irati,

a Cidade das

cesáreas

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rati é uma típica pequena cidade no Oeste catarinense. Fundada em 1993, tem a base econômica na agricultura familiar – cerca de 340 famílias sobrevivem graças à produção de leite.

As ruas íngremes e de terra vermelha são o cenário da cidade, que caminha no ritmo calmo do interior. No Centro, pequenos comércios abastecem a população de 2 mil pessoas. Uma dessas pequenas empresas, de móveis, é onde Nataly ajuda a família quando não está na escola.

A jovem fez o acompanhamento pré-natal com o único clínico geral que atende gestantes na cidade, Luciano Poli, 36 anos. O médico justifica a alta taxa de cesárea em Irati pelo desejo das próprias pacientes. No entanto, admite:

– A cesárea me parece menos arriscada, costuma dar menos complicação. Quando eu for ter filhos, a minha esposa vai fazer cesariana.

O profissional enfatiza que só dá opinião no final do processo para não influenciar as gestantes. Mas Nataly afirma que teve a cesariana recomendada já na primeira consulta e não se arrepende de ter feito cirurgia. Poli explica que quem escolhe é a paciente, mas recomenda esse procedimento quando se trata de adolescentes por considerar a cirurgia mais segura nesses casos – o Ministério da Saúde não elenca essa faixa etária como um dos fatores que justificam a cesariana. Além de trabalhar na atenção básica, o médico faz plantão no Hospital São Bernardo, em Quilombo, onde ele próprio realiza as cesarianas.

Irati consegue atender a demanda de partos cirúrgicos pelo SUS por ter um acordo com o hospital. A prefeitura paga uma cota para um número determinado de cirurgias gerais que podem ser realizadas no mês. Diante da pequena demanda, Poli tem recurso para fazer as cesáreas eletivas – feitas por escolha, não por recomendação.

 

O peso da opinião médica

Especialistas defendem que a decisão sobre o tipo de parto deveria ser exclusivamente da mulher, desde que ela seja amplamente informada sobre os riscos e os benefícios de cada procedimento. A obstetra e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Roxana Knobel argumenta que muitas gestantes optam pela cirurgia por falta de informação ou por medo.

– Existe uma cultura em que os médicos e todo sistema de saúde levam a mulher a uma cesariana, mesmo sem querer e sem precisar – diz.

A coordenadora da Rede Cegonha – programa do Ministério da Saúde que promove atenção humanizada às gestantes – em SC, Carmem Regina Delziovo, entende que a opinião do médico conta muito na escolha e que, para haver mudança no excesso de cesarianas, deve haver cuidado com a atenção básica, incluindo qualificação profissional:

– O que vai fazer diferença é trabalhar com ela [a paciente] um plano de parto para que ela se empodere e também conduza o processo.

O presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de Santa Catarina, Ricardo Maia Samways, no entanto, questiona o peso da opinião médica na decisão da mulher:

– As pacientes estão ficando mais conscientes da vantagem do parto normal. Algumas já chegam dizendo que querem desta forma, outras dizem que não querem essa "conversa fiada", querem cesariana marcada e acabou. Hoje a gente não consegue mais convencer a paciente do contrário.

Carmem Delziovo diz que outro motivo também impulsiona os médicos a escolherem a cesariana: o fato de receberem por procedimento. Conforme Ricardo Samways, o profissional recebe 20% a mais para fazer parto normal do que a cesárea, porém a cirurgia é mais prática. No tempo que o profissional acompanha um parto natural, pode fazer mais de uma cesárea:

– O que acontece no parto normal é que a paciente interna e a gente não sabe o horário que vai ser o parto, pode ser em três ou até 36 horas. Muitas vezes a própria gestante já procura um médico querendo um parto agendado pela comodidade. Para eles, também é mais cômodo – explica o especialista.

Nataly, 16 anos, diz ter sido orientada a fazer cesariana na primeira consulta e não se arrepende da escolha

 

são joão do itaperiú, referência em partos normais

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 costureira Carmen Lúcia Mader, 30 anos, moradora de São João do Itaperiú, ouviu há 10 anos o que muitas mulheres escutam até hoje: “se eu fosse você faria cesárea”. O conselho veio de colegas de trabalho, ganhou reforço pelo medo que alimentava das dores do parto e, por fim, teve o aval do médico do plano de saúde na época. O primeiro filho, Iago, nasceu em outubro de 2006.

– O médico insistia que não tinha necessidade de esperar, era só marcar – lembra.

No ano passado, grávida de Alana e sem plano de saúde, foi atendida pela única equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF) da cidade de pouco mais de 3,5 mil habitantes.

Ela fez o acompanhamento no município, mas o parto normal foi na Maternidade Darcy Vargas, em Joinville, hospital referência da região.

– Elas (equipe da ESF) tiraram todo  medo que eu tinha. Foi um privilégio ter minha caçula assim, parecia o primeiro filho. Foi tudo mais fácil – diz.

A irmã mais velha de Carmen, Cristiane Maria Mader da Rocha, 38 anos, também é costureira e está esperando a terceira filha para final de maio. Assim como foi com as duas primeiras, quer parto normal.

– Não me arrisco na cesárea, o pós-operatório não é bom nem para a gente nem para o bebê. Infelizmente é uma dor que temos que passar, mas é tão natural que estou no terceiro filho – brinca a itaperiuense.

 

Visita prévia à maternidade

desconstrói mitos

Assim como em Irati, em São João do Itaperiú todas as gestantes passam pelo mesmo profissional. A diferença está na forma de atendimento. A médica da família Sônia Regina Cavalheiro percorre domicílios e as unidades de saúde espalhadas pelo município de 150 quilômetros quadrados de área, que se divide entre o cenário de montanhas cobertas por bananais e o das plantações de pínus e eucalipto, ao lado da enfermeira Isa Hermann.

Para Sônia, a quantidade de partos normais é explicada pelo comprometimento da equipe e pela forma como é feito o acompanhamento das gestantes:

– Começamos esse trabalho em 2002. Somos os únicos que fazemos o acompanhamento das gestantes e estamos trabalhando para que o município tenha mais partos normais.

A enfermeira Isa complementa que o enfoque do parto normal é feito em todos os encontros com as gestantes, que acontecem a cada três meses. Além disso, tira dúvidas e as tranquiliza em conversas pelo WhatsApp.

– A gente fala do risco de infecção, o risco de tirar o bebê antes do tempo por causa da maturidade pulmonar, que a recuperação é bem melhor no parto normal – explica.

A profissional diz que quando as gestantes querem cesárea, mesmo sem indicação médica, migram para o atendimento particular.

– A mudança de comportamento é difícil, é o momento de trabalhar a autoestima da mulher, mostrar para ela o quanto ela é importante no processo.

A dona de casa Juliana Dias Pereira, 36 anos, está grávida do primeiro filho e diz ter se tranquilizado quanto ao parto normal após ir à maternidade, guiada por Sônia e Isa, e conhecido todas as etapas do processo.

– Não tenho medo da dor. Eu prefiro me concentrar mais no nascimento, no rostinho dele, quando vou segurá-lo. Depois que engravidei e tive mais informações, aí tive mais certeza ainda de que queria fazer o parto normal.

Essas visitas prévias ao hospital são preconizadas pelo Ministério da Saúde e conduzidas pela dupla que atua junto às gestantes. Esse é um dos fatores que influenciam a alta taxa de partos normais por ajudar a desmitificar informações a respeito do processo. Em Irati, por exemplo, não há incentivo para esta visita prévia.

Apenas um dos filhos da

família Mader nasceu de cesárea,  da esquerda para direita: Cristiane e a filha Maria Eduarda, Carmen com Iago e Alana, e a cunhada Raiane com Isadora

 

À espera do primeiro filho,

Juliana Pereira diz estar confiante e tranquila em relação ao parto

 

estrutura deficiente influencia a escolha

a

 dona de casa Mirian da Silva, 26 anos, teve duas gestações em Irati.
A primogênita nasceu de parto normal, já o segundo filho, mesmo contra a vontade de Mirian, veio de cesárea:

– Ele estava demorando muito para nascer, na última semana não deu para esperar, porque não tem UTI neonatal no hospital de Quilombo – explica.

Além de não ter a unidade para emergências, o Hospital São Bernardo atende sete municípios da região com uma equipe de apenas sete médicos. Com um único centro cirúrgico, em 2016, 82% dos partos realizados na instituição foram cesáreas.

– O fato de não termos médico obstetra aumenta esse índice, pois somos um hospital geral de pequeno porte e dificilmente encontramos médicos dessa especialidade interessados em trabalhar em hospitais assim – diz a diretora administrativa da unidade, Luciene Basso Meurer.

Já a Maternidade Darcy Vargas, em Joinville, que atende as gestantes de São João do Itaperiú e mais sete municípios, é referência catarinense em gestação de alto risco e em UTI neonatal. A instituição mantida pelo Estado conta com 122 leitos de internação, além de equipe de enfermagem obstétrica disponível 24 horas por dia. Por mês, são realizados em média 327 partos normais por médicos e enfermeiras obstétricas. Em 2016, a maternidade, que faz parte da Rede Cegonha no Estado, atingiu a taxa de 64,7% nesse tipo de parto.

 

Agendamento passa segurança

a quem mora longe do hospital

 

A diferença de infraestrutura entre os hospitais mais próximos dos dois municípios influencia no tipo de parto, conforme defendem o presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de SC, Ricardo Samways, e a coordenadora da Rede Cegonha, Carmem Delziovo.

Carmem explica que em muitas instituições, principalmente filantrópicas e privadas de pequeno e médio porte, por questões financeiras, nem sempre há médicos de plantão presencial, eles ficam de sobreaviso. A ausência de UTI neonatal e de profissionais como enfermeiras obstétricas também resulta em mais cesarianas, pois as gestantes ficam à mercê da disponibilidade de médicos e optam por agendar a cirurgia para garantir um profissional na hora do nascimento e se manterem tranquilas para a hora do parto.

Ricardo diz que não desaconselha as gestantes que moram longe de cidades que têm hospitais com plantonistas diariamente a agendar o parto. Como exemplo ele cita a Grande Florianópolis, que tem municípios mais de 40 quilômetros distantes de hospital e cotidianamente registra engarrafamentos:

– Muitas dessas pacientes querem agendar o parto sim e eu não desaconselho, porque a paciente pode precisar se deslocar em trabalho de parto e com hemorragia ou alguma complicação e não conseguir chegar a tempo – explica.

REPORTAGEM

Karine wenzel

fotografia

MARCO FAVERO

edição

MÔNICA JORGE

Edição de vídeo

léo cardoso