Louvor

patrocinado

Com R$ 720 mil em investimentos públicos neste ano, Congresso Internacional dos Gideões movimenta o comércio e o turismo em Camboriú e levanta discussão sobre limites entre política e fé

–D

inheiro na igreja nunca deu certo. E nunca dará. “Ah, eu preciso de dinheiro para construir um templo.” Daí, constrói dois, três templos. E nunca para de pedir dinheiro. Jesus Cristo não é Deus do dinheiro.

Enquanto fazia esse discurso meio gritado, meio musicado, o homem dedilhava um violão elétrico ligado a uma caixa de som. Era noite de sexta-feira, 28 de abril, e críticas a pastores que “andam de SUV” e “acreditam mais no dinheiro do que na palavra d’Ele” não eram exatamente o que se esperava ouvir em pleno Centro de Camboriú durante o Congresso Internacional de Missões dos Gideões, evento que ajuda a financiar a Igreja Evangélica Assembleia de Deus local, que se mantém, basicamente, de doações. Em meio a uma escuridão quase completa, o cantor era iluminado por lanternas de celular – havia faltado energia elétrica naquele ponto da cidade. Os fiéis reagiam ao desabafo com exclamações de “aleluia” e “Deus seja louvado”. Ninguém aplaudiu, protestou ou interrompeu o músico.

– Eu não quero que você ponha o seu dinheiro nessa caixa, não quero que você me dê carro zero. Eu quero que você faça a vontade de Deus. Tenho feito a vontade de Deus sem dinheiro – conclamou.

Antes de tocar mais uma nota e seguir a arenga, o homem afirmou ter “vindo do sertão do Piauí até aqui com R$ 200 no bolso”. Sem querer, o cantor fez referências a uma realidade de poucos recursos que os fiéis de Camboriú, modesta cidade de 76 mil habitantes, localizada anexa à turística vizinha Balneário, conhecem bem. O município é sede do congresso desde o começo dos anos 1980, quando o recém-chegado pastor evangélico Cesino Bernardino, percebendo a precariedade reinante, fundou os Gideões Missionários da Última Hora para, aos poucos, promover orações e disseminar a palavra do Senhor.

O movimento é inspirado no exemplo de Gideão, um juiz que libertou o povo israelense da opressão, e se tornou substantivo que designa o fiel que trabalha distribuindo bíblias. Hoje, a organização atua em 43 países e promove 63 projetos missionários. Camboriú é reconhecida por lei federal como a “Capital Nacional de Missões”.

Desde 1983, durante 10 dias, milhares de pessoas de todos os Estados brasileiros chegam ao município em ônibus lotados, chamados pela organização do evento de caravanas, alugam casas e hospedam-se em hotéis da região, perambulam pelo Centro transformado em calçadão, consomem em incontáveis barraquinhas, ambulantes e lojas de ocasião, divertem-se em um parque de diversões e assistem a dezenas de horas de pregação feita por cerca de 100 pastores do Brasil. As preleções ocorrem em dois espaços: o pavilhão dos Gideões, local anexo ao templo sede da Assembleia de Deus e que passa a funcionar desde o primeiro dia de evento, quando os pastores ganham do prefeito a chave da cidade, e o Ginásio de Esportes Irineu Bornhausen, que só é aberto na metade do congresso.

É justamente essa multidão, calculada em 100 mil pessoas pelos organizadores, a justificativa para que os Gideões garantam repasses de dinheiro público. Governos, sejam eles federais, estaduais ou municipais, são proibidos por lei de financiarem cultos religiosos e de manterem relações de aliança com representantes da fé. A exceção é para “colaborações de interesse público”, um limite difícil de ser estabelecido. Especialmente porque, nos últimos anos, as igrejas pentecostais passaram a produzir políticos em série. O que tornou encontros religiosos palanques inevitáveis. Não à toa, uma das figuras mais conhecidas e aguardadas, todos os anos, é o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC), autor do projeto de lei que brindou Camboriú com o título já citado. Neste ano, ele começou a pregação condenando o que chamou de “doutrinamento marxista de esquerda”, numa referência ao projeto Escola Sem Partido, que defende no Congresso Nacional.

A romaria de políticos, evangélicos ou não, já é tradicional no encontro. Na semana passada, além do governador Raimundo Colombo (PSD), a deputada federal Geovania de Sá (PSDB) e o deputado estadual Kennedy Nunes (PSD), autor de lei que reconhece Camboriú como “Capital Catarinense de Missões”, assistiram às preleções. O congresso também já foi visitado por presidenciáveis. Em 2010, em plena corrida eleitoral, José Serra (PSDB) subiu ao púlpito para pedir aos mais de 10 mil evangélicos orações “para enfrentar batalhas”.

Em nome do turismo e da geração de impostos, a prefeitura de Camboriú investiu nos últimos seis anos R$ 1,7 milhão no congresso. Este ano, separou R$ 320 mil para gastar com a infraestrutura do encontro. O Estado, após ter o repasse barrado em 2016 por recomendação do Ministério Público de Contas (MPTC), desta vez enviou R$ 400 mil.

A procuradora-geral adjunta Cibelly Farias Caleffi foi a responsável pela recomendação de brecar o repasse em 2016, diante de um edital que lhe pareceu genérico. Desta vez, o documento trouxe especificações, com determinação do uso do dinheiro para infraestrutura turística, e o MPTC autorizou. Mas pediu que a Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte encaminhasse dados detalhados sobre a aplicação do dinheiro.

– Da forma como foi proposto no ano passado, o repasse seria questionável. Este ano, foi uma estratégia diferente – afirma a procuradora.

Para o professor Natan Ben-Hur Braga, mestre e doutor em Ciência Jurídica, a subvenção com dinheiro público a uma determinada religião, seja ela qual for, não possui justificativa plausível no Direito:

– O financiamento público de eventos religiosos, mesmo que relacionados a eventos culturais, é uma falácia. Não passa de um engodo para viabilizar vantagens ou promessa de vantagens em prol das autoridades constituídas e de seus grupos.

De acordo com o advogado, no máximo seria possível uma colaboração do poder público por meio de interdição temporária de vias, uma atuação especial da guarda municipal ou ambulâncias postas à disposição.

– No entanto, colaborar com dinheiro de impostos para uma denominação religiosa é criar tratamento desigual ao interesse público. Basta se ver que o montante doado é muito equivalente ao quanto é recebido em arrecadação. Onde estaria a vantagem, caso esse pudesse ser o interesse público apontado? – diz Braga.

Questionada sobre a geração de impostos estaduais durante o evento, a Secretaria de Estado da Fazenda encaminhou a pergunta ao Turismo, que por sua vez usou dados de ocupação hoteleira do Sindisol, sindicato que representa os hotéis e pousadas em Balneário Camboriú, para chegar a uma estimativa de R$ 1 milhão em arrecadação. Aparentemente, não há informações concretas no governo do Estado sobre o ICMS, por exemplo, gerado com a movimentação do evento religioso.

A situação não é diferente quando se trata do recurso municipal. A prefeitura, no ano passado, investiu R$ 320 mil no encontro de Gideões e arrecadou R$ 431 mil. Em 2017, a prévia de arrecadação com emissão de alvarás para comércio temporário calculada pelo Executivo municipal é de R$ 481 mil. Ao todo, foram negociados 226 alvarás para ambulantes, 298 para pontos comerciais, 15 para estacionamentos e 18 para transporte.

Margot Libório, que representa a Federação dos Convention & Visitors Bureau no Conselho Estadual de Turismo, compara a ocupação hoteleira de Balneário Camboriú, que chegou a 90% no último feriado, com a de outras cidades da região que estão mais distantes do evento:

– Nosso turista não aguentou três feriados em um mês, não tinha mais lotação. Foi o evento dos Gideões que abriu essa possibilidade em Balneário Camboriú e Itapema, já que Camboriú tem um setor de hospedagem muito limitado.

Dona de hotel em Balneário, Margot tem clientes que se hospedam com ela há 24 anos para o congresso. Muitos fazem passeios pela região durante o dia, o que movimenta as cidades do entorno.

– O turismo não acontece sozinho, é preciso vê-lo como indústria, que gera recursos. Talvez parte do sucesso dos Gideões se deva a esse apoio governamental – afirma.

n

a quinta-feira, 27 de abril, trabalhadores faziam os últimos ajustes na decoração do Ginásio de Esportes Irineu Bornhausen. A estrutura, adaptada para comportar até 12 mil pessoas simultaneamente, receberia naquela noite a abertura oficial do evento, quando ocorreria um desfile das bandeiras das 43 nações onde os Gideões atuam. As paredes laterais estavam ornadas com banners relativos aos projetos sociais que a igreja mantém em Estados como Piauí, Paraíba e Bahia e países como Haiti, Cuba, Peru, Angola e Iraque. Além das arquibancadas, filas de cadeiras de plástico brancas, equipamentos de refrigeração e, no alto do palco, à direita, um estúdio que transmite o encontro por rádio, YouTube e aplicativos de celular.

À frente dessa estrutura de comunicação está Luiz Carlos Machado, radialista de 59 anos que há 30 comanda a rádio Voz Missionária, cuja programação evangélica é executada 24 horas por dia, sem comerciais e distribuída por três emissoras de ondas curtas. Natural de Florianópolis, Machado trabalhou em emissoras tradicionais, como Guarujá e Diário da Manhã, até ser convidado pelo bispo Cesino Bernardino para comandar o empreendimento em Camboriú. Evangélico, não hesitou. Desde então, o radialista mora com a mulher e os filhos em uma casa de dois andares, de propriedade da igreja, onde também operam os transmissores da rádio.

– A Diário da Manhã de ondas curtas foi oferecida ao pastor, nosso líder, e ele me fez a proposta. Respondi que se fosse de Deus, eu viria. E aqui estou três décadas depois. A verdade é que a obra só cresce. E a rádio mostra esse trabalho – explicou Machado, que durante o evento daria apoio ainda a 10 emissoras que retransmitiriam a programação ao vivo do congresso para o Brasil.

Do lado de fora do ginásio, vestindo terno, camisa e gravata sob o sol forte e rodeado por assessores, o pastor Hueslen R. Santos, vice-presidente dos Gideões, atendia dois homens que reclamavam da falta de estacionamento adequado para ônibus. Para transformar o Centro da cidade em um grande calçadão, a prefeitura fechara o acesso a algumas ruas com manilhas de concreto. Por causa disso, explicaram os motoristas, os veículos teriam de parar longe dos locais em que os pregadores falariam.

– Somos em 18 ônibus, pastor, só de Volta Redonda! – disse um dos 320 chefes de caravana que, de todos os Estados do Brasil, se inscreveram para o congresso.

Certamente não pela primeira vez desde que os Gideões haviam recebido a chave da cidade, Santos explicou que a igreja não tinha influência nesses assuntos, mas que conversaria com alguma autoridade para tentar resolver o problema dos “irmãos”.

Logo após ouvir o “Deus abençoe” que encerra todas as conversas durante o congresso, Santos falou sobre a expectativa dos organizadores para a presença de público:

– Os campeões de caravanas nesse ano são Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, mas vêm também do Acre, de Goiás, do Maranhão e de muitos outros Estados. O problema é que aqui é uma cidade pequena, sem avenidas e com ruas estreitas. A cidade para e não há muito o que fazer.

Numa casa vizinha ao ginásio, Onira de Fátima Pereira, 55, a filha e a nora trabalhavam para aprontar a estreia de um restaurante-lanchonete erguido em um espaço de 20 metros quadrados. O plano era dormir naquele local até o fim do evento, no chão, para que já às 6h tivesse café fresquinho pronto para vender aos fiéis. Para trabalhar no empreendimento por quatro dias, investiu cerca de R$ 10 mil entre alvará, aluguel do terreno e frete de equipamentos – geladeira, freezer, fogão etc. – desde Balneário Camboriú, onde vive.

– Faz sete anos que trabalho aqui vendendo café da manhã, marmita e lanches no congresso. Quando não tem esse evento, a cidade é morta, uma colônia. Não gira emprego, não movimenta dinheiro. Se acabar o congresso dos Gideões, a cidade morre, pode escrever aí – afirmou a senhora, reagindo a um disse-que-disse que a edição 2017 dos Gideões poderia ser a última.

Sentada, enquanto cortava pedaços de frango e jogava as porções dentro de uma grande panela de alumínio, Onira falou sobre o público:

– Os evangélicos que vêm aqui têm poder aquisitivo baixo, em geral. Então, com uma marmita a dez reais, eles passam o dia. É um pessoal muito ordeiro. Pode ver que o dono aqui do terreno até aluga um banheiro para eles.

O dono do terreno é João Afonso Rebelo, 63. Ele alugou o canto de muro da casa onde mora há 25 anos pela primeira vez para Onira em 2011. Motorista de caminhão aposentado, às voltas com diabetes e problemas cardíacos, Rebelo diz ter percebido uma chance de lucrar com o congresso, apesar de não ser evangélico. Um banheiro contíguo à garagem da casa também estava à disposição dos participantes do evento, a R$ 2 por pessoa.

– A aposentadoria minha e da mulher é gasta quase toda em remédios. Com o aluguel, conseguimos uma verba extra. É bom para todo mundo – diz Rebelo.

Sobre a movimentação diante de sua casa e no banheiro que aluga, Rebelo garante não se incomodar:

– É claro que o congresso tranca tudo, a cidade para, faz barulho, então tem gente que reclama. Mas, para nós aqui em casa, não tem problema nenhum. Barulho faz, né? A cabeça fica daquele jeito. Mas o evangélico não causa problemas, não incomoda, se pedem algo emprestado, eles vão devolver. Não ter bebida alcoólica é um incômodo a menos.

e

ntre a casa de Rebelo e o pavilhão dos Gideões, onde as preleções já ocorriam desde o começo da semana, o fiel percorre pouco mais de 1 quilômetro. No caminho, uma infinidade de vendedores ambulantes instalados em barracas precárias, cobertas de lona. Durante os dias de congresso, deixam de existir calçadas e estacionamento nessas vias mais centrais. O calçadão é um tumulto de gente indo e vindo, parando para consultar o preço de algum produto ou para comprar comida. As barracas ocupam todos os espaços possíveis, em geral obstruindo a frente de lojas que funcionam o ano inteiro na cidade.

O alarido dos vendedores (“Descascador de legumes como esse a senhora nunca verá!”, “Corta todo tipo de vidro sim, pode confiar”, “Olha, sete panos de prato por R$ 10, porque aqui é direto do produtor”) soma-se à música (em geral evangélica) em alto volume que sai de caixas de som, à performance de cantores e cantoras gospel que se apresentam a céu aberto e ao cheiro de todo tipo de comida (lanches, espetinhos, milho e pamonha cozidos, açaí, cachorro-quente, pipoca, churros, crepes) que sobe de fritadeiras, panelas e chapas de quiosques, lanchonetes e carrinhos (nada vendido como “gourmet” ou em “food truck”).

Essa disputa feroz, ainda que pacífica, no comércio de rua incomoda o empresário Eriberto João Rocha, que tem lojas de móveis e colchões no entorno da pequena praça que rodeia a Paróquia do Divino Espírito Santo e é presidente da CDL local. Ele garante que não é contra a “festa”, mas considera que a prefeitura age errado ao permitir que ambulantes ocupem a cidade no período:

– Se fosse só a festa, tudo bem. O problema é essa barracada! Imagine que esse pessoal vem de fora, se instala, suja tudo, só deixa o dinheiro do alvará na cidade e leva o lucro de volta para suas cidades de origem. Isso prejudica o comércio local! Por isso tem gente que aluga a própria loja durante o evento.

De fato, em uma rápida caminhada pela praça, pode-se descobrir lojas que se “disfarçam” de estabelecimentos comerciais voltados para o público do congresso. Exemplos: a revenda de motos que virou um “shopping gospel” onde se compra de diferentes edições da Bíblia até óleo para unção, a assistência técnica especializada em celulares que se transformou numa loja de calçados que oferta até três pares de sapato de couro por R$ 120, o comércio de moda que passou a livraria de obras religiosas.

– Então, é assim, o lojista tenta logo alugar a loja inteira. Tira tudo de dentro e deixa que eles coloquem seus produtos. Depois que o evento acaba, a loja volta a funcionar normalmente, e o empresário, com o dinheiro do aluguel, compensa um pouco os prejuízos.

Uma espécie de camelódromo de lona também surge no entorno da pracinha. Lá dentro, dezenas de ambulantes vendem uma variedade de produtos de qualidade duvidosa, procedência por vezes obscura e preços muito baixos: roupas, panelas, comida, artesanato, cerâmicas. Os comerciantes vêm de Aparecida (SP), de Curitiba, do interior do Paraná, de Brusque e outros polos de indústria têxtil, mas principalmente de São Paulo.

Um dos comerciantes que experimentou pela primeira vez as dores de cabeça que os lojistas locais dizem ter todos os anos é Cláudio Marcelo Nhoatto, que aluga uma pequena sala no térreo de um hotel. Há pouco mais de um ano, ele trocou Balneário por Camboriú, onde tem um apartamento que resolveu ocupar. Naquela quinta-feira, sua loja era a única do térreo cujo acesso não estava bloqueado por uma barraca.

– Este é meu primeiro e último congresso dos Gideões. Não sou contra religião, nem contra o evento, mas é preciso fazer onde tem espaço para isso. Do jeito que é, lojista nenhum daqui ganha dinheiro. Acredite: a cidade leva seis meses para se recuperar desse evento, porque as pessoas ficam sem dinheiro. Toda a verba movimentada por esse pessoal (aponta para os vendedores na rua) vai para a cidade deles. Fora o cheiro ruim e a sujeira que ficam pela cidade toda.

n

a noite de sexta-feira, 28 de abril, com a Avenida Oscar Vieira já quase em penumbra por causa da falta de energia elétrica, Dioclécio da Silva, 53 anos, reclamava a quem quisesse escutá-lo. Natural de Santo André (SP), faz 15 anos que ele viaja para Camboriú na época do congresso para vender meias, calcinhas e cuecas na calçada de uma esquina, mas, em 2017, segundo ele, “a coisa está muito difícil”.

– Sempre deu para honrar os compromissos e ter lucro, mas em 2017 houve algo errado. Aconteceu de liberarem as ruas. A gente paga caro por um canto de esquina, e a rua fica toda tomada. E como vai ser? Em 15 anos que estou aqui, nunca foi assim. Faltando dois dias para o evento, sempre tem um pessoal na rua, mas nesse ano liberaram antes, demasiadamente.

O descontentamento de Silva com a concorrência o levará a trocar os ganhos de comerciante pelo conforto da palavra divina em 2018:

– Ano que vem eu já vou vir para o congresso para participar, louvar e adorar. Para vender, não dá mais. Esse é o último ano.

Mais exaltado, outro vendedor veterano do congresso se aproximou e pediu para falar. Pablo Rodrigues, 38, também frequenta a cidade há 15 anos vendendo livros e CDs evangélicos. Segundo ele, pelo movimento abaixo do esperado para o primeiro dia de ginásio aberto e a quantidade “absurda” de barracas nas ruas, a edição de 2017 só daria para pagar as contas:

– Viemos a Camboriú desde 2002, e acho que a prefeitura tem de tomar vergonha na cara, porque não se dá alvará para a pessoa vender mercadoria ilícita, pirata e de contrabando. Se eu vender produto pirata, vou preso. Aí tem boliviano, haitiano vendendo mercadoria pirata. Onde está a prefeitura? Só se preocupa em pegar o dinheiro do alvará e o resto que se dane?

Para Rodrigues, que veio do Rio de Janeiro capital, o poder público deveria priorizar vendedores que oferecem produtos voltados ao público do evento.

– O foco do congresso são produtos evangélicos – terno, gravata, CD, livros, Bíblia etc. O que se vê agora é que fugiu completamente disso. O que se vê hoje aqui é uma feira do Paraguai completamente livre, aberta para todos. Aí você ouve música mundana, filme pornográfico, como já vi em uma barraca de DVD pirata e com alvará assinado pela prefeitura

a

lheios ao debate travado entre vendedores ambulantes e lojistas locais, milhares de fiéis aproveitavam o que de fato interessava para eles e que os fizera, em muitos casos, viajar milhares de quilômetros: a palavra de Deus, transmitida pela boca dos pastores que por horas falam ao microfone em cima dos palcos montados no pavilhão e no ginásio. Adir José Malko, 45 anos, veio de Pontal (PR) com a esposa. Era a terceira vez que o casal frequentava Camboriú em época de congresso de Gideões:

– Gostamos de tudo, em geral. A pregação, o trabalho em si. Como sou pastor de igreja, eu venho mais para me encher aqui. É que na igreja a gente esvazia demais. Então, aproveito um congresso desse para, anonimamente, me encher da palavra do Espírito Santo.

Questionado sobre o que teria mudado ao longo dos anos, Malko chamou a atenção para o nível da pregação dos pastores que foram escalados para o evento.

– Percebo que o fluxo de gente está um pouco menor. Mas a qualidade de pregação melhorou.

O congresso em si está voltando a ser Gideões. Antigamente, teve uma queda no nível de pregação. Tinha muito pregador itinerante, com mais palavra de avivamento e menos palavra de conserto. Então, o evento começou a trazer mais pastores de igreja para pregar no congresso. Tirou aquela parte de itinerância e começou a colocar mais pastores de igreja, e isso para nós é muito melhor.

Já Valdemir e Elaine Costa, casados há oito anos e que comparecem ao congresso há pelo menos um quarto de século, defendem os Gideões da polêmica instalada naquela semana e que ocupava boa parte das discussões nos programas de notícia das rádios da região.

– Quando eu tinha uns 10 anos, eu já vinha.

A festa é a mesma. Achamos que tem menos pessoas, mas creio que é por causa da crise que o país está vivendo. Tem mais comércio de rua nesse ano, também. Por sinal, estávamos escutando rádios, acho que de Itajaí, que estavam criticando muito os Gideões, mas eles precisam entender que quem aluga esses espaços é a prefeitura, é para ela que o dinheiro vai. Criticam sem saber disso, né? Se as pessoas querem alugar e a prefeitura libera, fazer o quê? Mas eu não acho legal esse comércio todo – disse Elaine.

Perguntada sobre o que a traz todos os anos a Camboriú, ela defende a importância do trabalho dos Gideões:

– A gente gosta muito de vir porque é um evento que faz parte da missão da igreja, que é evangelizar. E é isso que os Gideões fazem. Enviam missionários para o mundo todo. Eu estava olhando ali no ginásio poucas pessoas participando e pensei “meu Deus, tomara que isso nunca acabe”, porque tem mais de mil famílias sustentadas pelo evento. É um evento para propagar a palavra de Deus, esse é o intuito. Embora muitas pessoas venham para passear.

Não é o caso de Xeiner e Larissa, casal de namorados que frequenta o congresso há oito anos. Para participar do evento, eles trocaram provisoriamente a cidade natal, Santa Rosa do Sul, por um apartamento alugado em Itapema.

– O que traz a gente aqui é a pregação, a palavra de Deus, porque tem muito pregador bom. Aqui tem pastores de outros Estados que não vão lá para minha cidade ou para a região, é bem difícil. A diferença com o ano passado é que o número de barracas aumentou. Incomoda um pouco, porque fica menos espaço para caminhar.

QUEM SOMOS

Repórter

Felipe Lenhart

Dagmara Spautz

Editora

Julia Pitthan

Repórter fotográfico

Marco Favero

Editor de fotografia

Ricardo Wolffenbüttel

Designer

Roberta Brizola

Editora de design e arte

Aline Fialho

Editora assistente de design e arte

Maiara Santos

EDIÇÕES ANTERIORES

Para outras edições, acesse o site do Nós.