A polêmica venda

A mudança no comando

Alterações societárias feitas em 2013 tiraram os Sackl da
linha de frente e deram poderes a empresário mineiro

O

mês de agosto de 2013 foi de mudanças para a Nossa Senhora da Glória, fundada pela família Sackl em 1962, em Blumenau. As cotas de três das quatro holdings – empresas que têm ações ou cotas de outras empresas – que formam a companhia (Sackl Participações Ltda., WS Participações Ltda. e AJIR Participações Ltda.) foram vendidas para o empresário mineiro José Eustáquio Ribeiro de Urzedo, que atuava no ramo do transporte público urbano em Campinas (SP), e Múcio Brandão Madureira, que trabalhava no setor de tráfego da Glória.

 

Fruto de quase um ano de negociações, a troca de comando da Glória, responsável por 66% dos quilômetros rodados pelo Consórcio Siga no município, é marcada por polêmicas e controvérsias. Para entender o que ocorreu é preciso resgatar alguns fatos. No dia 4 de agosto de 2013, Humberto Jorge Sackl, o Betinho, um dos sócios da companhia, revelou ao colunista do Santa Valther Ostermann que a empresa tinha sido vendida no dia 1º de agosto, mesmo dia em que o novo dono, José Eustáquio, foi apresentado ao prefeito Napoleão Bernardes.

 

No dia 7 de agosto daquele ano, uma paralisação dos funcionários da Glória que reivindicavam salários atrasados coincidiu com uma notificação da prefeitura à empresa. O documento pedia esclarecimentos sobre a venda das holdings. Em resposta, em 12 de agosto, Betinho recuou, disse que o negócio ainda não tinha sido fechado e que a família Sackl continuava à frente da companhia.

 

Como nenhum papel sobre as trocas societárias tinha sido assinado ou registrado oficialmente até então, a Glória ainda era, de fato, dos Sackl. No entanto, em reportagem publicada em 7 de fevereiro de 2014, o Santa mostrou que teve acesso a uma procuração, registrada em cartório em 1º de agosto de 2013, na qual Betinho concedia plenos poderes sobre a empresa a José Eustáquio e outras duas pessoas – Marcelo Ribeiro de Urzedo, filho de José Eustáquio, e Juliano Myake. Nela era conferido ao trio o poder de tomar decisões financeiras e gerenciais, desde que nos documentos constassem a assinatura de Betinho, Luiz Alberto Sackl ou Edilson Waldemar Sackl, integrantes do Conselho de Administração na época. Na ocasião, Betinho explicou que os Urzedo eram parceiros do negócio e o auxiliavam na gestão, garantindo que ainda continuava no comando da companhia.

 

A mudança no quadro societário, que colocou José Eustáquio na condição de sócio-majoritário da Glória, foi confirmada somente no dia 19 de novembro de 2013. Na época, o único vínculo da família Sackl com a empresa passou a ser a MKF Participações Ltda., a quarta holding que forma a sociedade.

 

Procurado pela reportagem no início de outubro para esclarecer a polêmica envolvendo a troca de comando da Glória, Betinho afirmou não ter nada a ver com a questão. Horas depois de ser contatado, retornou a ligação e pediu para que o tema fosse tratado com o advogado da empresa, Antônio Carlos Marchiori. Marchiori afirmou não ter certeza do porquê seu cliente ter recuado sobre o anúncio da venda, em agosto de 2013, mas explicou que não houve irregularidades no processo:

 

– Sustentamos que não havia necessidade de autorização da prefeitura (para a venda) em decorrência do negócio que foi feito. Os sócios da Glória, que são as quatro empresas, permaneciam os mesmos. Teve mudança nas holdings, mas não no quadro social da Glória. Na época a prefeitura entendeu que isso estava justificado.

Promotor considera negociação irregular

Apesar da justificativa para a venda da Glória ter sido aceita pelo poder público na época, a questão voltou à tona neste ano após sucessivas paralisações no transporte público. Em entrevista concedida ao Santa no dia 11 de setembro, o promotor da Moralidade Administrativa, Gustavo Mereles Ruiz Diaz, considerou a negociação irregular. Na época, Ruiz Diaz disse que, para ele, estava claro que estaria havendo “desvio dos recursos do sistema” e que a empresa estaria “sendo quebrada de propósito”.

 

Para o promotor as alterações societárias foram feitas sem a aprovação do município, o que, segundo ele, abriria precedentes para que qualquer empresa sem a qualificação econômico-financeira necessária assumisse o negócio.

 

A desconfiança resultou em uma nova notificação, dessa vez emitida pelo Ministério Público de Santa Catarina, endereçada ao prefeito Napoleão Bernardes.

 

O documento, que pedia esclarecimentos sobre a situação financeira da Glória, foi assinado no dia 24 de junho deste ano, mas o promotor só entendeu que a notificação foi respondida após a intervenção da prefeitura no Consórcio Siga e na empresa Nossa Senhora da Glória, deflagrada no dia 8 de novembro.

 

– Aparentemente isso (a intervenção) atende o que foi pedido na notificação, porque o que se esperava na época é que fosse instaurado um processo administrativo. Eles (poder público) fizeram isso e também fizeram a intervenção. Agora, não tenho conhecimento sobre os motivos que levaram eles a tomarem essa decisão – conclui Ruiz Diaz.

 

O retorno à sociedade

Documentos da Junta Comercial de SC mostram que Humberto Jorge Sackl, o Betinho, deixou oficialmente o quadro societário da Glória em 19 de novembro de 2013 ao vender suas cotas na Sackl Participações Ltda. para José Eustáquio Ribeiro de Urzedo. Mas apesar de, no papel, não fazer mais parte da empresa, ele continuou no dia a dia dos negócios – inclusive como porta-voz para a imprensa.

 

A volta oficial à Glória viria em junho de 2014, quando uma alteração contratual permitiu que um não cotista fosse integrado ao conselho administrativo – e Betinho foi nomeado. Em 25 de novembro, ele tornou-se novamente sócio da empresa ao comprar, junto com José Eustáquio, cotas da MKF Participações. Burocracias ligadas a um inventário teriam, segundo o advogado da Glória e do Consórcio Siga, Antônio Carlos Marchiori, justificado a demora em regularizar a venda das cotas da MKF.

 

Os poderes de Betinho na Glória neste intervalo de sete meses são questionados pelo hoje ex-sócio Múcio Brandão Madureira, que alega ter sido destituído de maneira irregular da sociedade. O advogado dele, Alexandro Maba, afirma que, apesar de José Eustáquio ser o sócio majoritário, quem assinava todos os documentos e frequentava as reuniões no Consórcio Siga era Betinho.

 

– Eles fazem isso para tentar não anular o contrato de concessão do transporte. Ficam falando que a empresa não foi vendida, apenas incorporou um novo sócio – argumenta.

 

Segundo o assessor jurídico do sindicato dos trabalhadores (Sindetranscol), Léo Bittencourt, até antes da intervenção as negociações da categoria com a Glória eram feitas diretamente com José Eustáquio ou com o filho dele, Marcelo Urzedo, diretor financeiro da empresa.

 

– Ele (Betinho) negociava com a categoria uns dois anos atrás, mas as últimas grandes negociações que nós tivemos já foram feitas pelo Eustáquio.

 

Ex-sócio diz que pagamento das cotas não foi feito

O advogado do ex-sócio da Glória Múcio Brandão Madureira, Alexandro Maba, alega que nenhum dos ex-sócios das holdings teria recebido pelas cotas vendidas. Apesar de não comprovar a informação, ele diz ainda que os valores da negociação teriam sido superfaturados.

 

Na ocasião, após uma auditoria supostamente forjada, segundo Maba, José Eustáquio Ribeiro de Urzedo apresentou aos sócios da Glória que a dívida da empresa era de R$ 128 milhões, quando toda a companhia valeria R$ 120 milhões. Segundo o advogado, José Eustáquio teria dito que os Sackl, donos das holdings, deviam a ele R$ 8 milhões, mas por “consideração à família” e também “para ajudá-la” ele arcaria com parte do débito e pagaria R$ 20 milhões aos futuros ex-sócios.

 

– Isso seria dividido em 60 parcelas. Acontece que ninguém está recebendo esse pagamento – conta Maba.

 

Em contrapartida, Humberto Jorge Sackl, o Betinho, diz que quando a família Sackl optou pela venda as dívidas da Glória eram menores, de R$ 80 milhões. Já Antônio Marchiori, advogado da empresa, conta que quando uma companhia desse porte é vendida é normal que se faça uma auditoria, já que o comprador tem o direito de apurar o valor real das dívidas. Neste caso, apesar de não ter participado do processo, Marchiori acredita que a auditoria em questão não foi forjada:

 

– Se houvesse irregularidades os sócios que venderam teriam impugnado isto judicialmente, o que não aconteceu. A auditoria foi apresentada e o negócio foi concluído sem que se fosse falado em fraude – pondera, ao ressaltar que nunca houve contestações com relação à venda da Glória.

 

Marchiori reforça que tudo foi acompanhado pelas partes interessadas.

 

– Se o passivo tivesse sido alterado em auditoria, haveria oposições. Não acredito que isto seja verdade.

 

Sobre o não pagamento das cotas, Marchiori diz desconhecer ação ou cobrança por parte dos ex-sócios:

 

– Se os antigos sócios não estivessem recebendo, provavelmente já teriam acionado a empresa e até agora isso não aconteceu.

Reportagem: 
Larissa Neumann
Edição: Pedro Machado Imagens: Patrick Rodrigues
Design e desenvolvimento:
Arivaldo Hermes

Assine o Santa e fique bem informado com as principais notícias de Blumenau e região