É preciso ir além dos NÚMEROS

Homens com idades entre 20 e 49 anos são maioria entre as pessoas que cometem suicídio em Santa Maria. A informação e a ajuda são os pilares que podem ajudar a mudar essa triste estatística e preservar a vida

 

Não há um só motivo e não é só uma questão de números. O suicídio está cercado por uma teia de complexidades emocionais e afetivas e não é possível determinar causas específicas que levam o indivíduo à decisão de acabar com a própria vida. Mas uma análise de dados referentes às tentativas de autoextermínio e de mortes autoinflingidas confirmadas pode abrir caminhos para conclusões importantes. Constatações  que podem ser eficazes no auxílio em busca da melhor saída: viver.

Em Santa Maria, como no resto do país e no mundo, a maioria das mortes é de homens, que usam métodos mais letais do que as mulheres. Elas são as responsáveis pelo número esmagador de tentativas, mas os meios que utilizam são menos brutais, logo, menos eficazes. De forma geral, centenas de pessoas no Coração do Rio Grande (e no planeta inteiro) vivem um inferno particular que não pode mais ser escondido. As estatísticas – tão tristes quanto alarmantes – são um sinal claro de que esse é um problema de saúde pública e que precisa ser discutido e, então, evitado.

Nesta edição, o “Diário” dá início a uma série de reportagens sobre suicídio, tentativas de autoextermínio, preservação e celebração da vida. O objetivo é jogar luz sobre um tema que fica restrito a bancos de dados, consultórios (quando o paciente busca ajuda) e crenças equivocadas que pregam que, se escondido, o problema não aumenta.

Nos próximos finais de semana, e até o fim deste mês, o assunto permanecerá sendo publicado de forma especial. O período foi o escolhido para tratar do assunto porque estamos em pleno Setembro Amarelo, mês internacional de prevenção ao suicídio.

 

A violência e a

MORTE

Em Santa Maria, a média, entre 2011 e 2015 (até agosto), é de cerca de 23 suicídios por ano – 18 homens e 5 mulheres. Isso dá quase dois autoextermínios por mês. Em 2013, ano da tragédia na boate Kiss, os índices diminuíram consideravelmente – foram 18 suicídios na cidade, no total. A média de mortes autoinflingidas dos últimos cinco anos é pouco menor do que o de mortes em acidentes de trânsito no mesmo período: 32 pessoas morreram, em média, por ano, em nossas ruas e estradas. Mesmo os assassinatos não ficam tão longe: foram, em média, 40 homicídios em cada um dos últimos cinco anos, no Coração do Rio Grande.

 

Para fins de comparação, em 2012, no Brasil todo, foram, 30 mortes por autoextermínio a cada dia, em média. No mesmo ano, o Rio Grande do Sul ocupou o primeiro lugar nesse triste ranking nacional, com 10 – 9 casos de suicídio a cada 100 mil habitantes. Considerando-se apenas números absolutos, Santa Maria ocupa o 4º lugar entre as cidades gaúchas com maior número de mortes autoinflingidas. Para o coordenador do Centro de Valorização da Vida (CVV) de Santa Maria, Jorge Brandão, os números daqui são alarmantes e, pior do que isso, podem não ser a representação fiel da realidade:

– Esses números, em tese, não são reais. Há muitos acidentes, por exemplo, que são provocados pelas pessoas que têm o desejo de se matar e que não entram na contabilidade. Mas não é surpresa que os homens apareçam, também aqui, como a maioria entre as mortes. Eles usam meios mais efetivos. A mulher usa meios menos letais. Um homem tenta, em média, cometer o suicídio por três vezes. A mulher, 10.

Ainda que as estatísticas sejam imprecisas e não sejam o retrato fiel da realidade, elas dizem muito: precisamos de ajuda, precisamos ajudar.

Vítimas em Santa Maria

SÃO JOVENS

Os números de Santa Maria seguem uma tendência encontrada na literatura mundial, conforme a psiquiatra Martha Helena Oliveira Noal, que estuda suicídio e integra o Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospitalar do Hospital Universitário de Santa Maria e a Associação de Familiares, Amigos e Bipolares.

– Além de usarem métodos mais letais, os homens, culturalmente, apresentam uma resistência maior de buscar auxílio, de procurar ajuda especializada para seus problemas de saúde mental, o que pode agravar a situação.

 

Em Santa Maria, a idade média dos homens (e das mulheres) que cometem suicídio (e que tentam se matar) varia entre 20 e 49 anos, conforme dados do setor de Vigilância Epidemiológica da prefeitura. Ou seja: jovens e adultos em idade produtiva estão entre aqueles que mais desistem de viver.

– É uma idade de responsabilidade, quando a gente se coloca muitas obrigações. E isso pode se tornar uma cobrança muito intensa – opina Martha.

 

O psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Centro de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre, acredita que o fato de a população da cidade ser flutuante também pode contribuir com as estatísticas daqui:

– Santa Maria é um centro universitário. As pessoas chegam de diferentes partes e, muitas vezes, estão sozinhas, têm dificuldade de se adaptar. Esse pode ser um indício.

 

Para Ângelo Cunha, psiquiatra e chefe do Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a realidade em que vivemos também pode ter influência sobre esses resultados.

– As pessoas estão cada vez mais intolerantes à frustração. As reações das pessoas, sobretudo na internet, são primitivas. Estamos muito imediatistas, e isso pode fazer com que coisas antes toleradas com mais paciência e resignação, hoje, sejam determinantes para decidir acabar com a própria vida – avalia.

 

Para Vivian Roxo Borges, doutora em psicologia e professora da PUC-RS, os números são importantes para entender o suicídio, mas é preciso ir além.

– Esses dados são baseados em pesquisas e nos ajudam a entender o fenômeno, mas, para um trabalho preventivo, não são os pontos mais importantes e precisam ser entendidos dentro de um contexto maior – diz.

 

Se há divergência de dados e de opiniões, também há um consenso entre especialistas, pesquisadores e voluntários que trabalham em benefício da saúde mental: viver é a melhor saída, a melhor opção, e a melhor forma de superar qualquer dor, por mais desesperadora que ela seja, pode ser encontrada aqui, vivendo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, todos os meses, a cada ano, em todos os minutos.

 

 

TRISTE ESTATÍSTICA

Os CINCO PAÍSES COM MAIS

ÓBITOS POR SUICÍDIO

Dados de 2012

NA AMÉRICA LATINA

Cinco países tiveram um aumento percentual no número de

suicídios entre 2000 e 2012. Confira de quando foi o aumento:

 

Início

Reportagem

Carolina Carvalho

Edição

Tatiana Py Dutra

Arte

Paulo Chagas

Rafael Sanches Guerra

Design e Desenvolvimento

Rafael Sanches Guerra