da Funai.
Para o presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Augusto Nardes, todo esse atraso de obras gera prejuízos aos cofres públicos. Isto porque o mesmo projeto orçado inicialmente, ao passar dos anos, tende a encarecer. Ou seja, acaba-se pagando mais para executar a mesma obra. Com o túnel duplo de Morro dos Cavalos, por exemplo, previa-se em 2005 custo de R$ 590 milhões e hoje o DNIT prevê gastar com a mesma obra R$ 650 milhões.
EXIGÊNCIA DA FUNAI IBAMA REFORÇA CONDIÇÃO RESTRIÇÃO A CARGO DO MPF

Diário Catarinense - Qual é o impacto dos atrasos da obra de duplicação da BR-101 Sul para a economia de Santa Catarina?

Glauco José Côrte - O custo de logística em Santa Catarina é muito alto e um dos fatores que contribui para isso são as condições da infraestrutura física. Sobretudo das rodovias. Nós não temos modal ferroviário, então todo o nosso transporte se concentra em rodovias – do centro produtor para o centro consumidor. E a BR-101 é um eixo de ligação dos demais Estados do país com a região Sul do Brasil e de integração do nosso país com o Mercosul. É estratégica para portos e aeroportos. Como temos problemas de infraestrutura, o custo com logística no nosso Estado é maior do que no Paraná e Rio Grande do Sul. E isso nos deixa menos competitivos.


DC - O trecho de Morro dos Cavalos é o único ainda sem licença para iniciar as obras, o que não permite prever prazo de conclusão da rodovia. Esta incerteza gera prejuízos?

Côrte - Compromete o desempenho econômico do Estado. Santa Catarina deixa de atrair novos investimentos, o que gera impacto em emprego e renda. Poderíamos estar mais confortáveis. O produtor não consegue calcular quanto tempo vai levar o transporte de uma carga do sul para o norte do Estado ou do país porque as obras estão atrasadas e isso gera longas filas. Isso encarece muito o custo com a logística. Os seguros aqui no Estado, de caminhões e automóveis, também são mais elevados do que em outros Estados. E justamente por esta condição. Nós fizemos uma pesquisa na Polícia Rodoviária Federal e vimos que nos últimos 16 meses foram mais de 200 acidentes só no trecho de Morro dos Cavalos. Esse túnel está para sair do papel há mais de 10 anos. E as perspectivas não são boas, o edital para a concorrência desta licitação estava previsto para o primeiro semestre de 2013, nós já estamos no segundo semestre de 2014 e nada.


DC - A situação é pior nos municípios do Sul?

Côrte - Uma das características de Santa Catarina é o equilíbrio econômico entre as regiões. Mas esse atraso todo nas obras de duplicação fez a metade sul perder o equilíbrio. Foram mais de R$ 30 bilhões em perdas. Os municípios do Sul tiveram desempenho inferior à média do Estado. O porto de Imbituba só começou a receber investimentos depois que as obras da BR-101 avançaram e o aeroporto de Jaguaruna a mesma coisa.

GLAUCO JOSÉ CÔRTE, presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina "Encarece o custo de logística” Um estudo divulgado pela Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) aponta prejuízo de R$ 32,7 bilhões a 44 municípios do sul do Estado somente em função do atraso das obras de ampliação da rodovia. A duplicação no trecho que se estende de Palhoça a Osório, no Rio Grande do Sul, deveria ter sido concluída há cinco anos, mas como ainda não há sequer liberação para Morro dos Cavalos fica impossível de se prever uma data final para a conclusão total do trabalho. E o entrave da rodovia tem como consequências a perda de competitividade econômica, que se reflete em geração de emprego e renda.
Mural
A série mostra o crescimento da população indígena no litoral de SC, associado à duplicação da BR-101. A história se inicia em Morro dos Cavalos. A Funai usa a demarcação da terra aos indígenas como moeda de troca para liberar a duplicação. Qual a sua opinião sobre essa polêmica?