Dois sonhos: trabalhar e estudar

 Entre as crianças identificadas ao lado de Rozeli, a mais jovem é também a que se destacou nos estudos. Luana dos Santos Soares, 20 anos, moradora da Vila Castelo, concluiu o ensino médio no tempo estimado e, disposta a seguir se aperfeiçoando, escolheu cursar Fisioterapia numa universidade particular.

 

O desejo de ser a primeira da família a concluir o ensino superior, porém, foi interrompido ainda no primeiro semestre por falta de condições financeiras. Luana tentou financiamento universitário, mas não conseguiu apresentar todos os documentos exigidos.

 

— Foi um banho de água fria. Se estudasse numa universidade federal, eu precisaria optar pelos estudos ou pelo trabalho. Mas ainda não desisti de voltar a estudar — garante.

 

Distante dos bancos escolares há dois anos, ela divide o tempo entre a casa onde mora com a mãe, a diarista Ana Lúcia dos Santos, 47 anos, e a distribuição de currículos em agências de recursos humanos. O último emprego, como demonstradora, durou os 15 dias da ação de Páscoa num supermercado da região. Luana quer mais. Sonha em ter um emprego de carteira assinada, que lhe renda todos os direitos trabalhistas.

 

— Sempre estudei e nunca rodei. Mas está muito concorrido lá fora. Penso em fazer um curso técnico na área administrativa para seguir trabalhando e estudando — almeja.

 

Desemprego

 

Pela primeira vez desde junho de 2007, o IBGE apontou em fevereiro deste ano que a taxa de desemprego dos jovens entre 18 e 24 anos superou a marca de 20% na média das seis principais regiões metropolitanas do Brasil – que inclui Porto Alegre. O desemprego chegou a 20,8%, se aproximando dos 21,1% de junho 2007. A dispensa de trabalhos temporários contratados, como a mais recente função executada por Luana, teria contribuído para este aumento.

 

A coordenadora do Núcleo de Análise Socioeconômica e Estatística da Fundação de Economia e Estatística, Iracema Castelo Branco, destaca que o desemprego sempre foi alto na faixa etária na qual Luana está inserida.

 

— Jovens têm dificuldades por falta de experiência. Desde o ano passado, a recessão econômica também acabou influenciando ainda mais na quantidade de jovens sem ocupação — comenta.

 

No caso de Luana, nem mesmo as experiências como demonstradora, secretária e promotora de eventos têm sido suficientes para lhe garantir um emprego.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A segunda casa

 

Foi a compaixão de Rozeli pela mãe de Luana que deu uma vaga à menina no Renascer, ao completar dois anos de idade. A situação é até hoje reconhecida pela jovem.

 

Na época, os três irmãos mais velhos frequentavam a entidade, mas para trabalhar fora Ana Lucia precisava encontrar um lugar que aceitasse Luana. Não havia vagas nas creches do bairro.

 

— Eu ficava muito no pé da tia Rozeli, e chorava. Ela me carregava de um lado para o outro, foi assim naquela foto. Se não fosse a vaga e a paciência comigo, a mãe não teria condições de trabalhar. Lá era a nossa segunda casa. Meus irmãos ainda a chamam de mãe Rozeli. Eu aprendi a chamá-la de tia — recorda a jovem, que ficou na entidade até completar 12 anos.

 

 

Chance de trilhar outros caminhos

 

 

Da segunda casa, Luana recorda com carinho os passeios que só teve a oportunidade de fazer porque estava na instituição, como a primeira ida ao cinema. As visitas à Casa de Cultura Mário Quintana, no Centro da Capital, são as que mais lhe trouxeram conhecimento. Foram pelo menos quatro passeios ao prédio, sempre ouvindo poemas do escritor e admirando a área frequentada por ele antes de morrer.

 

— Era como se fizéssemos um passeio ao passado. Me encantava com os corredores e as peças de teatro. Infelizmente, depois que deixei a Renascer, nunca mais tive a oportunidade de voltar à Casa de Cultura — confidencia.

 

As festas de Páscoa e Natal na Renascer também serviram como lição de vida. Lá, aprendeu que o pouco que se ganha pode ser repartido com o próximo.

 

— No colégio, tem uns com mais e outros com menos. Na Renascer, não. Havia igualdade e todos ganhavam a mesma quantidade de presentes.

 

Ao saber que quatro das crianças da foto já morreram, e todas em consequência da violência, Luana não se surpreendeu:

 

— A Rozeli não tinha como influenciar no caráter de cada um. Mas ela deu a chance de conhecermos outras oportunidades, outros caminhos. Cada um seguiu aquele que achou melhor.

 

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