s lágrimas de Stefany de Souza Nunes, 22 anos, e o silêncio da mãe, Jacinta, 59 anos, expressam o vazio deixado pelo irmão da jovem Dionas Nunes Cordeiro, morto há uma década. Assassinado numa viela da Vila dos Sargentos, no Bairro Serraria, Dioninha, como até hoje é reconhecido por familiares e por Rozeli, não teve tempo de reagir. Tombou com 11 tiros, aos 19 anos.
Para a família, o jovem de sorriso fácil, mas que carregava a fama de conquistador e de brigão, foi alvo de uma emboscada armada por amigos. O motivo teria sido um envolvimento amoroso com a mulher de um conhecido.
– Ele tinha acabado de conversar com a ex-namorada e a levava para casa. No caminho, um rapaz pediu o tênis que ele estava usando. O Dioninha se negou a entregar. Morreu ali mesmo – recorda a mãe.
Um dos primeiros a frequentar o Renascer, ao lado de três irmãos e de quatro primos, Dioninha era o mais velho da turma. Ingressou na instituição com 11 anos. Logo, tornou-se braço direito de um dos ajudantes de Rozeli e passou a auxiliar no recolhimento de doações e no cuidado com os pequenos.
- Era muito querido e sorridente. Ajudava em tudo e estava sempre disposto – conta Rozeli, surpresa ao saber da morte do antigo ajudante a quem não via desde que deixou o Renascer, aos 14 anos, para morar com a família na Vila dos Sargentos.
Tranquilo
Dioninha gostava da Restinga e, por isso, nos primeiros meses morando em outra parte da Zona Sul da Capital, ainda visitava a tia Rozeli, como chamava a criadora da instituição. Apegado à mãe, ele era quem mais a abraçava e beijava.
- O meu irmão era um guri muito tranquilo. Era querido e todo mundo gostava dele. Depois que foi para o Renascer, ele aprendeu a gostar mais das crianças, mais das pessoas – acredita a irmã.
Ao lado da mãe e dos irmãos mais novos, Dionas enfrentou a fúria do pai, que não aceitava a separação. Com a família, se refugiou na Vila dos Sargentos. Jacinta lembra que, para evitar uma invasão do ex-marido à casa onde vivia com os filhos, instalava à noite fios desencapados e ligados na energia elétrica nas aberturas.
- Por dois meses, cheguei a viver com as crianças na rua. Foi a Rozeli quem nos ajudou. Um tempo muito difícil, e o Dionas sempre ficou do meu lado – conta Jacinta, que preferiu não ser fotografada para a reportagem.
Para a família, Dioninha tinha Rozeli como uma segunda mãe. Stefany lembra que o irmão, mesmo distante do Renascer, celebrava cada conquista da gari. Foi assim quando ela esteve no programa Jô Soares, na Rede Globo.
- Ele pulou no sofá quando viu a entrevista. Meu irmão torcia muito para o Renascer dar certo. Ela nos estendeu a mão quando mais precisamos, e ele era grato por isso – afirma Stefany.
Adulto, Dioninha passou a trabalhar como construtor civil, mesma profissão do pai. Na Vila dos Sargentos, conquistou amores, amigos e inimigos. Sete dias antes de morrer em fevereiro de 2006, ele participou de uma festa de aniversário da família. Uma foto do jovem no meio da mesa, entre os parentes, batendo palmas, é guardada como relíquia pela mãe e a irmã.
Stefany recorda chorando os momentos que antecedera a morte do irmão. Ela tinha 11 anos e ouviu os tiros disparados a menos de 500 metros de casa:
- Nós estávamos no quarto esperando por ele, que dividia o mesmo quarto com a mãe. Ouvi e contei os tiros, e ainda disse ‘Deus, que leve esta alma para o céu, protege esta alma, meu Deus, bota o seu manto por cima’. E aquela alma era a do meu irmão. Passaram cinco minutos e bateram na nossa porta. Meu irmão estava morto.
Depois do assassinato, a mãe decidiu deixar a Vila dos Sargentos e não acompanhou de perto do processo que indiciava dois pela morte – um deles, menor, cumpriu medida socioeducativa na Fase. O outro já deixou a prisão.
Sepultura
Jacinta só volta à vila onde perdeu o filho para visitar parentes. Hoje, vive com Stefany, o filho mais novo, de 14 anos, e os netos na Vila Salso, no Bairro Restinga. Festas comemorativas como Natal e Ano-Novo não são mais celebradas por ela desde a morte do filho. Nem produz mais as bolachas doces que ele pedia a cada 25 de dezembro.
Dos lamentos de Jacinta, o mais dolorido é saber que o filho não tem uma sepultura para ser visitada. Na época da morte dele, Jacinta não lembrou de uma sepultura num cemitério particular, onde havia enterrado o irmão dela, Nelson Nunes, pai de Paulo Sérgio, Maicon, Luis Antônio e Cristiane.
Sem dinheiro suficiente, Jacinta optou pelo enterro social e se despediu dele no Campo Santo do Cemitério da Santa Casa, destinado aos carentes de Porto Alegre. Três anos depois, como ocorre com todos os sepultados no local, o corpo de Dionas foi depositado no ossário central do cemitério.
A imagem
O Diário Gaúcho publicou a morte de Dionas na página policial. A reprodução do rosto do jovem foi feita a partir de uma foto que a família hoje não tem mais. Ao se deparar com imagem, Stefany não conteve as lágrimas. Era estava com o irmão quando ele pediu a um vizinho para fotografá-lo em frente ao Guaíba.
Olhando fortemente para a imagem, Stefany, que é mãe de duas crianças e vive numa ocupação dentro da Vila Salso, desabafou:
- Se ele estivesse vivo, estaria trabalhando e levando a vida, como ele fazia. Mas o destino dele foi mais cedo. Fazer o que? Todo mundo tem uma hora que a gente vai, mas só que ele foi cedo demais.