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Política  | 22/12/2012 16h08min

Especialistas questionam aplicação de teoria alemã no julgamento do mensalão

Para pesquisadores, Supremo abriu um "perigoso precedente"

Juliana Bublitz  |  juliana.bublitz@zerohora.com.br

No meio jurídico, o legado do julgamento do mensalão para o Direito brasileiro vem dividindo opiniões. Ao adotar a teoria do domínio do fato para embasar a condenação de José Dirceu, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um precedente que, para muitos especialistas, pode ser perigoso.

— A interpretação dada pelo STF à teoria foi no mínimo curiosa e chamou a atenção de quem atua na área — resume Juliano Zaiden Benvindo, professor de Direito Público da Universidade de Brasília (UnB).

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Para alguns advogados, a tese elaborada pelo jurista alemão Claus Roxin foi deturpada para mandar Dirceu para a prisão sem provas concretas. Para outros, foi aplicada de forma correta, embasada em um conjunto de evidências e indícios que comprovam o envolvimento do réu e justificam a pena. Considerado o chefe do esquema de compra de votos parlamentares, Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa.

Por ser a mais alta Corte brasileira, tudo o que o STF decide repercute nos tribunais inferiores, que acabam por utilizar suas decisões como parâmetro. Com isso, surgem questionamentos sobre como o domínio do fato será aplicado nas demais instâncias.

— Minha dúvida é se a magistratura está preparada para entrar nisso sem cometer injustiças ou automatismos — diz Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política na Unicamp.

O coordenador do Departamento de Direito Penal da PUCRS, Alexandre Wunderlich, partilha da mesma preocupação e teme possíveis excessos:

— A teoria já é usada e é o que há de melhor. O problema é a interpretação que os juízes farão dela a partir de agora. Há um temor de que seja usada sem sólidas premissas teóricas, e isso pode acarretar responsabilizações sem culpa.

Entenda a tese

- A teoria do domínio do fato ganhou projeção em 1963, com o trabalho do jurista alemão Claus Roxin, hoje com 81 anos.

- Na época, Roxin estava insatisfeito com a jurisprudência alemã, que até então via como partícipe — e não como autor — aquele que ocupava posição de comando, planejava e dava ordens para a execução de um crime.

- A partir daí, passou a ser possível condenar um governante ou líder de um grupo, mesmo que ele não fosse o responsável direto pelo delito.

- Para isso, porém, Roxin destacou que não bastavam indícios, eram necessárias provas.

Thiago Bottino
Coordenador do curso de Direito da FGV-Rio

A teoria do domínio do fato, que balizou a condenação de José Dirceu sem provas diretas, passará a ser usada nas instâncias inferiores?

Para o ministro Joaquim Barbosa, havia provas contra Dirceu, sim. A teoria não é nova, sempre foi e continuará sendo usada, não justifica a condenação sem provas e não foi nenhuma deturpação que levou à condenação de Dirceu. Está no Código Penal brasileiro: qualquer pessoa que concorre para o crime responde por ele. A novidade foi a condenação de um ministro.

Se deputados foram condenados por venderem votos, os projetos por eles aprovados no Congresso não deveriam ser anulados?

Não. Esses votos não foram determinantes nessas votações. Quantos deputados foram condenados por corrupção? Seis, sete, 10? A reforma da previdência foi aprovada com quantos votos a mais? Cinquenta ou 60? Não se pode dizer que o vício da representação política desses seis, sete ou 10 determinou que uma lei fosse aprovada ou revogada. Não havendo relação de causa e efeito, não há como anular.

Davi Tangerino
Professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

A teoria do domínio do fato, que balizou a condenação de José Dirceu sem provas diretas, passará a ser usada nas instâncias inferiores?

Com a mais absoluta certeza, de forma indiscriminada. Quem antipatiza com José Dirceu, e eu não tiro a razão, faz o seguinte cálculo: o número de pessoas que será julgado pelo STF daqui para frente é pequeno, então essa teoria não é tão perigosa. O problema é que ela foi usada de maneira errada, apenas para tentar acomodar a circunstância de que não havia prova concreta contra Dirceu.

Se deputados foram condenados por venderem votos, os projetos por eles aprovados no Congresso não deveriam ser anulados?

É razoável dizer que, se a votação foi viciada, ela é nula. Mas o STF terá de lidar com uma incoerência ao constatar que, em todas as votações importantes, os votos ditos comprados eram irrelevantes para os resultados. Automaticamente, essa conclusão mina a tese do mensalão. Afinal, quem corrompe pessoas para um resultado que já estava garantido? Na minha opinião, o STF não vai adiante.

Danilo Knijnik
Diretor da Faculdade de Direito da UFRGS

A teoria do domínio do fato, que balizou a condenação de José Dirceu sem provas diretas, passará a ser usada nas instâncias inferiores?

A teoria do domínio do fato é bastante perigosa, porque no seu limite pode levar à responsabilidade objetiva, ou seja, pessoas que acabam sendo condenadas por atos que não praticaram e dos quais não têm sequer conhecimento. Apesar dos riscos, eu confio que a magistratura brasileira tem maturidade suficiente para lidar com isso e que saberá usá-la com cuidado e moderação.

Se deputados foram condenados por venderem votos, os projetos por eles aprovados no Congresso não deveriam ser anulados?

Discordo da tese de que esses atos legislativos seriam nulos. Anulá-los poderia acarretar problemas seriíssimos para o país, que levariam a uma instabilidade institucional. Nesse caso, entendo que se aplica o princípio da segurança jurídica. Esse princípio estabiliza essa legislação eventualmente contaminada ou de alguma forma influenciada pelos fatos que o Supremo está julgando.

NÚMEROS E FATOS DO MENSALÃO:




Em infográfico, saiba mais sobre o processo:

 

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