O xodó de dona Vera

ESPECIAL

Divulgação . VW Kombi modelo 1959

U

m automóvel icônico, presente na vida de algumas gerações surgia para fazer história. As crianças de hoje logo já identificam quando veem uma Kombi, soltando aquele estridente – “Oooolhaaa, uma Kombi!!” – isso acontece também com o Fusca. Tudo se dá por conta de suas características únicas e marcantes.

 

Então você decide dar de presente um carrinho de brinquedo para um adulto ou criança. Pode reparar que os olhos brilham mais quando essa miniatura é de uma desses dois modelos da Volkswagen. Bem mais do que se for um esportivo atual recém-lançado.

 

E quando o simples meio de transporte se torna um “xodó” para o dono, pode estar em bom estado ou caindo aos pedaços, ninguém se desfaz do seu querido veículo.

 

 

PRECURSORA

 

O utilitário produzido pela empresa automotiva alemã Volkswagen sobreviveu entre 1950 e 2013. Podemos afirmar que seu fim veio pelo tempo de mercado e por força de um decreto, onde os carros a partir de 2014, deveriam ser dotados de freio tipo ABS e possuir airbag frontal duplo de fábrica. No Brasil, foi fabricada sem intervalos a partir de 1957 e encerrou em dezembro de 2013, sendo praticamente o carro mais antigo do país. A Kombi é considerada a precursora das vans de passageiros e carga.

 

A estrutura sem chassi, desenho externo simplificado e por dentro muito básica, a tornava um veículo prático e de baixo custo de manutenção.

 

Sua motorização tem algo curioso, durante 50 anos o motor que equipou o veículo no Brasil foi o tradicional "boxer" com refrigeração a ar, simples e muito resistente. Enquanto a carroceria apodrecia, bancos rasgavam, para-choques caiam, o propulsor continuava firme.

 

Diogo Sallaberry . Veículo em sua última edição

TOPA-TUDO

 

O nome Kombi vem do alemão Kombinationsfahrzeug que quer dizer “veículo combinado”, um automóvel “topa-tudo”. O conceito por trás da Kombi surgiu no final dos anos 1940, ideia do holandês Ben Pon, que esboçou desenhos de uma perua feita sobre o chassi do Fusca. Após testes com protótipos desse tipo e alguns fracassos, concluíram que o carro deveria ser montado no conceito de chassi monobloco. Depois de três anos do primeiro desenho, o modelo estreou em 8 de março de 1950.

Fox Pictures / Divulgação . Kombi em cena no filme Pequena Miss Sunshine

ESTRELANDO

 

Em 2006 a Kombi (modelo T2 Microbus) foi protagonista do filme A Pequena Miss Sunshine. A família da ficção faz uma a viagem de longa distância numa charmosa versão amarela com o teto branco e boa parte do filme se passa no veículo.

 

Nos anos 70, 80 e 90 a VW adotou uma política de que “em time que está ganhando não se mexe” e evitou adotar mudanças que visem o conforto e a segurança no veículo. Embora altamente popular, a obrigatoriedade dos ítens de segurança colocou para escanteio a “boa e velha” van.

A

Ao entrar na Rua Nossa Senhora de Fátima, no bairro Campeche, encontramos uma senhora com um sorriso tímido e ao mesmo tempo nervosa. É dona Vera Beatriz Romero Lima, de 70 anos. Ao ingressar na sua residência, encontramos no jardim um bem muito valioso para ela: a sua companheira Branca, uma Kombi 1996. E as duas já fizeram poucas e boas juntas.

 

Vera, seu esposo Miguel Antonio e família, são naturais do Rio Grande do Sul. Vieram para Florianópolis em buscar de paz e sossego, mas quem disse que ela ficaria em casa parada? A família comprou um restaurante e investiu na gastronomia. Com o passar do tempo, Vera cansou e vendeu o estabelecimento. Mal sabia ela que sua vida tomaria um novo rumo, pois o comprador do restaurante não pagou e o processo está na Justiça até hoje.

 

Não conseguindo dar continuidade nos negócios, o casal, já com idade avançada, estava atrás de um novo ganho financeiro. Foi então que o ex-genro, preocupado com a situação, teve a ideia de comprar uma Kombi e dar para os sogros.

A FÊNIX

 

Como a ave Fênix, dona Vera ressurgiu das cinzas. O primeiro trabalho da Branca (a Kombi) foi com frete: valentes e poderosas, as duas fizeram a entrega de uma moto em Balneário Camboriú. Mas o transporte de mercadorias não prosperou. Aí a Vera teve a ideia de trabalhar com a companheira em shows, saídas de clubes e jogos de futebol. Este “ganha-pão” durou algum tempo e a falta de cuidado com o líquido que vazava dos isopores molhava o assoalho da traseira. O resultado foi a corrosão do metal até ficar todo esburacado.

 

A correria diária e a falta de dinheiro recorrente não permitiram que dona Vera cuidasse melhor de sua parceira. Chegava a ficar até 4h da manhã nas saídas de baladas trabalhando. Ia para casa, descansava o que conseguia e logo voltava com as bebidas repostas.

 

Dona Vera sempre foi apaixonada por praia e este novo ofício a mantinha afastada das águas do Campeche. Até que, um dia, um amigo perguntou por que ela e o esposo não trabalhavam na praia. Foram à luta, mas não conseguiram o alvará de licença. Porém, com ideal e material em mãos, tentaram a sorte mesmo assim. Eles se instalavam em locais mais afastados, longe dos fiscais. Dona Vera conta que corria quando reparava movimentação da fiscalização.

 

O dinheiro ganho no verão durava o ano inteiro.

 

– Os netos têm empresa de eventos e nos ajudam, até arrumavam trabalhos pra eles quando a Kombi ainda funcionava –  comenta Vera.

 

Depois o casal passou a alugar cadeira e guarda-sóis na praia. Mas há dois anos a van começou a apresentar problemas mais sérios. Sem meio de transporte, um amigo se ofereceu para guardar os equipamentos de trabalho num bar-rancho. Passou um tempo e a frase “nada está tão ruim que não possa piorar” veio a calhar. O rancho pegou fogo e eles perderam tudo, mas os netos e amigos ajudaram com a compra de novos materiais e o casal se reergueu outra vez.

 

recordações

 

Apesar de estar sempre com a documentação em dia, passar pela polícia sempre foi complicado e cômico. Certa vez, ela e o marido vinham de um show quando foram parados. O oficial pediu para ela acionar a “seta”, que não funcionava. Compadecido com a situação

ele a liberou.

 

– Ele disse: “Já que nunca ataquei vocês, podem passar, estão liberados”. Nessa hora o medo de perder a Kombi foi muito grande, apartado com enorme alívio e risos na volta pra casa – recordou a motorista.

Carta enviada para o quadro "Lata Velha" do programa Caldeirão do Huck em 2015

Sonho é botar novamente
a branquinha para rodar

 

A Branquinha andava até janeiro desse ano. Sem nunca ter passado por nenhum tipo de manutenção, sucumbiu por conta de um motor fundido. Parada no quintal de casa, a valente Kombi 1996 se deteriora mais a cada dia que passa. Os podres na lataria se alastram, as portas emperraram, a parte elétrica já era, os bancos estão rasgados, os pneus lisos e, por fim, a mecânica tem uma série de problemas.

 

Dona Vera, ao ser questionada de como se sente ao acordar todos os dias e ver a Kombi parceira no quintal na condição atual, desatou a chorar, muito emocionada. Com esta reação, percebemos o tamanho do amor dela pela querida companheira de aço. Apesar das dificuldades, o casal é cheio de vida e corre atrás das coisas sem reclamar de nada.

 

– O importante é ter saúde – disseram eles.

 

A vontade de ter a Kombi funcionando de novo é grande, hoje é o mais importante sonho de dona Vera. A orgulhosa proprietária ama demais a branquinha e nunca pensou em desistir. Chegou a ver o custo para deixá-la inteira novamente, mas é algo acima dos R$ 8 mil. Esse valor é suficiente para a compra de outro veículo, porém, se não há recursos para a reforma, ela também não tem vontade de substituir a querida Kombi por nenhum outro carro. É um amor incondicional, infinitamente maior que a falta de condições financeiras.

 

O casal chegou até a enviar uma carta para o programa do Luciano Huck na esperança de atrair o interesse da produção do quadro Lata Velha. Mas nada de contato ainda. A expectativa segue viva, porém já deu certa esfriada por se passarem dois anos do envio. Mas uma coisa é certa: a luta de dona Vera continua e quem sabe um dia veremos ela e sua Branquinha juntas por aí novamente.

VOCÊ PODE AJUDAR

Vera Beatriz Romero Lima

Rua Nossa Sra de Fátima, 466, Campeche, Florianópolis-SC

Telefone: (48) 84558733

cttgaromero@hotmail.com