Início
Um mergulho desafiador

Recuperar uma história que tem quase 16 anos, a partir de uma fotografia, foi um desafio muito além da dificuldade de localizar as pessoas retratadas na imagem. Foi um mergulho em solidão, sofrimento, exclusão e amor ao próximo.

 

As crianças ao lado de Rozeli da Silva não tinham nome, apenas um rosto. Ela não lembrava mais dos nomes. Afinal, na época, a instituição estava no início do trabalho e não fazia fichas cadastrais dos pequenos. O objetivo era alimentar aqueles que tinham fome. Nem ela, nem o Diário Gaúcho imaginariam que depois de tanto tempo precisariam das identificações.

 

 

O começo

 

A ideia de produzir Filhos de Rozeli surgiu em meio à produção de outra reportagem, em novembro de 2015. Eu e o fotojornalista Mateus Bruxel entrevistávamos Rozeli sobre a questão da transformação, quando ela nos mostrou a página de outubro de 2000, guardada com carinho. Me impressionei com o tempo que tinha aquela página de jornal e o quanto ela foi importante para Rozeli.

 

No retorno, comentei sobre a questão com o editor-chefe do DG, Carlos Etchichury. Na mesma hora, ele nos questionou quem seriam aquelas crianças nos dias atuais? Bruxel e eu aceitamos o desafio de encontrá-las. Falei para Rozeli. Ela, prontamente, demonstrou interesse na reportagem.

 

Marcamos para dezembro um encontro na Renascer da Esperança. Rozeli garantia que havia localizado todo eles. Quando chegamos à instituição, descobrimos que não eram as crianças da foto. Eram crianças da mesma época, mas não as mesmas. Voltamos à estaca zero.

 

Ao longo de janeiro e fevereiro de 2016, encontrei e mantive contato com três das crianças - hoje adultas. Em março deste ano, decididos encontrar os que faltavam. Retomamos as buscas. Fiz cópias da foto da capa e de outras duas imagens e distribuí em escolas e instituições do Bairro Restinga. Um trabalho de porta em porta, uma busca pela agulha no palheiro. Conversei com ex-integrantes do Conselho Tutelar, com ex-funcionários da Renascer da Esperança, com funcionários de outras entidades locais, com lideranças comunitárias. Adicionei muitos nas redes sociais e no Whats App. Conseguimos mais cinco histórias nesta caminhada.

 

Tudo no papel

 

Mateus propôs que cada história tivesse uma cor que a representasse e a identificasse. Tomamos este cuidado quando fizemos as entrevistas e fotografamos nossos personagens. Explicamos a cada um deles como pretendíamos recontar suas vidas. Tentamos conversar mais de uma vez com cada um deles para ganharmos a confiança de remexer em passados doloridos e esquecidos.

 

Foram semanas de pesquisa e de conversa, envolvendo mais de 100 moradores da região. Nesta empreitada, foi fundamental a parceria do fotojornalista. Desde o início, ele abraçou o desafio e esteve comigo em momentos decisivos, como quando precisamos pedir liberação para entrar numa área dominada pelo tráfico na Restinga, quando conseguimos a autorização da direção do DML para entrarmos na câmara fria e registrarmos o local onde estava o cadáver de uma das crianças da foto e, principalmente, quando fomos as únicas testemunhas do enterro deste mesmo personagem - um renegado pela própria família.

 

Até a última semana de março, apesar de ter identificado mais da metade das crianças, eu ainda achava que não tinha história. Estava tudo confuso. Havia muita tristeza, histórias de dor. Só me dei conta de que tínhamos uma linha para seguirmos quando ouvi uma palestra da Eliane Brum alertando que as histórias estavam nos detalhes. Ali, naquela frase, percebi que cada um dos personagens tinha um detalhe que ampliava cada história.

 

Voltei para a redação com a reportagem pensada na cabeça. Era hora de colocar tudo no papel.

 

Seguir em frente

 

Em cada nova descoberta, em cada nova entrevista, sofremos juntos. Não foi fácil. Talvez, a mais difícil história que contarei em 16 anos de profissão. O que nos conforta é que há histórias boas, de união e de afeto que se perpetuaram ao longo do período.

 

O que Filhos de Rozeli nos mostra é que somos frágeis durante toda a vida, necessitamos de amparo desde o início dela, que sempre é importante a palavra amiga e o apoio para seguirmos em frente.

 

Início Topo