Inspirada no ofício das antigas parteiras, atividade
ganhou adeptas em Blumenau e demanda cresce entre mulheres que buscam apoio na hora do parto
LARISSA NEUMANN
larissa.neumann@santa.com.br
palavra que ganhou espaço no vocabulário e no dia a dia de gestantes que lutam por algo que nunca deveria ter se perdido, o respeito. A atividade que virou profissão e que, ao se espelhar na adormecida tradição das antigas parteiras, ganhou novas adeptas. O mercado que cresceu e se consolidou depois que mulheres viram o poder de escolha sobre como dar à luz se esvair por entre discursos de defensores da cesárea. Profissão que, diante de tantas possibilidades, ainda se confunde em meio a tanta (des)informação. Doula.
Tendo o acolhimento como principal objetivo, o papel das doulas vai além das conversas em consultas periódicas. Com exercícios que trabalham tanto o corpo da mulher para o parto – seja ele qual for – quanto o psicológico, mulheres ensinam umas às outras como lidar com a dor das contrações e ainda técnicas de relaxamento. Ao fim dos nove meses, a doula faz o que nenhum médico faz: vai até a casa da futura mãe e a tranquiliza.
– Aí é que está o maior diferencial. Não fazemos parto ou substituímos médicos, nós agregamos. Ficamos lá (na casa da gestante) a maior parte do tempo do trabalho de parto. Isso por que hoje os hospitais que fazem parto humanizado só internam as gestantes quando elas estão com mais de seis centímetros de dilatação. Quando atinge esse ponto, daí acompanhamos ela até o hospital. – explica Gabriela Muller, 32 anos, doula há dois.
Trabalho contribui para diminuir as cesáreas
Nos hospitais o trabalho das doulas, que em Blumenau ganhou força há cerca de dois anos quando uma lei municipal garantiu a presença delas nos hospitais, conquistou também o respeito de médicos e enfermeiros. Médica obstetra há cinco anos, Martha Colvara Dachilli, 38, revela que a diferença de pacientes que tiveram acompanhamento de uma doula é notória em relação às que não tiveram. Para ela as gestantes com doulas, além de terem uma melhor compreensão sobre a parte fisiológica do corpo, ainda sabem o que esperar do parto.
– Gosto muito e prefiro ter pacientes que têm acompanhamento de doulas, porque nesses casos elas são mais informadas, além de saber o que elas querem no parto. É muito interessante – avalia a médica ao revelar que hoje 90% dos partos, normais ou cesáreas, que faz tem o suporte dessas profissionais.
Apesar do trabalho das doulas não se restringir aos partos normais, a presença delas contribui para a redução das cesáreas. No Hospital Santo Antônio, onde Martha atua, nos últimos três anos o número de partos normais aumentou 37,8%.
– Falando da nossa realidade, o Santo Antônio também tomou outras medidas para incentivar o parto natural, como contratar uma equipe de enfermagem obstétrica. Mas não tenho dúvidas de que isso também se atribuiu ao trabalho das doulas voluntárias. A inserção delas no hospital é extremamente benéfica – justifica Martha.
DANIELA MARTINS, ARQUIVO PESSOAL
Jussara Nascimento (E) contou com o apoio da doula Gabriela Muller (D) para que Laura viesse ao mundo de parto normal
pesar de não ser uma profissão regulamentada, hoje as doulas têm uma área de atuação definida, como pontua a médica obstetra Martha Colvara Dachilli. Na percepção dela, além do acompanhamento gestacional, muitas das mulheres que se formam doulas estão envolvidas em outras capacitações, como o auxílio no aleitamento e no relacionamento mãe-bebê. Outro ponto que chama a atenção nesse novo mercado é notar que mulheres com diferentes formações, como enfermeiras, psicólogas e até terapeutas, encontraram nos cursos de formação de doulas uma nova oportunidade de elevar a renda, adquirir conhecimento e ainda contribuir para o movimento nacional que busca diminuir o número de cesáreas consideradas desnecessárias.
– Ainda existe muita desinformação das mulheres e isso não é culpa delas. Elas pensam que não vão passar dor na cesárea, mas é um cirurgia de alto risco que no pós-parto é dolorida, muitas não conseguem amamentar e a recuperação é mais difícil. Sem contar os medicamentos e a anestesia antes do parto. Isso tudo passa para o bebê, que já vai nascer com uma carga de medicamentos gigante. Às vezes a própria mulher não reflete sobre isso – avalia Gabriela Muller, responsável por organizar o segundo curso de formação de doulas em Blumenau, no fim do ano passado.
Na época, Gabriela lembra que das 15 doulas formadas do município apenas seis atuavam na área. Ela, que hoje atende até três gestantes por mês, percebeu que a procura das mulheres pelas profissionais poderia crescer junto ao avanço e disseminação do movimento que incentiva a humanização do parto.
Cada doula é livre para cobrar o que acha correto
Mesmo não tendo demandas de mulheres que demonstravam o desejo de ser doulas, Gabriela arriscou. Foi por meio da empresa Nascer Amor – aberta por ela há dois anos – que as inscrições para o segundo curso de formação de doulas de Blumenau foram abertas. Com 42 mulheres inscritas contra 20 vagas disponíveis, foi preciso encontrar um espaço maior.
– Nem todas acabam atuando, algumas fazem o curso porque têm alguma parente que está grávida e ela quer ajudar. Entendo elas. Eu, por exemplo, tive que largar muita coisa na minha vida, emprego estável, carreira, para ser doula. É preciso estar livre a qualquer hora para atender uma gestante que entrou em trabalho de parto. Então, por causa disso, muitas mulheres fazem a formação, mas acabam continuando no emprego, não abrem mão de outras coisas e acabam não conseguindo exercer – pontua a jovem que trabalhou um ano e meio como voluntária antes cobrar pelos atendimentos.
– Faço a primeira consulta gratuita e nas seguintes cobro R$ 100, tanto no pré como no pós-parto. O trabalho de parto fica em torno de R$ 1 mil. Porém, os valores podem ser negociados e parcelados. O objetivo é não deixar ninguém na mão e conseguir sobreviver – revela, ao ressaltar que cada doula é livre para cobrar o preço que acha correto.
FOTOS PATRICK RODRIGUES
Gabriela Muller (em pé) acompanha gestantes há dois anos
oje o Hospital Santo Antônio, única unidade de saúde de Blumenau que conta com plantão obstétrico, também disponibiliza as instalações da maternidade para o trabalho voluntário das doulas. O serviço gratuito existe há dois anos e atualmente conta com 40 profissionais cadastradas que atendem com escala fixa em alguns dias por mês.
Informações sobre os plantões das doulas voluntárias podem ser esclarecidas através do e-mail minhadoula@nasceramor.com.br.
No Hospital Santa Isabel, a profissional se cadastra previamente e no momento que a gestante dá entrada para o procedimento do parto ela pode acompanhar a paciente normalmente. Através da assessoria de imprensa, a unidade ainda informou que, apesar de trabalhar para voltar a ter plantão obstétrico este ano, ainda não há uma data definida para que o serviço volte a ser disponibilizado. O Hospital Santa Catarina não repassou informações sobre o trabalho das doulas na unidade.
“A gente escuta muita coisa, principalmente sobre parto normal e, como eu tive acompanhamento com a doula, acredito que nós ficamos mais seguros do que se eu estivesse sozinha. Meu parto não teve nenhuma intervenção médica. Na hora que a Pérola nasceu eu tive a certeza que tinha ido tudo bem.”
Bruna Massiére de Carvalho, 30 anos, é professora e mãe da Pérola, de quatro meses e meio
“Eu tinha a minha obstetra e não senti segurança nela. Ela dava indícios de que a cesárea era a melhor coisa e eu não queria aquele tipo de parto. Busquei então uma obstetra que fosse a favor do parto natural e humanizado, e junto a essa obstetra conheci o trabalho da doula. Ela me deu segurança de que eu podia ter um parto vaginal.”
Jussara Maria Maçaneiro Nascimento, 36 anos, professora universitária e mãe da Laura, de três meses
“Meu primeiro filho vai fazer 13 anos e eu tive ele de uma cesárea desnecessária. Quando fiquei grávida do Renato, decidi que seria diferente. A doula fez toda a diferença. Para o alívio da dor, da ansiedade, ela tira todas as dúvidas e todos os medos. Recebi tanto amor, carinho e dedicação que eu quero dar para todo mundo a mesma coisa e também fiz o curso de doulas.”
Carolina Mariano Ferreira, 31 anos, geóloga e mãe do Luiz Carlos e do Renato, de 10 meses e meio
“Durante a gestação me preparei para o parto normal, mas como eu tive descolamento de placenta fiz uma cesárea de emergência. Foi a doula que desenrolou o bebê do lençol e deitou ele na minha pele, já procurando o peito. Meu atendimento médico foi bom porque precisava ser rápido, mas o apoio eu tive da doula, ela me trouxe a tranquilidade que eu precisava.”
Emellym Fernandes Pinto, 22 anos, recepcionista e mãe do Heitor, de quatro meses
“Eu conheci o que era uma doula na hora em que eu cheguei no hospital. Passei pela triagem e eles descobriram que era um parto pélvico (bebê estava sentado), foi bem complicado. Foi a doula que me deu o apoio emocional para que eu conseguisse ter o parto que eu tanto queria. Se a doula não estivesse ali eu teria feito cesárea.”
Analine Luz Mueller, 25 anos, revisora e mãe da Ana Beatriz, de sete meses
“Eu não tive acompanhamento de uma doula. Pensei que pela minha maturidade eu não ia precisar. Mas foi justamente ao contrário. Eu preparei meu corpo para o parto natural mas no dia eu fiquei tão desesperada que partimos para a cesárea. Nem dei tempo para ver como o meu corpo ia reagir. Se eu tivesse alguém para me dar apoio nessa hora, tenho certeza que seria diferente.”
Rose Miriam Vicente Henschel, 41 anos, executiva de vendas e mãe da Heloísa, de seis meses
QUARTA-FEIRA, 9 DE MARÇO DE 2016
Edição
Mariana Furlan
Textos
Larissa Neumann
Design e desenvolvimento
Arivaldo Hermes