Sobre dor e

SUPERAÇÃO

Transtornos emocionais estão entre as principais causas de ideação suicida e atentados contra a própria vida. Mas a dor é superável, e a morte, prevenível

“Hoje, depois de tudo o que passei, eu tenho uma certeza inabalável: não estou pronta para morrer. Eu quero muito viver”. As palavras doces da professora Elisângela dos Santos Costa, 42 anos, dão um tom convicto a um olhar que é firme e esperançoso. Há quase 20 anos, ela tentou acabar com a própria vida. Da tristeza e do desespero que pareciam nunca ter fim, Elis fez renascer a vontade de estar viva e, hoje, ajuda outros a superarem suas desesperanças e darem a volta por cima.

Antes de decidir se matar, ela sofreu intensamente por aproximadamente dois anos. O caminho de dor percorrido por Elis é semelhante ao que leva muitas pessoas a atentarem contra a própria vida – 98% dos indivíduos que cometem suicídio estão vivendo algum transtorno emocional. Elis era vítima de uma depressão profunda e desconcertante, agravada pela perda recente de um amigo querido. A pouca idade (ela tinha 22 anos), a falta de informação e a personalidade introspectiva fizeram com que a então estudante universitária sofresse calada. Quando a dor já dilacerava a alma, vieram a decisão, o plano e a tentativa. Mas, quando agonizava, Elis foi encontrada pela mãe, que a socorreu e garantiu a ela uma segunda chance de viver.

– Eu só descobri que tinha depressão depois que eu tentei o suicídio. Até então, eu desconhecia a existência da doença. Eu sentia tanta dor que parecia que eu não tinha mais motivos para existir. Dormia querendo não acordar e me perguntava o tempo todo “o que estou fazendo aqui?”. Eu me sentia como a maioria das pessoas que sofrem de depressão e que não entendem que podem ficar bem. Mas podem. Todos podem ficar bem. Dizer que eu tive coragem de me matar é equivocado. Eu não tinha era coragem de viver – avalia a professora.

A tentativa de autoextermínio de Elis ocorreu em um domingo do mês maio, em 1997. Nascida em São Sepé, ela era aluna do curso de Geografia da UFSM e morava com amigos em Santa Maria. Mas aquele dia era mais um da temporada de greve da instituição que a jovem passava na casa da família, em Formigueiro, onde cresceu e onde moravam seus pais – um pedreiro e uma comerciante generosos, que sempre deram amor e educação para ela e seus três irmãos. Quando ficou sozinha, colocou o plano em prática:

– Meus pais foram para um jogo de futebol e me convidaram. Mas eu recusei porque estava decidida a me matar. Acordei quatro dias depois, no hospital, e fiquei muito triste por não ter conseguido. Mas, assim que recebi alta, passei pela minha primeira sessão de terapia. Fiquei 40 minutos em silêncio até que minha psiquiatra pegou na minha mão e eu consegui chorar. Foi um momento fundamental e transformador na minha vida.

Hoje, Elis faz parte do grupo Comunidade de Fala, que visita escolas e instituições para falar sobre dor, aceitação, tratamento, ajuda e esperança.

 

A nova queda e, de novo,

a volta por cima

 

Elis se recuperou da tentativa de suicídio, terminou a faculdade e começou a trabalhar. Casou-se em 12 de outubro de 2002 e, em novembro de 2003, deu à luz a pequena Isabela. Em 2006, o divórcio foi superado de forma racional e equilibrada. Ela e o ex-marido chegaram, juntos, à conclusão serena de que eram muito diferentes. Optaram pela separação. Hoje, são amigos e dividem a educação da filha.

– Minha gravidez foi acompanhada e tranquila. Quando minha filha nasceu, eu olhei para o rostinho dela e pensei: “agora, mais do que nunca, eu não posso mais morrer”. Ela deu mais sentido à minha vida e precisa que eu esteja bem. Mas meu medo de perder as pessoas que eu amo me deixou distante da minha pequena no início. Só depois eu entendi que isso fazia mal à ela e, com esforço, consegui mudar. Hoje, somos muito unidas. E meu ex-marido é um excelente pai – comenta.

Mas, em 2012, a dor voltou com tudo. Em busca de nova vida e novos ares, Elis se mudou de Santa Maria para Santa Cruz do Sul. A adaptação foi difícil. Distante da mãe e da filha e se sentindo sozinha, teve anorexia – chegou a pesar 42 quilos, distribuídos em 1m58cm. A fase ruim foi superada com a ajuda da psicoterapia e do que ela aprendeu com a experiência de quase morte.

De volta a Santa Maria, graduou-se em História, também pela federal, passou em um concurso público e é professora nas escolas João Isidoro Lorentz e Oliva Lorentz Schumacher, em Formigueiro. Foi conselheira e paraninfa das turmas de 3º ano das instituições por pelo menos oito anos. E a vida nova de idas e vindas para dar aulas na cidade vizinha permitiu a ela conhecer Vinícius, 36 anos, com quem ela completou 1 ano de namoro no último dia 5. Junto, o casal comprou um apartamento que ficará pronto no próximo setembro. Na casa nova – ela diz, com o sorriso largo –, vai morar com o namorado, com Isabela e com os gatinhos Xuxu e Fufu. Cheia de alegria e planos, Elis garante que é feliz, otimista, está tranquila e acredita muito mais na vida hoje: 

– Desde a minha tentativa de suicídio, foram quase 20 anos de tratamento e muitas idas e vindas. Eu tenho depressão e sempre vou ter. Tive outras crises depois e posso vir a ter novas. Mas aprendi uma coisa que eu digo a mim mesma toda vez que eu sinto dor: vai passar. E eu queria que todo mundo que vive isso soubesse que pode vencer, focasse nessa frase e a repetisse a cada vez que parecer insuportável: vai passar.

 

12 MITOS QUE ENVOLVEM O SUICÍDIO

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FATORES DE RISCO PARA O SUICÍDIO*

Há transtornos emocionais que potencializam ideações suicidas e as chances de que um indivíduo possa atentar contra a própria vida.

Quando combinados, como em casos em que a depressão está associada ao alcoolismo, o risco pode ser ainda maior. Confira quais são eles:

 

Parece insuportável,

mas tem tratamento

 

Se para aliviar o incômodo de um joelho ralado, um sopro seria suficiente, quando o que arde é a alma, nem um vendaval parece ser capaz de amenizar. E quando a dor emocional é associada a outros fatores, como o alcoolismo, e tudo isso é vivido em tempos de crise, num mundo menos tolerante, a angústia e a desesperança podem tomar proporções inimagináveis. Para fugir desse desespero, muita gente comete suicídio. Mas, se é verdade que vivemos tempos difíceis, também é fato que nunca estivemos tão preparados para tratar das dores, recuperar-nos de nossos transtornos e seguirmos em frente.

– O suicídio é causado por transtornos psíquicos insuportáveis que, geralmente, estão ligados a situações como perda, abandono, rejeição de uma pessoa que está ao lado, mas não nos aceita. Isso tudo, associado ao álcool e às drogas, que dão coragem ao indivíduo, levam ao autoextermínio. A pessoa prefere morrer e matar. Ela introjeta para dentro dela o que causa sofrimento e mata o que provoca a dor. Então, é preciso trabalhar, e temos todas as condições de fazer isso, para que a pessoa recupere os sentidos de vida. As tentativas de suicídio têm tratamento e o suicídio, prevenção – explica o psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Centro de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre.

Para a psiquiatra Martha Helena Oliveira Noal – que estuda suicídio e integra o Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Husm e a Associação de Familiares, Amigos e Bipolares –, o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser evitado. Mas suas razões não são pontuais:

– É multifatorial. Uma confluência de fatores que, naquele momento e pessoa, reúnem-se. Há uma vulnerabilidade biológica que pode ser precipitada por fatores como perdas, mas não há como determinar uma causa.

Segundo Martha, 60% dos suicidas nunca buscou um profissional de saúde mental, o que pode influenciar no número de auto execuções.

– A pessoa que tenta se matar quer fugir de uma dor que é insuportável. Mas ela não quer, necessariamente, morrer. O suicídio, normalmente, é uma decisão tomada em um momento de abalo emocional profundo. Logo, é uma decisão errada. Quem nunca tomou uma decisão errada na vida, não é? Mas o suicídio não tem volta – opina Jorge Brandão, coordenador do Centro de Valorização da Vida (CVV) em Santa Maria.

Confira, nos quadros, sintomas e alertas que podem levar ao suicídio e onde buscar ajuda em Santa Maria.

 

5 FRASES DE ALERTA

A maioria das pessoas com ideias de morte comunica seus pensamentos e intenções suicidas. Elas, frequentemente, dão sinais e fazem comentários sobre “querer morrer”, “sentimento de não valer para nada”, e assim por diante. Todos esses pedidos de ajuda não podem ser ignorados.

 

OS SENTIMENTOS

São quatro os sentimentos principais de quem pensa em se matar. Todos começam com “D”, formando a Regra dos 4 Ds:

OS 15 SINAIS

Pessoas que pensam sobre suicídio, em geral, falam sobre isso. Mas há sinais que indicam se o indivíduo pode apresentar comportamento suicida. Confira:

AS 3 CARACTERÍSTICAS

Existem três características próprias do estado emocional em que

se encontra a maioria das pessoas sob risco de suicídio:

FOTOS

Jean Pimentel

REPORTAGEM

Carolina Carvalho

EDIÇÃO

Tatiana Py Dutra

ARTE

Paulo Chagas

Rafael Sanches Guerra

DESIGN E DESENVOLVIMENTO

Rafael Sanches Guerra