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Política  | 22/12/2012 16h07min

Desfecho do julgamento do mensalão muda a forma como o país vê a impunidade

Segundo especialista, transformação já tem efeitos na sociedade

Juliana Bublitz  |  juliana.bublitz@zerohora.com.br

O julgamento que condenou alguns dos homens mais poderosos e influentes do país chega ao fim com uma herança promissora. Ao impor penas rigorosas a 25 réus, a ação penal do mensalão marca o início de uma mudança na forma como se pune a corrupção no Brasil.

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A transformação, avalia o cientista político Joel Formiga, do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP, já tem efeitos na sociedade.

— O julgamento estabeleceu um novo nível de exigência. A população viu que os corruptos são passíveis de punição, sim, e não tolera mais a impunidade — diz ele.

O cenário, no entanto, não se modificará da noite para o dia. O primeiro passo foi dado, o legado existe, mas o caminho é longo e cheio de armadilhas. Basta ver o exemplo de outros países.

Nos anos 1990, a Itália testemunhou a Operação Mãos Limpas, que investigou nada menos do que 6 mil pessoas suspeitas de envolvimento em falcatruas. A devassa resultou em punições exemplares e repercutiu na mídia internacional. Passaram-se duas décadas, e os problemas voltaram.

— A corrupção não acaba com o julgamento do mensalão. Quem está achando que, com isso, o Brasil vai ser uma nova República ou fugiu das aulas de história ou não entendeu nada do que é o processo político. O que muda são procedimentos — ressalta a coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Unesp em Franca (SP), Rita de Cassia Biason.

Traduzindo: a criminalização de corruptos sempre foi difícil no Brasil. Sem provas concretas, diretas e conclusivas, dificilmente gente importante iria parar atrás das grades. Com o precedente aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma alteração importante se desenha.

Para o diretor da Faculdade de Direito da UFRGS, Danilo Knijnik, o julgamento evidenciou que o atual ordenamento jurídico é suficiente para punir desvios por parte de agentes políticos.

— O que o STF mostrou é que as provas, mesmo que não contenham o ato em si, mesmo que ninguém tenha sido filmado pegando dinheiro, podem ser determinantes em um julgamento desse tipo. O que muda, e vai mudar sim, é o procedimento de condenação — completa Rita.

Embora muitos juristas vejam a novidade com algum temor e discordem do modo como ministros embasaram seus votos (leia na página 8), tudo indica que a alteração não tem volta. E essa talvez seja a herança mais importante da ação penal 470, além do efeito simbólico e pedagógico das penas.

— Quero acreditar que, daqui por diante, esse caso deixará de ser uma exceção e passará a ser uma nova regra — projeta Formiga.

O problema é que um único julgamento, apesar de emblemático, ainda é pouco para garantir conclusões definitivas. A dúvida persistirá até que reformas profundas aconteçam e novos casos — incluindo os mensalões do PSDB e do DEM — cheguem ao Judiciário.

— O ponto que precisa ser discutido é se o STF usou essa jurisprudência seletivamente ou não. Só poderemos dizer que o rigor aumentou quando casos semelhantes forem julgados da mesma forma — resume o cientista político Fernando Filgueiras, da UFMG.

"É o primeiro passo para enfrentarmos a corrupção", diz historiador

Autor do livro Mensalão — O julgamento do maior caso de corrupção da história brasileira, que acaba de ser lançado pela editora Leya Brasil, o historiador Marco Antonio Villa é categórico ao avaliar o resultado da ação penal 470: para ele, o desfecho do processo terá um efeito pedagógico no país. Confira trechos da entrevista.

Zero Hora — Daqui para frente, após o mensalão, a corrupção será punida com mais rigor no Brasil?

Marco Antonio Villa — Sim. O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal inicia o processo, longo, é claro, de refundação da República brasileira. Estamos começando a combater a impunidade. É o primeiro passo para enfrentarmos a corrupção.

ZH — A condenação dos réus, com penas consideradas pesadas, pode inibir a atuação de corruptos e corruptores?

Villa — Sim. A punição é pedagógica. Não se trata de uma questão de vingança. A questão é outra: estamos falando no papel pedagógico das penas e da defesa do Estado Democrático de Direito no Brasil, que foi ameaçado pelos quadrilheiros do mensalão.

ZH — Na sua opinião, muda alguma coisa para o brasileiro comum depois do julgamento?

Villa — Muda muito. Quando um corrupto de uma pequena cidade do interior assistir pela TV José Dirceu (o ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula, considerado pelo Supremo o chefe do mensalão), condenado a 10 anos e 10 meses de reclusão, entrando numa penitenciária, certamente vai pensar duas vezes antes de cometer algum ilícito contra a coisa pública. Como disse o ministro Celso de Mello, não devemos nos esquecer de que a República é formada por cidadãos que são iguais em direitos e deveres. Por isso, o julgamento e a condenação dos 25 réus são um marco na história do Brasil republicano.

NÚMEROS E FATOS DO MENSALÃO:




Em infográfico, saiba mais sobre o processo:

 

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