“O parto passou a ser do médico e não da mulher”

embora reconheça avanços na assistência ao parto no país, a médica coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, MARIA ESTHER VILELA, observa que ainda há um longo caminho pela frente para diminuir os riscos de morte materna e de complicações para o bebê diante da alta taxa de cesarianas. Para ela, um dos principais passos é fazer com que as mulheres recuperem a autoestima e assumam o protagonismo neste processo.

Quais são os principais entraves para estimular o parto normal no país?

Nós temos que recuperar a história. Esse modelo atual foi construído nos últimos 60 anos, muito baseado na biomedicina, avanços tecnológicos. Mas junto com isso, ao levarem o parto dos domicílios para os hospitais, veio também a penalização da mulher pela sexualidade, o parto é um desses momentos de exercício da sexualidade, a forma como se estrutura a assistência nas maternidades reflete essa questão de uma sociedade com resquícios de patriarcalismo, onde o corpo da mulher é um objeto de poder dos homens. No início do século 20, assim que elas pariam, elas não podiam entrar na igreja, tinham de passar alguns dias para se purificar, o parto era tido como uma coisa "suja". Isso tudo entra nas maternidades, não se separa essa visão da sexualidade pecaminosa das mulheres do momento do parto. Aí passa a ser um lugar de sofrimento, de martírio, elas ficam confinadas no leito, não a deixam comer, andar, não as deixam se expressar, nem ter apoio de ninguém. O parto passou a ser do médico e não da mulher, fragilizaram ao máximo a mulher, pessimizaram a experiência do parto para dizer que é sofrimento, dor, que elas são incapazes.

 E como reverter isso?

O parto é tido como uma questão da medicina, sendo que a gente sabe que o parto enquanto fisiologia, precisa de cuidado e de vigilância e seria mais ação da enfermagem. Apenas nos casos mais patológicos é que entra o profissional médico. Mulheres que estão apenas parindo, sem nenhum problema, não precisam de cuidado médico, como é nos países com bons indicadores de saúde materna. São as enfermeiras obstétricas que estão aptas a estar com essas mulheres. Nós precisamos mudar as maternidades. Não falta financiamento, isso nós temos, mas falta entendimento dos gestores da necessidade dessas mudanças.

 Profissionais alegam que a cesariana sem recomendação médica é opção da mulher. Elas estão optando por isso?

Existem mulheres que estão sendo enganadas e como elas ainda não têm outra opção, porque são poucos espaços que oferecem esse apoio, elas se sentem fragilizadas. Elas seguem aquela opinião do médico de que o bebê é grande, está enrolado no cordão, que ela vai sofrer muito, vai demorar muito e ela vai colocar o bebê em risco. Tudo isso fragiliza as mulheres e elas estão submetidas a esse tipo de assistência. E nós precisamos formar profissionais, não só de enfermagem mas também médicos. Nós precisamos mudar o ensino em obstetrícia, porque daí vamos ter uma nova leva de profissionais sob outro paradigma. O ensino em obstetrícia inda carrega o ensino tradicional, mas isso está mudando. Os dados de 2015 já apontam para uma taxa de cesariana menor que 2014. Nós tivemos mais de 1% de redução porque não é só frear a cesariana, estabilizar, é reduzir. Então significa que as mulheres já estão mais fortalecidas, tanto no SUS como na rede privada, para poder tomar isso para si. Os partos no SUS aumentaram em relação ao privado, porque hoje é no SUS que as mulheres conseguem ter um parto humanizado.

 E como Santa Catarina está neste cenário?

Santa Catarina é um Estado que tem avanços em muitas políticas públicas, mas tem muitas resistências. Em SC, a gente ainda não tem centro de parto normal financiado pelo governo federal. Ou seja, uma resistência à mudança de modelo e à inclusão das enfermeiras obstétricas e obstetrizes. Eu acredito que o centro de parto normal (CPN), que é uma unidade exclusivamente para partos de baixo risco, onde só tem enfermeiras obstétricas, é a saída. Porém, é um desafio, porque implica em mudar a relação de poder entre médicos e enfermeiras. Vejo que aqui tem um grande movimento da sociedade, do Legislativo, das mulheres, mas nós temos desafios em relação à parceria com a política nacional na questão do modelo.

 

REPORTAGEM

Karine wenzel

fotografia

MARCO FAVERO

edição

MÔNICA JORGE

Edição de vídeo

léo cardoso