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Depoimento realizado um ano depois:

Being here
Um relato presente do 11 de setembro

Um ano atrás acordei em Nova York e o mundo tinha acabado enquanto eu dormia. Um ano depois, no mesmo hotel, com a mesma vista da janela, eu acordo e o mundo continua lá fora. Talvez nisso esteja a maior diferenca entre estes dois 11 de setembro que eu, por acaso e por vontade, passo aqui.

Cheguei ontem (10 de setembro) a NY, para o mesmo encontro de escritores promovido pela Ledig House no dia 10 de setembro do ano passado. Achei que teria mais dificuldades com a imigração, mas ali nada mudou, continuamos, nós brasileiros, tão confiáveis e mais ou menos desimportantes quanto antes, parece. No vôo de Chicago para cá, algumas diferenças: verificação de identidade e bagagens não apenas na entrada do aeroporto, mas no acesso ao avião. Mas é um vôo United Airlines, alvo natural. Curioso que param algumas mulheres e as revistam (os sutiãns, desses com armação, disparam o detector de metais), param alguns homens e os revistam. Não me param, o que é bom, mas também não param um sujeito muito esquisito, com roupa e turbante sikh e isso não é bom. Aquele turbante comporta uma bomba de bom tamanho e o sujeito é muito estranho. Olhamos para ele o vôo inteiro, eu e os vizinhos de poltrona.

Na chegada a NY outra diferença marcante: soldados armados com fuzis M-16 guardam a entrada do aeroporto, acho que da Guarda Nacional, algo inusitado num país que se preocupa tanto em separar o exército do seu cotidiano civil. As pessoas conversam com os soldados, se vê que agradecem a eles por estarem ali. Daqui a pouco eles vão estar no Iraque?

Testo o transporte público, coisa que poucos fazem ao chegar aqui. O ônibus M33 vai do aeroporto de La Guardia até uma estação de metrô em Queens, bairro dos mais ou menos excluídos daqui. Mas eles certamente não se percebem assim, em cada casinha eu vejo uma bandeira americana, e poucos aqui do bairro são mais americanos do que eu, ao menos tomando como amostragem o pessoal do ônibus.

Apesar do aspecto assustador das ruas, pessoas e ônibus, chego intacto e com minha bagagem ao mesmo hotel do ano passado. A senhora que cuida da recepção lembra de mim, conversamos um pouco sobre o que vai acontecer amanhã (11 de setembro), ela me diz que o hotel está vazio, para essa época do ano, me dá o mesmo quarto do ano passado e eu agradeço.

Deixo as coisas no quarto e vou para o Ground Zero, ver como está o dia lá fora. No caminho, descendo a Broadway a pé, este parece um dia como outros. Pessoas para todos os lados, no formigueiro que é NY, fazendo as mesmas coisas incompreensíveis de sempre. Muitas lojas têm cartazes que remetem para o dia 11. We will remember. E muito provavelmente eles se lembrarão mesmo, isso temos a dizer sobre os americanos. Mas a rua parece tão normal, tão 10 de setembro quanto o foi o mesmo dia no ano passado. O mesmo calor úmido, a mesma sensação de que nada de especial estaria acontecendo, no próximo dia ou em qualquer outro.

No Ground Zero isso muda, e a mudança é rápida. Não que as coisas se tornem mais solenes ou silenciosas. Elas simplesmente mudam. Algo enorme aconteceu aqui e os sinais estão em toda parte. A pequena igreja na Broadway próximo ao City hall (Saint Paul Chappel) foi transformada em um santuário. As mensagens colocadas sobre o muro ao redor variam em teor, em texto, mas predomina o patriotismo piegas. Mas isso é compreensível, me parece. Mas o que predomina, afinal, é o grande circo da modernidade. Pessoas demais, de lugares demais. Antenas de emissoras de teve e suas equipes estão por todos os lados. Turistas, hordas deles, se fotografam diante das ruinas e tentam ser entrevistados por alguma emissora de rádio ou teve. Não é dificil, é necessário quase um suicídio para escapar de ser entrevistado. São tantas as emissoras em busca da mesma pauta.

Nova York é uma estufa onde todo o tipo de gente esquisita é produzida. E eles se reúnem aqui mesmo, ao redor do Ground Zero, atraídos pela estranheza do que acontece, pela oportunidade de serem louquinhos em público. Um deles chama a atenção imediatamente, e ele é o eco de um outro sujeito que desfila por ali. Este, o aparentemente não-maluco, dá voltas ao quarteirão em uma Harley-Davidson, toda embadeirada com Stars and Stripes, usando um chapéu de cowboy. Atrás, a reboque da moto, um caixão. Dentro do caixão, claro, Bin Laden descansa em nenhuma paz, porque os transeuntes não deixam. A cena é patética, insulta o que aconteceu naquele lugar há um ano. Mas ela ainda não está completa: o outro, o louquinho bem louquinho de que falei há pouco, dança e corre ao redor da moto. Grita, Allah, Allah, e beija o Osama em seu caixão. Todos o ignoram, e os dois se ignoram um ao outro.

A única coisa capaz de transformar o circo em algo respeitoso é o local do atentado, esse pequeno pedaço de Hiroshima no meio de NY. Ali nos quedamos todos em silêncio, finalmente. Algo grandioso, mesmo um ano após, tanta destruição não pode ser eliminada e corrigida. Mesmo os americanos, com todo o seu poder econômico e rapidez cartesiana, nem eles puderam, ou quiseram, recolocar as coisas no seu lugar. E o que vemos é a mistura de limpeza e destruição, de remoção de entulho e manutenção do caos produzido pelos atentados, que somente estando aqui para compreender. A enormidade do ato nos atinge, e eu, que vi a tudo isso como uma enorme nuvem de fumaça há um ano, agora posso contemplar o horror que aconteceu nesse local. Todos choram, não vejo porque não chorar junto.

Um dos prédios em volta chama a atenção. Todo embrulhado em lona, como se um trabalho do artista plástico, Cristo, ele prova que algo embrulhado, embalado, pode ser melhor visto e percebido. Um ano depois o prédio continua um fantasma em seu manto, e a cidade não voltou à vida, não por inteiro. Vou embora dali.

À noite, fui ao encontro dos escritores. O olhar deles, dos americanos presentes, me diz muito. Eles estão surpresos com a minha vinda, naturalmente. Mas também são gratos pela minha presença. Dizem que ouviram críticas discretas de alguns escritores de outras partes, como que indicando que o horror, desculpável, é também comprensível como reação ao imperialismo americano. Eu digo a eles, com todo o cuidado, que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Imperialismo sim, somos contra. Barbárie é algo diferente, e somos muito mais contra. E diante da barbárie estamos todos o mesmo barco, ao menos pelo tempo necessário para controlar os seus excessos.

Meu escritor-herói preferido, Cervantes, lutou ele mesmo na batalha de Lepanto, um dos momentos que definiram que nós hoje, em Porto Alegre, não estejamos andando pra lá e pra cá com um tapetinho debaixo do braço e rezando voltados para Meca cinco vezes ao dia, que as mulheres não usem chador e possam dirigir automóveis e ter conta em banco. Mais: que assegurou o nosso direito ao chope nos finais de tarde. Ele não apenas ajudou a construir nossa visão ocidental e moderna de liberdade contra a submissão, ele lutou contra essa barbárie a que estaríamos todos submetidos hoje, e pela qual lutam nada bravamente Osama e os de sua laia.

Estar aqui em NY hoje é muito menos do que isso, mas tambem é uma pequena afirmação, minha e de milhões de outros seres humanos. De que o fundamentalismo islâmico ou de outras cores, pode, eventualmente, derrubar prédios, mesmo monumentais como o WTC. Mas que nós, seres nada monumentais, mas insuportavelmente fortes em nossa insistência em irmos em frente e não nos submetermos, nós sim, somos inderrubáveis.

Hoje é o dia 11, acordei e o mundo seguia lá, firme. Da mesma praça de onde eu olhei a enorme coluna de fumaça, hoje se via apenas nuvens normais, daquelas que tornam o céu um pequeno zôo imaginário. Como há um ano, ontem foi quente e abafado, hoje está fresco e azul. As pessoas na rua não estão como ontem, estão mais pensativas e quietas, mesmo enquanto seguem seus afazeres. Ninguém passa para lá e para cá coberto de fuligem, como há um ano. O que mais impressiona hoje não são as inúmeras cerimônias, mas a continuidade da vida.

Ontem pensando diante do Ground Zero, lembrei do que falou Schiller: Contra a estupidez, mesmo os deuses lutam em vão. Mas penso que nós, humanos, menos distantes e olímpicos do que os deuses, precisamos fazer exatamente isso: lutar e lutar contra a estupidez, mesmo que ela vença de tempos em tempos. E a melhor e talvez a única forma de fazer isso seja o que estão fazendo no dia de hoje todas essas pessoas em NY. Lembrar a perda insensata de tantas pessoas, e celebrar a vida dando continuidade ao seu ritual diário, seja o dia qual for, mesmo sendo ele o dia de hoje.
(Marcelo Carneiro da Cunha, escritor)

Confira depoimentos de brasileiros que estiveram em Nova York em 11 de setembro de 2001 publicados na época no clicRBS e em ZH:

O susto de Cibele

A fotógrafa gaúcha Cibele Vieira, de 28 anos, mal terminara a sua meditação matinal quando teve chamada a atenção por um telefonema. Do outro lado da linha, aflita, na frente da televisão, sua mãe ligava do Brasil para pedir que ela não saísse de casa. Cibele mora em um sobrado de três andares no bairro do Brooklyn, cerca de seis quilômetros distante do local onde o World Trade Center desabou. Ainda não havia se dado conta da tragédia que assolava a cidade naquele instante, mas teve tempo de ir à janela do apartamento e assistir aos prédios em chamas.

– Foi inacreditável. Nova York está um caos – contou ela, à tarde, por telefone.

Minutos mais tarde, do terraço de seu prédio, acompanhada de um casal de vizinhos poloneses, Cibele ainda pôde ver a segunda torre desabar. Antes, registrou em uma foto uma das torres em chamas e, mais tarde, o momento em que a população saía para a rua incrédula.

– Um médico apareceu na televisão dizendo que ainda havia a ameaça de armas químicas e deixou as pessoas mais em pânico – salienta Cibele, que, no contato com os americanos, durante a terça-feira, percebeu um sentimento de vingança. - A população está esperando uma reação do governo. Haverá reação.

Cibele reside há três anos em Nova York, onde faz mestrado. Apesar de assustada e insegura, não pretende deixar a cidade antes de completar o seu curso, que dura mais um ano e meio. Namorada de um americano, ela afirma que a sogra, apavorada, fala em se mudar de Nova York. Cibele e o namorado, Lee Newmann, porém, tinham outro objetivo: esperar o caos diminuir para se oferecer como voluntários no trabalho de socorro.

– Precisamos ajudar de alguma maneira – afirmou.

Vôo interrompido

"É difícil de acreditar no que aconteceu. Eu e outros colegas estávamos servindo o café da manhã em um vôo que havia saído havia menos de uma hora de Miami e ia em direção ao Taiti. O comandante da aeronave chamou a tripulação e pediu que parássemos com o serviço de bordo imediatamente, pois estávamos retornando para o aeroporto de Miami. Nosso primeiro pensamento foi o de que uma pane tinha acontecido. Ficamos chocados quando ele disse que dois aviões nossos haviam sido seqüestrados e jogados contra as torres do World Trade Center.

Mesmo com todo o preparo que temos, foi difícil conter a emoção. Os passageiros foram avisados que havia uma tempestade no Taiti e que teríamos de voltar. Quando aterrissamos, o comandante contou o verdadeiro motivo aos passageiros. Houve um grande silêncio no interior da aeronave.

Na American Airlines, o clima é horrível, de total comoção. Uma situação indescritível. Ninguém sabe quais colegas estavam nos dois vôos, já que isso faz parte de informação confidencial. Como isso aconteceu? Não se pode saber. O controle de passageiros e bagagem é muito mais intenso em outros países do que dentro dos EUA. Além disso, esses terroristas planejaram muito bem o ataque. De uma coisa estamos certos: nenhum dos pilotos faria aquilo. Eles devem ter sido mortos antes de o atentado se consumar. Imagino que, daqui para a frente, haverá um controle neurótico nos aeroportos. Estamos orientados a ficar em casa por enquanto."
(José Cardoso, 35 anos, gaúcho, comissário de bordo da American Airlines há seis)

Angústia em Chicago

Foi uma manhã como poucas na história. Os Estados Unidos acordaram ontem sem poder distinguir fato e ficção. Ao ligar a TV, o que se viu parecia mais uma cena de Independence Day do que as notícias do dia, uma sessão matutina de filme catástrofe: destruição de símbolos americanos por vilões terroristas, inocentes mortos, a superpotência ameaçada. A primeira reação foi descrença: "Isso não pode estar acontecendo, não conosco". Depois, o choque: pessoas de carne e osso estavam morrendo e não era em um lugar remoto, na África ou na Ásia. Pouco depois, com a explosão do segundo avião contra o World Trade Center, começou o pânico.

Em Chicago, a quilômetros da zona atacada, a primeira preocupação foi evacuar rapidamente o que poderia ser o próximo alvo: a Sears Tower, um dos mais altos edifícios do mundo, onde trabalham milhares de pessoas. O'Hare, o movimentado aeroporto, foi fechado por tempo indeterminado. Todos os prédios governamentais começaram a ser desocupados. Passava pouco das 9h (10h em NY) e a confusão tomou conta das ruas: escritórios e lojas foram fechados. O trabalho, decretado opcional. Uma multidão apavorada lotou as ruas do Centro e as estações de metrô. Na tentativa de voltar para casa, muitos ficaram presos no trânsito. Pais procuravam desesperadamente buscar os filhos nas escolas. Para piorar, usar o celular era missão quase impossível: congestionamento total. Tudo foi suspenso. Até mesmo os jogos de beisebol. O medo conseguiu o que parecia impossível: parar os EUA, mesmo que por horas.

A pergunta que se seguiu foi: como isso pode acontecer? Como um ataque desses não foi previsto e evitado? Os políticos, em entrevistas a rádios e TVs, se dividiram. Uns bradavam contra a ineficiência da CIA e exigiam reação imediata do governo, usando inclusive a palavra "guerra" e comparando a tragédia ao ataque a Pearl Harbor, em 1941. Outros tentavam acalmar a população, apelando para doações de sangue e ajuda às vitimas. Mas os americanos estão mais preocupados com o que vai acontecer depois de tudo isso. Na prática, as conseqüências do ataque começaram a ser sentidas imediatamente. Ontem, cerca de seis horas após a catástrofe, o preço da gasolina já havia aumentado em 25% em postos de Nevada e da Califórnia, deixando a população atônita. Pode soar irônico, mas pouco depois de temer por suas vidas, os americanos começaram a temer pelos bolsos e pela economia, que já não ia muito bem.
(Johanna Kleine, jornalista)

Drama no centro do poder

As cenas que presenciei no dia 11 de setembro de 2001 nas ruas de Washington, capital dos Estados Unidos, ficarão tatuadas na minha lembrança na forma de rostos apreensivos, crises de choro e semblantes marcados pelo desespero. O temor, a tensão e o clima de insegurança que testemunhei na manhã e tarde de ontem só podem ser comparados à atmosfera de uma guerra.

O meu drama começou por volta das 10h (11h de Brasília), uns 30 minutos após o Pentágono ter sido atingido. O segurança do prédio onde trabalho - no número 1.616 da Rua H, a menos de um quarteirão da Casa Branca - trouxe a notícia de que o local deveria ser esvaziado. Tentei ainda dar um último telefonema para o Brasil, em vão. As linhas telefônicas já estavam congestionadas e uma ligação de longa distância era impossível.

Fora do prédio, centenas de pessoas. Um ar fúnebre pairava sobre o centro político do planeta. Todos estavam atônitos. As linhas de metrô haviam sido interrompidas. O perigo poderia estar em qualquer canto. Ninguém queria ficar ali, no coração da cidade. Nem mesmo queria se distanciar e ficar só no meio do fogo cruzado que atingia o país. Mães se desesperavam pelos filhos. Amigos se abraçavam. Mas não havia como garantir a segurança de ninguém.

Com uma caneta e um bloco, que apanhei poucos segundos antes de deixar meu local de trabalho, resolvi caminhar até a Casa Branca. Na esquina da Praça Lafayette, mais conhecida como a Praça da Casa Branca, flagrei o desespero de duas funcionárias da cozinha da mansão presidencial. Elas agarravam as mãos uma da outra e balbuciavam orações entrecortadas pelo choque e pelo pavor. Me aproximei para perguntar o que havia acontecido na Casa Branca. Elas mal conseguiam me contar sobre os minutos de terror que haviam passado quando receberam a notícia de que deveriam deixar a residência. E me convidaram para rezar com elas.

Sirenes de ambulâncias, de carros de bombeiros e de viaturas da polícia vindas de todos os lados misturavam-se aos gritos dos agentes do serviço secreto e da polícia americana, que pediam para a multidão se distanciar, e denunciavam a gravidade da situação. Fitas amarelas com as palavras Police Line Don't Cross - linha policial, não cruze - foram colocadas nas vias de acesso à Casa Branca. No telhado e no jardim da residência presidencial, agentes do serviço secreto exibiam portentosos armamentos. Outros agentes, com armas e algemas na cintura, tentavam ordenar o fluxo de veículos.

Por volta das 11h, todos silenciaram ao ouvir o barulho de um avião. Pensavam que poderia ser mais um ataque. As expressões faciais eram rígidas. A apreensão, geral. Um suspiro de alívio partiu de todos ao perceber que se tratava de uma aeronave militar americana. Os sinais de nervosismo eram gritantes. Ao meu lado, uma americana tremia e só conseguiu suportar o peso do corpo e manter o equilíbrio ao agachar-se. De joelhos, levou as mãos ao rosto enquanto desabafava:

O medo era geral. Pessoas me perguntavam o que eu sabia. Pequenas aglomerações formavam-se ao redor de aparelhos de rádios e televisão.

Por volta do meio-dia, o clima de agitação cedeu lugar à tristeza. As estações de rádio e os canais de televisão traziam informações sobre os vôos que haviam sido seqüestrados, sobre os feridos. As pessoas se sensibilizavam. Havia tristeza nas ruas. E também muita solidariedade. Dois americanos, ao perceberem que eu estava só e um tanto abalada, me ofereceram carona. Perguntaram se eu queria ficar ao lado deles. Outro me dizia que estava se sentindo muito mal, que pessoas estavam morrendo.

Ao longo do caminho, sozinha, percebi que Washington, em poucas horas, havia se transformado em uma cidade-fantasma. Em toda a área central, o cenário era de bancos, restaurantes e estabelecimentos comerciais fechados. Os poucos veículos que circulavam eram da polícia, dos bombeiros ou ambulâncias.
(Lia Luz, jornalista)


Uma sensação de guerra

O jeito como soube da tragédia foi curioso. No início da manhã, como faço sempre quando estou no Exterior, entrei na página do ClicRBS para ler a versão eletrônica da Zero Hora. Às 8h50min, deparei com a notícia: acidente no World Trade Center. Liguei imediatamente a televisão e já havia uma transmissão direta do incêndio na primeira torre.

Poucos minutos depois, vi pela televisão a colisão do outro avião com a segunda torre. Foi aí que se teve certeza de que era um atentado terrorista. Quando me dei conta do que estava acontecendo, a sensação foi de que começava uma guerra. Aqui em Nova York, quem não estava no local, como eu, teve a primeira reação de não acreditar que aquilo pudesse estar acontecendo realmente - uma reação de total incredulidade.

Saí e fui para a rua. As pessoas caminhavam de volta para casa. Todos os túneis estavam fechados, o metrô e os ônibus não funcionavam, não havia táxis nas ruas. As pessoas voltavam para casa a pé. Nas pontes de Nova York só passavam pedestres. As lojas estavam fechadas, a cidade em silêncio.

O único som que rompia o ar era o de algum avião, algum caça passando nos céus ou as sirenes dos carros de resgate, bombeiros, ambulâncias. Muitos carros continuavam abandonados perto do local, até carros de polícia.

E começou um movimento nas ruas que eu só havia visto em filmes, aquele movimento de solidariedade na guerra. Vi uma senhora com um megafone chamando as pessoas para os hospitais, porque os bancos de sangue precisavam de doações. Na esquina da Avenida Madison com a Rua 72, havia um casal com uma banca instalada alcançando água para as pessoas que vinham caminhando do local do desastre. Outra coisa que me chamou muito a atenção foi uma fila na frente do supermercado. As pessoas compravam com a firme sensação de que estava começando uma guerra. Conversei com uma ou duas senhoras e perguntei a razão daquelas compras de emergência. Elas responderam que estavam se precavendo porque não tinham dúvida de que os Estados Unidos iriam reagir com muita energia aos atentados. Uma delas dizia:

Do meu hotel, na Avenida Madison com a Rua 74, podia-se ver a fumaça e sentir o cheiro exalado do sul de Manhattan. Em um primeiro momento, o vento carregava a fumaça para os lados do mar e do rio. Mas, passadas horas da tragédia, a fumaça foi empurrada para o coração da cidade. Era uma fumaça branca, não aquela escura logo após os atentados.

Todos dizem que este ataque foi pior do que o de Pearl Harbor. Ainda será preciso esperar mais 24 ou 48 horas, mas com certeza isto foi muito mais do que um atentado terrorista. A sensação é de que há uma guerra e os EUA vão entrar com força. A impressão na cidade é de que se está vivendo aquela história de H.G. Wells encenada no rádio por Orson Welles, a Guerra dos Mundos. Só que não é ficção. É real.
(Nelson Sirotsky)

Até o prefeito corria

O barulho de sirenes invadiu a sala de aula. Em seguida, uma pessoa entrou com a informação de que o World Trade Center tinha sido atacado. A aula foi suspensa e imediatamente peguei um táxi e pedi para ser levada o mais perto possível do local do acidente. A cidade já estava parada. Aeroportos, pontes, túneis, metrôs, tudo estava fechado.

Na Times Square, onde há um enorme telão, centenas de pessoas acompanhavam as informações pela televisão. Por volta das 10h, ainda no táxi, ouvi no rádio que uma torre havia caído. Cinco minutos depois, desci no último lugar onde carros podiam passar, a cerca de 20 quadras do World Trade Center. Caminhei sem parar contra o fluxo. Todas as pessoas corriam na direção contrária às famosas torres gêmeas. A fumaça na rua era muito forte.

Ambulâncias, carros de polícia e de bombeiros iam de um lado para outro. Consegui chegar bem perto e ver a impressionante imagem de uma das torres pegando fogo. As pessoas corriam, gritavam, deixavam as bolsas e os celulares cair no chão. Encontrei o prefeito de Nova York, Rudolf Giuliani, andando pelas ruas com seus assessores e seguranças. Comecei a entrevistá-lo quando, por volta das 10h30min, a segunda torre caiu. Este momento nunca vai sair da minha memória.

Giuliani começou a correr desesperadamente, a fumaça preta era cada vez maior. O prefeito entrou em um carro e foi embora. Eu continuei andando na direção contrária de todos. Todas as linhas de telefone estavam congestionadas. Era impossível fazer ligação do celular. Havia filas de mais de 20 pessoas em cada um dos telefones públicos. Todos os estabelecimentos comerciais foram fechados.

Quando consegui completar uma ligação, comecei a passar as informações para a TV Globo, Globo News e Radio Gaúcha. Entrei ao vivo algumas vezes com o depoimento de muitas testemunhas. O funcionário William Rodriguez, que fazia a limpeza do World Trade Center, contou todos os detalhes do ataque. Ele estava no porão de uma das torres quando ouviu a primeira explosão. Pessoas gritavam sem parar, muitas com fogo no corpo.

Algumas horas se passaram e a fumaça e o pavor continuavam nos arredores do local. Todas as ruas próximas do World Trade Center continuaram fechadas. Pessoas seguiam correndo de um lado para outro. Muita gente chegava a pé ou de bicicleta para tentar conseguir alguma informação de parentes.

Aos poucos a situação foi ficando um pouco menos tensa, os carros voltaram a andar nas ruas do Bairro Tribeca, onde fica o World Trade Center, as pessoas só queriam saber de voltar para suas casas, ficar seguras perto de suas famílias.
(Tanise Dvoskin)


Gaúcho passa pelas duas cidades vítimas dos atentados

O primeiro dia do gaúcho Leandro Gajfinbein nos Estados Unidos foi marcado por cenas que nunca poderia ter imaginado. O gaúcho esteve, no mesmo dia, nas duas cidades que foram alvo dos atentados terroristas que atingiram os EUA e relatou por e-mail para o clicRBS como foi sua chegada.

Gajfinbein desembarcou no aeroporto de Newark, em Nova Jersey, por volta das 5h30min desta terça-feira. Depois de passar pela alfândega e pela migração, seguiu até sala de embarque onde faria a conexão para Washington às 7h45min. Durante a espera, apreciou de longe o nascer do sol na ilha de Manhattan, que surgia exatamente entre as torres do World Trade Center.

O vôo de Gajfinbein para Washington atrasou mais de 30 minutos e só decolou às 8h20min. Do avião viu de longe a ilha conseguindo apenas distinguir as torres gêmeas. O vôo em que estava foi o último a pousar no aeroporto de Washington na manhã desta terça-feira e um dos últimos a aterrisar em território norte-americano antes do fechamento de todos os aeroportos. Os passageiros foram informados dos ataques em Nova York ainda dentro da aeronave. O gaúcho conta que não conseguiu pegar sua bagagem por ter sido retirado da sala de desembarque por um policial, que orientava a todos para abandonar o aeroporto pelo risco de um novo atentado.

Logo após deixar o aeroporto da capital, avistou uma gigantesca nuvem de fumaça que vinha da direção do Pentágono. Seguiu de carro para a casa de uma amiga, em Virginia Beach, onde se localiza a maior base naval da marinha norte-americana. No caminho viu de perto o estrago no prédio do Pentágono causado pelo atentado ocorrido cerca de 20 minutos antes.

- Parecia um filme, inacreditável - afirmou Gajfinbein. O gaúcho disse ainda que ficou surpreso com o grande número de pessoas que tentava sair da cidade e com a movimentação de carros da polícia.

Gaúcho sobreviveu à tragédia no World Trade Center

O gaúcho Larry Pinto de Faria Júnior estava dentro de uma das torres do World Trade Center (WTC), em Manhattan, quando o primeiro avião atingiu a torre norte do prédio. O ex-diretor de futebol do Inter conta que, logo depois do estrondo, a fumaça tomou conta do local. Um forte cheiro de combustível também ficou no ambiente. Júnior teve de descer 25 andares do prédio pelas escadas. Segundo o gaúcho, que falou por telefone à reportagem da RBS TV, milhares de pessoas desciam ao mesmo tempo, mas não houve pânico. Ele tentava deixar o edifício quando ouviu uma segunda explosão. Era outro avião que atingia a torre sul do WTC. No momento em que deixava o prédio, bombeiros subiam pelas mesmas escadas para tentar salvar vítimas.


O dia em que a Terra parou

NOVA YORK - Ao chegar a Nova York 11 anos atrás, uma das primeiras frases que ouvi foi "nada surpreende os nova-iorquinos". Mas na manhã deste dia 11 de setembro, os olhos deste povo de muitas nações viu desabar um dos seus símbolos mais queridos. Nesta cidade, onde se fala todas as línguas, um silêncio aterrador tomou conta das ruas. As torres gêmeas, apelido carinhoso do World Trade Center, representavam não apenas a pujança econômica desta metrópole, mas um amigo gigantesco que você costumava enxergar dos quatro cantos da cidade.

Os dois edifícios abrigavam desde grandes escritórios até a humilde senhora que vendia flores na saída principal. Todas as quartas-feiras à noite, no andar 107, o restaurante Windows of the World abria suas portas e muitos brasileiros como eu passaram boas horas ouvindo bossa-nova, samba e matando um pouco da eterna saudade. Amanhã à noite eu planejava estar lá.

Para os nova-iorquinos, o World Trade Center era mais do que concreto, metal e vidro. O World Trade Center era o cartão de boas-vindas, o ponto de referência e o símbolo da força econômica de Nova York. Enquanto em outras partes do globo o ódio racial e religioso tem causado conflitos intermináveis, a cidade de Nova York representava a esperança que podemos viver juntos como seres humanos. Durante a história, nenhuma outra cidade conseguiu agregar tantos povos, religiões e culturas em uma convivência tão pacífica. Os nova-iorquinos de nascimento, ou adoção como eu, sempre tiveram orgulho de receber os visitantes e mostrar a beleza de seus arranha-céus. E nenhum era mais alto do que o World Trade Center.

Nas minhas mãos tenho a última foto que tirei no topo do World Trade Center. Era inverno. Mesmo assim junto com a minha namorada Denise e sobrinha Letícia desafiamos os elementos para tirar uma foto com Manhattan ao fundo. Ventava muito, e tínhamos lágrimas nos olhos. Lágrimas que voltariam a lembrar aquele momento.

Nesta dia que começou tão bonito, o coracão da Big Apple sofre duas fortes punhaladas. Às 9h, horário da costa leste americana, o primeiro avião perfurou a torre na qual tantos turistas brasileiros subiram para bater aquela fotografia inesquecível. Vinte minutos depois, quando dezenas de corajosos bombeiros subiam para resgatar as vítimas, o segundo avião bateu na torre norte explodindo em uma gigantesca bola de fogo.

Colunas de fumaça rapidamente encheram as ruas da vizinhança e graças ao trabalho brioso da polícia cerca de 1,5 mil mi turistas, muitos deles brasileiros, foram retirados do Battery Park, no qual se pega o barco para visitar a Estátua da Liberdade. Talvez ela, que nasceu na França e veio morar em Nova York, tenha sido a derradeira vítima desta tragédia pois o atentado terrorista teve apenas um objetivo: espalhar o medo e ameaçar a liberdade daqueles que pensam diferente. O ataque terrorista não atingiu apenas os Estados Unidos, mas ao castigar o povo de Nova York e seus visitantes transformou-se em um crime contra a humanidade.
(Marco Alfaro)

Consultor freqüentava o WTC

O brasileiro Roberto Zegara estava acostumado a freqüentar o World Trade Center em Nova York. Consultor sênior da Marsh Risk Consulting, empresa de um grupo que emprega mais de 50 mil pessoas no mundo, Zegara esteve nesta segunda-feira em Nova York para fazer uma palestra na área de reconstrução de prédios depois de um desastre, como incêndios.

– Mas isso que ocorreu era impossível se prever. Dois aviões deliberadamente destruindo o World Trade Center, era impossível - afirma o baiano, há quatro anos nos Estados Unidos.

Hoje, por coincidência, era dia de Zegara trabalhar em casa, na pacata Reston, cidade pequena próxima a Washington, onde mora com a mulher, a gaúcha Luciana, e o filho norte-americano Antônio, de 2 anos e 3 meses.

– As pessoas estão em estado de choque - confirma.

Zegara disse que tentou telefonar várias vezes para Nova York para ter notícias dos colegas, mas não conseguiu completar as ligações. Mesmo em Reston, as pessoas se recolheram às suas casas. O consultor conta que Luciana pretendia até sair para comprar mantimentos e se preservar de uma possível falta de alimentos e água, atitude comum em períodos de exceção, como guerras.

– Estou gravando tudo. As imagens dos prédios, o povo - adianta Zegara, tentando preservar a história em suas lentes.
Consultor experiente, o baiano vê os atentados que atingiram os Estados Unidos nesta terça-feira também sob o foco profissional.

– Isso aqui realmente era impossível prever. Muda as perspectivas das pessoas.