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Passos lentos

Um tempo atrás você não via a palavra inovação na agenda estratégica das empresas. Elas estavam mais preocupadas em apenas atender a demanda do mercado. Hoje esse tema é muito recorrente.

 

miguel rivero neto,

Consultor empresarial e professor associado da Fundação Fritz Müller

Em quatro anos a ZEN, de Brusque, investiu R$ 40 milhões em equipamentos, diz o diretor Eduardo Bertolini

Eu diria que se nós não tivéssemos desenhado essa estratégia e executado ela com tanto empenho e afinco, como fizemos, com certeza hoje estaríamos sofrendo muito fortemente com os resultados dessa crise.

 

Eduardo Bertolini,

Diretor industrial da ZEN

nos tempos de aperto financeiro, o investimento em inovação para melhorar a performance e a produtividade dos negócios se torna um mantra. Apesar de ser pregado à exaustão, ainda há dúvidas sobre o que, afinal, adotar essa medida quer dizer. A começar pelo conceito, que não é exatamente unânime.

O Manual de Oslo, uma espécie de bíblia que norteia o assunto, reconhece que a complexidade desse tipo de processo e as variações na forma em que ele acontece nas empresas fazem com que nem sempre seja possível definir com clareza o que é inovação. Criar um novo produto ou serviço, investir em pesquisas e desenvolvimento, rever processos internos: tudo isso pode ser entendido como uma aplicação. Existe, porém, uma convenção desapegada de questões técnicas que vale para qualquer segmento e resume o problema de modo bem prático: inovar é tirar do papel alguma ação que resulte em mais produtividade ou traga ganhos significativos, tangíveis ou não, no dia a dia dos negócios. Essa difícil compreensão é até natural por aqui porque as companhias brasileiras começaram a mirar o tema há pouco tempo, diz o consultor empresarial e professor associado da Fundação Fritz Müller, Miguel Rivero Neto.

– Um tempo atrás você não via a palavra inovação na agenda estratégica das empresas. Elas estavam mais preocupadas em apenas atender a demanda do mercado. Hoje esse tema é muito recorrente – avalia.

O assunto exigiu adaptações também de agentes que fomentam o desenvolvimento econômico. Foi o caso do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), conhecido principalmente pela oferta de crédito para infraestrutura e agricultura familiar. Superintendente da agência em Santa Catarina, Nelson Ronnie lembra que o tema entrou no radar da instituição financeira apenas em 2013, a partir de provocações feitas pelo mercado.

Um diagnóstico feito por um grupo de trabalho interno do banco identificou que micro, pequenas e médias empresas eram as que mais tinham dificuldades para captar recursos voltados à inovação – enquanto as grandes corporações, mais estruturadas, costumam ter departamentos exclusivamente para este fim. Como o conceito sobre o que é inovar não estava (mais uma vez) claro até mesmo para analistas, o BRDE listou uma série de pré-requisitos necessários para autorizar empréstimos.

No último trimestre daquele ano o banco lançou o BRDE Inova, linha de crédito cujo principal diferencial é não exigir garantias reais para aportes de até R$ 1 milhão. Com uma extensa lista de projetos espalhados pelo Estado apenas aguardando uma oportunidade de crédito mais acessível para serem colocados em prática, o resultado foi imediato e o número de pedidos disparou. Desde então, já foram financiados 93 contratos em Santa Catarina que somam R$ 197,2 milhões, o equivalente a 43,7% dos cerca de R$ 451 milhões liberados neste período em toda a região Sul, área de abrangência da instituição.

A recessão, segundo Ronnie, não teve grande impacto na concessão de crédito por parte do BRDE. Por outro lado, ele observa uma mudança de perfil nos projetos:

– O banco tinha muito financiamento para aumentar a capacidade instalada. Hoje elas procuram mais projetos para melhorar o desempenho e a produtividade, reduzir custos e ser mais eficientes e consumir menos matéria-prima.

Esse despertar para uma questão crucial à sustentabilidade operacional (e às vezes até mesmo para a sobrevivência) é positivo, mas ainda há muito chão pela frente. O Índice Global de Inovação, que avalia o grau de inovação de 127 nações, coloca o Brasil na modesta 69a colocação na edição deste ano, mesma posição do levantamento feito em 2016. Neste quesito, o país – que já foi o 49o do ranking, em 2011 – está atrás das principais economias emergentes, como Rússia, Índia, China e África do Sul, seus parceiros de Brics. E também é passado para trás por vários vizinhos latino-americanos. A situação é ainda mais dramática diante do contingenciamento de recursos para as áreas de ciência e tecnologia anunciado recentemente pelo governo federal, medida que causou indignação na comunidade científica e colocou em xeque a capacidade (e sobretudo a qualidade) do desenvolvimento de pesquisas e inovação no Brasil.

– Deveria ser o contrário. O investimento em inovação e fomento à pesquisa deveria ser incrementado. O governo deveria reduzir custos em atividades que não agregam valor e aumentar o investimento para que o país caminhe para sair da crise. Isso foi um balde de água fria – critica Rivero Neto.

Se o cenário nacional preocupa, cabe às empresas fazer a lição de casa. E a boa notícia é que ao menos em Santa Catarina o olhar para o assunto está desperto. O Estado tem polos tecnológicos definidos, qualificação de mão de obra acima da média, incubadoras que fomentam a criação de novos negócios e bom diálogo entre entidades, instituições de ensino e o mercado, fatores que o tornam referência no país. Além disso, é cada vez maior dentro do meio produtivo a percepção de que a inovação faz diferença.

Levantamento divulgado pela Fiesc em junho mostra que 54% das indústrias do Estado vão investir na área neste ano, com alvo sobretudo em ganhos de produtividade. Dos R$ 7,3 bilhões em aportes mapeados pelo setor em 2017, 40% serão direcionados para pesquisa, desenvolvimento e inovação. Para a entidade, os números indicam preocupação em garantir uma estrutura produtiva mais dinâmica, voltada para o longo prazo. O ponto negativo, porém, é que boa parte delas, ainda conforme o estudo, atribui como obstáculo à inovação os altos custos geralmente envolvidos nesse processo.

Quando a falta de dinheiro é um problema, a saída pode ser encontrar soluções caseiras que deem conta do recado. Um exemplo vem da Brandili, de Apiúna,  no Vale do Itajaí, que identificou entre os próprios funcionários potencial para inovar. A companhia têxtil, especializada em moda infantil, lançou em 2014 o Grande Prêmio da Melhoria Contínua, internamente chamado de GP. Trata-se uma iniciativa que estimula os colaboradores – com exceção dos cargos de chefia e liderança – a implementar boas ideias, explica a gerente de marketing Andressa Marchiorato. Foi o que as estilistas Bruna Darolt e Jacqueline Costa fizeram ao criar peças a partir de um estoque de malhas e tecidos que não seriam mais utilizados. Vender essa matéria-prima traria perdas de quase R$ 1,5 milhão para a empresa. O prejuízo, no entanto, se transformou em um lucro aproximado de R$ 2 milhões, resultado das vendas da coleção desenvolvida pela dupla.

Desde então, a Brandili acumula ganhos de R$ 7 milhões com sugestões viáveis apresentadas ao GP. Os autores dos projetos que geram resultados chancelados pela controladoria da empresa são premiados com vale-compras, dias de folga e camisetas personalizadas, fora o reconhecimento interno que vem em cerimônias com direito a medalhas e presença de familiares. O caso ilustra uma lição fundamental no desenvolvimento de uma cultura inovadora e engajamento entre os funcionários.

– Dar tapinha nas costas não basta. As pessoas querem um pouco mais do que isso, porque se você não estimula, acaba desestimulando – diz Andressa.

TEXTO | pedro machado

Brasil ainda ocupa a 69a posição em

um ranking internacional de investimento em inovação. A boa notícia, em Santa Catarina, é que um levantamento deste ano da Fiesc mostra que 54% das indústrias do Estado vão aplicar recursos na área – a meta é, sobretudo, aumentar a produtividade

INOVAÇÃO

Primeiro foram as máquinas a vapor, no século 18, que substituíram boa parte da mão de obra braçal na Europa. Depois veio a energia elétrica, a “descoberta” do aço e o desenvolvimento de indústrias como a química e a petroleira. Mais tarde, computadores deram o tom das transformações causadas pela informática. Agora, o mundo passa por uma quarta revolução industrial que pode até parecer meio silenciosa, mas promete ser tão impactante quanto as anteriores.

Na economia, a chamada Indústria 4.0, conceito que surgiu há cerca de cinco anos na Alemanha, atinge principalmente os processos de manufatura e está atrelado às fábricas inteligentes. São máquinas interligadas que alimentam sistemas de controle em tempo real, criando uma rede autônoma coletora de dados capaz de prever e evitar erros – e consertar o que não está funcionando.

– É um movimento que busca trazer, por meio da inovação e da tecnologia, melhorias de performance e agilidade. Já há resultados muito significativos no mundo, um caminho sem volta – resume Tulio Duarte, diretor da vertical Manufatura da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate).

Enquanto essa realidade ainda é uma grande novidade para a maioria das indústrias brasileiras, a ZEN, fabricante de componentes para o setor automotivo, está um passo à frente. Graças à proximidade com instituições alemãs, a empresa de Brusque teve os primeiros contatos com a tecnologia de manufatura em 2013. Naquele mesmo ano, desenhou um planejamento estratégico até 2020. A primeira etapa foi eliminar instabilidades no processo produtivo com a adoção do lean manufacturing – uma filosofia de gestão focada na redução de desperdícios.

O próximo passo, que está sendo consolidado, é a mudança de layout da produção. Em vez do modelo padrão de áreas específicas para cada processo – como prensa, usinagem e montagem –, a ZEN implantou várias “minifábricas” dentro do parque fabril, separadas por clientes ou categorias de produtos. A fabricação dos itens começa e termina no mesmo local. É o que o diretor industrial Eduardo Bertolini chama de fluxo de valor.

– Antes dessa mudança, o material levava em média 77 dias para atravessar a fábrica. Hoje são 20. Ou seja, em três semanas uma peça começa na primeira operação e chega ao nosso estoque de produto acabado – garante.

A quarta revolução
da indústria

Aliado a esse planejamento, a empresa investiu R$ 40 milhões nos últimos quatro anos em renovação de maquinário. E já começou a colher bons resultados. A produtividade aumentou 45% e o índice de satisfação dos clientes saltou de 77% para 94%. Os custos de programas relacionados à qualidade despencaram 70%. Até 2020, a ZEN pretende direcionar mais R$ 36 milhões em capacitação de funcionários, processos de manufatura e na interligação de equipamentos já adquiridos, o que representaria a entrada de vez no universo da Indústria 4.0.

Embora a estratégia focada no extermínio de pontos de desperdício e instabilidades não tenha sido pensada para combater a atual crise, que chegou com o planejamento já em andamento, ela ajudou a ZEN a suportar a turbulência sem grandes surpresas – apesar de um ou outro ajuste de rota. Mesmo com o mercado automotivo em queda, a empresa não deixou de crescer acima da inflação em nenhum ano desde 2013, afirma Bertolini. Ao atingir níveis maiores de excelência, driblou o desaquecimento da economia doméstica e garantiu fôlego financeiro com contratos no mercado externo. Hoje as exportações representam 60% do faturamento e são direcionadas a mais de 60 países. Neste caso, foi a inovação que impediu tropeços.

– Eu diria que se nós não tivéssemos desenhado essa estratégia e executado ela com tanto empenho e afinco, como fizemos, com certeza hoje estaríamos sofrendo muito fortemente com os resultados dessa crise – diz o diretor industrial.