Publicado em 06 de agosto de 2016

Na semana em que se iniciam os primeiros jogos olímpicos no Brasil, o Diário Gaúcho conta as histórias de dois vencedores que passarão longe das quadras e dos estádios do Rio de Janeiro. Há quase três décadas, o policial militar reformado Ricardo Fernandes, 58 anos, de Gravataí, se dedica a ajudar ao próximo e, mesmo sem pedir nada em troca, coleciona mais de 4,5 mil homenagens de cidades já auxiliadas por ele. Já a taxista e líder comunitária Andréia Aparecida Ribeiro Terres, 45 anos, da Vila Nossa Senhora do Brasil, em Porto Alegre, se tornou uma voz na comunidade onde vive e entre os colegas de profissão.

 

Diariamente, ambos correm atrás dos objetivos, ultrapassam as barreiras de qualquer dificuldade, nadam contra a maré, lutam pelo próximo com determinação e dão saltos a cada nova conquista. Eles nunca subiram ao pódio, mas são reconhecidos e admirados nas comunidades onde vivem. Carregam para si a responsabilidade por muitos outros. São os atletas do dia a dia.

"A maior medalha é ajudar ao próximo"

Por dia, o policial militar reformado Ricardo Fernandes, 58 anos, percorre a pé cerca de 20km pelas ruas de Gravataí. Junto com a longa caminhada, o ex-PM ainda ergue e carrega dentro de um carrinho de ferro até 300kg de roupas, calçados e móveis doados. Determinado como um atleta olímpico, mantém o foco no que se determina a fazer: ajudar ao próximo. Nestas horas, até esquece as dores no corpo e o diabetes, descoberto recentemente.

 

— Sinto um amor tão grande pelo que faço, que é como uma riqueza por dentro. Na verdade, por ajudar quem precisa, me considero um homem milionário. Um vencedor! — garante, emocionado, o ex-PM que fez voto de pobreza.

 

Ao lado da mulher Adelaide Ribeiro, 65 anos, que o auxilia nas ações desde que se casaram, há 25 anos, e do sobrinho Guilherme, 14 anos, responsável também pela divulgação do projeto nas redes sociais, Ricardo recolhe, lava, separa e distribui roupas, calçados, brinquedos, móveis usados e todo o tipo de material que possa ser reaproveitado por quem precisa. Adelaide lava os cobertores e lençóis e reforma o que é necessário. O restante se transforma em cobertas de inverno para doação.

 

— Um dia, vi um morador de rua idoso tendo um prato de comida negado por uma pessoa. O ajudei. Daquele dia em diante, percebi que poderia fazer isso por muitos. Não parei mais — explica Ricardo.

Certificados

Só em 2016, Ricardo e a família carregaram e distribuíram 200 toneladas de roupas e 20 mil pares de calçados para oito municípios gaúchos que enfrentaram intempéries ou têm comunidades pobres. Num único mês, eles conseguem arrecadar 25 mil peças de roupas, 3 mil pares de sapato, 200 travesseiros, cem cobertas e louças em geral. Os voluntários dependem que a prefeitura auxiliada envie um caminhão para levar os donativos. Apesar de ligar, gastando dinheiro do próprio bolso, oferecendo a ajuda, Ricardo enfrenta a desistência de inúmeras cidades que se negam a enviar um transporte. O ex-PM costuma ir nas viagens para conferir o destino final das doações.

 

O reconhecimento pelo trabalho, que faz há 27 anos, está estampado em dez paredes da casa onde mora a família e nas dezenas de pastas com diplomas e certificados de agradecimento recebidos de centenas de municípios gaúchos, catarinenses e até do Uruguai. São mais de 4,5 mil documentos colecionados ao longo de quase três décadas de voluntariado.

 

— Recebo um quadrinho (certificado) em cada viagem que faço. Volto tão faceiro, que é como se estivesse nadando numa piscina de dinheiro. Este papel pode não ter valor em dinheiro, mas move a minha pessoa a continuar a viver — garante.

Premiação

Mesmo sem jamais participar de um evento esportivo, Ricardo passou a colecionar também todos os tipos de presentes — de compotas de doces a troféus e medalhas. São honrarias entregues por prefeituras, câmaras de vereadores, igrejas e associações comunitárias por onde a caravana da solidariedade já passou. Na ponta da língua, o ex-PM mantém todas que já visitou por meio da ação voluntária. Perdeu, porém, a conta da quilometragem já percorrida nas andanças.

 

A "premiação" mais recente ocorreu em Barra do Quaraí. Ricardo faz questão de mantê-la destacada entre os mimos já recebidos. É uma medalha dourada, cuja fita é verde-e-amarela.

 

— Olho os jogos na tevê e vejo que eles estão à procura de medalhas. Mas eu, ao contrário dos atletas, já ganhei a minha. A maior medalha é ajudar ao próximo — resume.

"Eu sou uma lutadora!"

Quem vê a taxista e líder comunitária Andréia Aparecida Ribeiro Terres, 45 anos, falante e pronta para um debate não imagina que durante 16 anos a presidente da Associação de Moradores da Vila Nossa Senhora do Brasil, no Bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, limitou-se a cuidar do então marido, dos quatro filhos e do bar da família. Ainda atrás do balcão do estabelecimento, sonhava com o dia em que percorreria as ruas da Capital a bordo de um táxi.

 

Casada desde os 17 anos, quando engravidou da primeira filha, Andréia abandonou os estudos na sétima série. Durante o casamento, enfrentou calada as negativas do marido quando dizia que pensava em estudar e ter uma profissão. Hoje, Andréia afirma que cada golpe serviu como estímulo para ela realizar os sonhos ainda guardados.

 

— Me considero uma lutadora. Apanhei muito da vida, por tudo o que já passei com violência doméstica e por morar num local com muita criminalidade, mas sempre vivi de cabeça erguida — garante.

 

A partir da separação, há 11 anos, Andréia voltou a estudar e concluiu os ensinos fundamental e médio. Apoiada pelos filhos Airton, 21, estudante de teatro na Ufrgs, Juline, 23, arquiteta, Lucas, 25, militar, e Greice, 27, técnica em edificações, e pelo neto Rafael, seis, a dona de casa decidiu se desafiar. Fez carteira de motorista, assumiu um táxi — herança do casamento — e há nove anos é taxista no ponto da Rodoviária de Porto Alegre.

Escolhas

O amor pela profissão está estampado dentro do veículo nas mensagens carinhosas aos passageiros. Dependendo da época do ano, há mensagens específicas para o Natal, a Páscoa e outras datas comemorativas.

 

— Cuido do meu carro como a minha segunda casa e dos meus passageiros, como se fossem da minha própria família. Amo de paixão ser taxista — garante.

 

Dona das próprias escolhas, Andréia comemora como se fosse um gol cada decisão tomada. Para ter mais tempo dedicado à presidência da Associação de Moradores da Vila Nossa Senhora do Brasil, que estava desativada, ela optou por trabalhar no período da noite, das 17h às 6h, mesmo temendo a violência das ruas. A escolha foi necessária para durante o dia atender às solicitações da comunidade onde vive com os filhos há mais de 30 anos.

 

Ela também faz parte de um grupo de taxistas mulheres que se apoiam na função. E ainda encontrou tempo para voltar aos estudos. Nesta semana, depois de quatro meses de dedicação aos sábados, ela concluiu o curso de promotora legal popular, organizado pela ong Themis — Gênero e Justiça.

 

— Não me considero uma líder, ainda estou em formação. Quero estudar mais para representar minha comunidade com garra e firmeza nas nossas solicitações — afirma Andréia, que já pensa em no futuro tentar uma vaga como conselheira tutelar na região.

Saltadora

Se hoje, o máximo de exercício físico que pratica é andar numa esteira, na adolescência Andréia era considerada uma atleta na escola onde estudava. Gostava de atletismo e recorda, com orgulho, as duas medalhas de ouro que conquistou no salto em distância. E até faz um paralelo com o próprio rumo escolhido para viver.

 

— Penso que a vida não pode ser feita de uma caminhada, uma corrida. Precisa ser um pulo para a frente. Tem certas fases que a gente não precisa passar, a gente salta sobre elas. Estou sempre vendo lá na frente, como no salto em distância — resume.

REPORTAGEM

Aline Custódio

aline.custodio@diariogaucho.com.br

 

EDIÇÃO

Lis Aline

lis.aline@diariogaucho.com.br

 

FOTOS

Félix Zucco

felix.zucco@zerohora.com.br

 

DESENVOLVIMENTO

Brunno Lorenzoni

brunno.lorenzoni@diariogaucho.com.br

"A maior medalha é ajudar ao próximo" Certificados Premiação "Eu sou uma lutadora!" Escolhas Saltadora
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