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Passos lentos

O garoto passa tempo na escola, mas não aprende, não tem capacidade cognitiva e interpretativa. Um funcionário automotivo na época em que o Lula era sindicalista só precisava apertar parafuso. Hoje, ele precisa ser um cara com conhecimento de automação e tem que saber ler um manual em inglês.

 

bruno césar araújo,

Diretor-adjunto de Estudos e Políticas Setoriais de

Inovação e Infraestrutura do Ipea

Deisi Brasil, 23 anos, voltou a estudar depois de abandonar o colégio aos 16 quando ficou grávida

Valcir de Moraes largou a quinta série para ajudar o pai na lavoura. Aos 35 anos, vai conquistar o diploma do ensino médio

Parece óbvio: quanto maior a escolaridade de uma população, maior a produtividade. Assim foi na Coreia do Sul, que revolucionou o país apostando, entre outras coisas, no investimento em educação. Lá, os ganhos são de US$ 6,8 mil por série adicional, de acordo com o levantamento do economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, Ricardo Paes de Barros.

Acontece que os anos nos bancos escolares têm respostas diferente entre os países. Na China, para cada série a mais, o ganho é de US$ 3,5 mil e, no Chile, US$ 3 mil. No Brasil, essa conversão é frustrante: apenas US$ 200.

Os desafios são imensos por aqui. O país ainda é o último colocado da América do Sul em anos de estudo. O brasileiro passa em média 7,2 anos na escola, empatado com o Suriname, de acordo com números do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2013, os mais recentes.

A notícia boa é que esses resultados têm melhorado. Em 2000, 40% das pessoas com 18 anos ou mais tinha o ensino fundamental completo no país. Dez anos depois, quando foi feito o levantamento mais recente, essa proporção passou para 55%. Em Santa Catarina, saiu de 41% para 59%,a quinta maior taxa do país. A notícia ruim, no entanto, é que a escolaridade não tem se refletido em ganhos significativos de produtividade.

A qualidade da educação é um dos problemas no Brasil. O fiasco fica evidente quando se olha para os números do Pisa, o exame internacional que mede as habilidades de estudantes de 15 a 16 anos, feito trienalmente. Na última edição, em 2015, em um grupo de 70 países, os brasileiros ficaram na 63a posição em ciências, na 59a em leitura e na 66a em matemática.

No ranking entre os Estados, os estudantes catarinenses alcançaram o quinto lugar para ciências e leitura e conseguiram a quarta colocação em matemática. Nada a comemorar. Além de ter caído nas avaliações de matemática e leitura em relação ao exame anterior, se Santa Catarina fosse um país estaria à frente do Brasil, mas no grupo dos 20 mais mal-colocados no Pisa para as três competências, atrás de nações pobres como Albânia e Romênia.

– O garoto passa tempo na escola, mas não aprende, não tem capacidade cognitiva e interpretativa. Um funcionário automotivo na época em que o Lula era sindicalista só precisava apertar parafuso. Hoje, ele precisa ser um cara com conhecimento de automação e tem que saber ler um manual em inglês. Nosso problema já começa aí: nos países em que se revolucionou a educação, todo mundo fala inglês – diz o diretor-adjunto de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Bruno César Araújo.

Para alguns especialistas, a solução para o problema da educação é a aposta no ensino técnico. O doutor em Educação e diretor do Senac-RS, José Paulo da Rosa, vê com bons olhos a reforma educacional brasileira, com a Base Nacional Comum Curricular e a formação profissionalizante.

– A base comum é importante num país com as nossas dimensões. E o ensino profissionalizante também. No Brasil, só 10% optam por curso técnico, muito diferente de países desenvolvidos. Na Finlândia, 90% fazem essa escolha. Dar essa alternativa é bom porque o jovem vai se apropriar de competências fundamentais. Agora, não adianta fazer ensino técnico sem oferecer estrutura, laboratórios, como já foi feito no Brasil no passado – avalia o especialista.

Ele não é o único a defender o ensino técnico. O gerente-executivo de Pesquisa e Competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca, concorda, mas faz a mesma ressalva de Rosa.

– Todo o ensino é baseado em fazer Enem, mas só 16% desses alunos vão para a universidade. E os outros, o que eles aprenderam? Profissão nenhuma. Essa mudança é importante, mas tem de ser bem feita. Eu ganhei um diploma no ensino médio como técnico de laboratório e na minha escola não tinha nenhum laboratório. O ensino técnico ficou muito desacreditado por coisas assim – diz Fonseca.

Segundo Rosa, também é possível ter alguma melhora na qualidade do ensino, independentemente do governo, por meio do avanço da gestão escolar. No Brasil, diz, as escolas que conseguem se sair bem, mesmo com todas as dificuldades, são as que têm um bom gestor por trás:

– É uma questão de saber onde a escola quer chegar,  traçar um plano para isso e executá-lo.

 Enquanto o Brasil engatinha para resolver problemas estruturais, a Coreia do Sul dá exemplo. Há três décadas os sul-coreanos eram mais pobres que os brasileiros. Hoje, têm renda per capita três vezes maior.

Um dos motores dessa virada foi o investimento em educação de qualidade. Hoje, 40% da população adulta do país asiático tem ensino básico completo, e outros 32% têm diploma universitário. No Brasil, 33% têm ensino médio e 14% dos adultos têm diploma de ensino superior. Não é só em anos de escolaridade que os coreanos ganham. No último Pisa, ficaram entre os seis países mais bem avaliados.

O que eles fazem de tão especial? Não há segredo. Para Rosa, doutor em Educação que estudou diferenças educacionais entre Brasil e Coreia, uma das distinções é que o país asiático prioriza o ensino básico, com atenção à valorização dos professores.

– Os melhores professores estão na educação básica. Eles têm mestrado, doutorado e optam por ficar ali. No Brasil, fazemos o oposto, as políticas estão muito focadas no ensino superior. Os coreanos falam que não adianta consertar o piso pelo telhado.

O Brasil é um dos países que menos gastam com alunos do ensino básico, mas as despesas com universitários se assemelham às de países europeus, segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Aqui, se gasta US$ 3,8 mil por aluno do primeiro ciclo do ensino fundamental, metade da média dos países da OCDE. Com estudantes universitários são cerca de US$ 11,7 mil, mais que na Itália (U$S 11,5 mil) e na Coreia do Sul (US$ 9,8 mil).

Há outras diferenças. Enquanto na Coreia cada criança passa cerca de nove horas na escola, no Brasil são em média três horas e meia. A gestão do ensino coreano, centrada toda no governo federal também ajuda a construir políticas mais eficientes, de acordo com Rosa. Regionalmente, quem atua são conselhos locais, sem vinculação política, que cobram dos governantes e acompanham a forma como o dinheiro é investido. Eles têm autonomia até para trocar o diretor da escola.

TEXTO | larissa linder

Para cada série a mais na escola, o trabalhador brasileiro converte US$ 200 em produtividade, número inferior a países como o Chile. A barreira para o crescimento ainda está na qualidade
do ensino

EDUCAÇÃO

Embora tenha necessidade de avançar nos índices de educação, Santa Catarina pode se orgulhar de ter iniciativas importantes para mudar esse quadro. Uma delas é o Movimento SC pela Educação, encabeçado pela Fiesc desde 2012 para elevar a escolaridade dos trabalhadores da indústria e a qualidade do ensino. Só 56% dos empregados no setor em SC têm o ensino básico completo, o que coloca o Estado em sétimo no ranking nacional. De lá para cá, 2,2 mil empresas fecharam parcerias com o Sistema S para melhorar a escolaridade dos funcionários.

Em Chapecó, outro projeto vem promovendo a melhora do ensino. Desde 2015, escolas municipais e estaduais e uma unidade do Senai na cidade participam de uma iniciativa do Instituto Ayrton Senna em parceria com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O ensino integral é oferecido com professores previamente capacitados pelo instituto. Inspirada na iniciativa, a Câmara de Vereadores chapecoense aprovou em setembro um projeto de lei que estenderá o modelo a todas as escolas municipais e a outras 13 unidades de ensino médio do Senai.

Em outra parceria do Instituto Ayrton Senna, com a Secretaria Estadual e apoio do Instituto Natura, é desenvolvida a proposta de educação integral em 15 escolas estaduais distribuídas por 14 municípios.

Os dois projetos têm metodologias distintas, mas ambos propõem oferecer oportunidade para os estudantes irem além da aquisição de conteúdo das disciplinas obrigatórias ao desenvolver competências como criatividade, pensamento crítico, comunicação e resolução de problemas.

Deisi Brasil, 23 anos, não precisa buscar na memória os casos de ex-colegas de escola que abandonaram os estudos.

– Algumas deixaram porque engravidaram, outros se envolveram com drogas, uma virou garota de programa – diz.

Em Caçador, no Meio-Oeste catarinense, onde Deisi vive, não é raro encontrar jovens que largaram a escola. No município, só 41% da população conseguiram o diploma do ensino básico, taxa mais baixa que a média nacional, de 44%, segundo o levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Nas cidades vizinhas, a escolaridade cai ainda mais.

A própria Deisi entrou para as estatísticas de evasão escolar aos 16 anos, quando descobriu que estava grávida. Como ela, Valcir de Moraes largou os estudos na quinta série. A prioridade era trabalhar na lavoura com o pai. Eduardo Alves foi mais um que deixou o colégio. Não conseguia conciliar o emprego com a escola. Todos eles são filhos de pais e mães que também abandonaram a sala de aula antes de terem um diploma do ensino básico.

Os três são um retrato do desafio que o Estado e o país têm pela frente. Mas também se tornaram exemplo de que os obstáculos podem ser vencidos: todos voltaram a estudar.

O trabalho, antes uma barreira para terminar os estudos, passou a ser aliado quando diretores de uma fábrica de portas de Caçador, a Sincol, se deram conta da importância da escolaridade para a competitividade do negócio. Em 2012, só 40% dos funcionários tinham ensino básico. Hoje, o percentual saltou para 77%.

– Fomos a uma reunião com o Senai, a Fiesc e outros industriais, que mostraram a importância de ter uma mão de obra qualificada. Isso tem diferença na qualidade do produto. Voltamos com a ideia de implantar um projeto na empresa e foi um sucesso. Já formamos 333 pessoas no ensino básico e tem outras 109 estudando – comemora o diretor de produção, Moyses Comelli.

Depois daquele encontro em 2012, a Sincol assinou um termo de compromisso com o SC pela Educação, movimento da Fiesc para elevar a escolaridade no Estado. O trabalho de convencimento para fazer as pessoas voltarem a estudar e não largarem o ensino mais uma vez envolveu– e ainda envolve – reuniões individuais com psicólogos do Sesi, entidade responsável pelo Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na indústria.

– Foi muito difícil. Tinha gente há 20 anos sem estudar. E o problema é que quando começa, sai da aula, vai para casa e às vezes a família não dá incentivo – diz o gerente de recursos humanos da companhia, Sérgio Geraldo de Lima.

Também foi fundamental deixar claro desde o início que aqueles que buscassem estudo teriam oportunidade de crescer na empresa. Foi o que motivou Valcir, que voltou ao ensino fundamental com 31 anos de idade. Ao final deste ano, aos 35, ele terá nas mãos o diploma do ensino médio.

– Hoje em dia se você não tiver estudo você não cresce. Até para ser operador de uma máquina tem que ter o segundo grau – diz.

A tarefa de
Santa Catarina

Operários na escola

Para facilitar a vida de quem tem que se dividir entre trabalho e estudo, foram criadas duas salas de aula dentro da fábrica, além de uma biblioteca. Os alunos podem escolher fazer os 25% de aulas presenciais ali ou no Sesi. O restante do ensino é a distância, com ferramentas como a plataforma Google for Education. Quem não tem computador ou acesso à internet – uma minoria, segundo a coordenadoria pedagógica do Sesi – conta com máquinas disponibilizadas pela empresa.

A Sincol também paga transporte e lanche, festa de formatura e excursões para os estudantes conhecerem outras cidades ou empresas que estejam relacionadas ao plano de ensino. Para quem quiser ir além, há subsídio para a graduação. E não faltam histórias de quem esteja seguindo adiante, como Deisi, que terminou o ensino básico e agora faz curso técnico em enfermagem. Nem a crise fez o programa encolher. A meta é fechar 2017 com 80% dos colaboradores formados no ensino básico.

– É impressionante como a pessoa instruída produz mais. Quem tem conhecimento tem mais iniciativa, faz mais que o combinado, ajuda o gestor, os colegas – afirma o gerente de RH.

Comelli concorda. Há 53 anos na Sincol, ele viu o setor se transformar e se modernizar:

– Antes, era uma trabalho quase de marcenaria, artesanal. Depois, o mercado foi exigindo mais qualidade. Precisamos ter equipamentos mais modernos e mão de obra mais qualificada também.