Em 90% dos municípios catarinenses, existe pelo menos um criador de abelhas. Nos últimos anos, a atividade tem atraído novos profissionais, muitos como complemento da renda, pela evolução das técnicas. Mas o segredo industrial permanece: o vínculo dos produtores com os animais – é preciso conhecer intimamente os humores dos insetos diante dos fenômenos naturais para entender os impactos na polinização. Essa relação tem alçado Santa Catarina ao posto de maior exportador de mel do país, com produtos premiados internacionalmente. Além disso, os compostos das abelhas são nutritivos e essenciais para a saúde
esde pequena, Fabrícia Waterkemper Wernke está acostumada com 
a presença das abelhas. Filha de apicultor, ela viu o pai iniciar a 
atividade de maneira intuitiva, como complemento da renda. Ela chegou a cursar ciências da computação, mas largou os bytes há 20 anos para se dedicar a 40 milhões de abelhas. Fabrícia, hoje com 39 anos, nasceu em Orleans, no Sul de Santa Catarina, e atua com o irmão e o marido na apicultura. Como muitos produtores, o sucesso deles também é atribuído à relação estreita com os insetos, porque aprenderam a conhecer a rotina e a interpretar o comportamento das abelhas no desempenho de uma atividade instável, sensível às mudanças do clima e do ambiente. Fabrícia está entre as 6 mil pessoas que ajudam a alçar Santa Catarina ao posto de maior exportador de mel do país e ter 90% dos municípios com pelo menos um núcleo produtor, mesmo que para complemento de renda. Coordenador de Apicultura e Meliponicultura da Epagri, Ivanir Cella ressalta que a procura por formação no setor cresce a cada ano. Para 2016 foram programados 74 cursos e 14 seminários pelo Estado. Como as abelhas são animais com organização distinta – chamados de “eu sociais”, como formigas, cupins e vespa – exigem muita dedicação e conhecimento do profissional. – Esses insetos têm filho, pai, avô morando juntos. A vaca, por exemplo, você 
trata uma delas. Com a abelha, você tem que trabalhar com 80 mil 
indivíduos – explica Cella.

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RAIO-X DA ABELHA
clique nos favos
Aparelho bucal As mandíbulas são usadas para cortar e manipular cera, própolis, pólen. alimentar larvas e limpar favos. A língua é usada para coletar alimento, desidratar o néctar e evaporar água para controlar a temperatura da colmeia. Antenas É onde ficam as estruturas de olfato, tato e audição. O olfato dos zangões é mais apurado para perceber o odor da rainha durante o vôo nupcial. Olhos compostos Dois grandes olhos na parte lateral da cabeça, formados pelos omatídeos, que percebem luz, cores e movimentos. Elas reconhecem as cores ultravioleta, azul, azul-violeta, verde, amarelo e laranja. Olhos simples Estruturas menores, em número de três, localizadas na região frontal da cabeça, formando um triângulo. Não formam imagens. Têm como função detectar a intensidade luminosa. Estômago de mel O néctar vai para o papo, onde a ação de enzimas salivares o transformam em mel. Na colmeia é expelido e armazenado nas células (hexágonos). Depois é retirado o excesso de umidade para evitar fermentações. Asas Além de órgão locomotor que permite uma velocidade média de 24 km/h, o bater das asas produz uma corrente de ar direcionada para a colmeia, que regula a temperatura entre 34ºC e 35ºC. Pólen compactado A abelha umedece as pernas dianteiras e recolhe o pólen que coletou e está espalhado pelo seu corpo transferindo-o ao último par de pernas, onde um único pêlo prende a carga de pólen no lugar. Pêlos Em grande quantidade, têm a função na fixação dos grãos de pólen ao entrar em contato com as flores. Glândula de veneno A contração muscular dessa bolsa permite que o veneno seja injetado mesmo após a abelha ir embora. Ferrão Presente só em operárias e rainhas. Após a ferroada, ele fica preso na superfície picada e, ao tentar voar, a abelha rompe o abdômen e acaba morrendo.
O MELHOR MEL DO MUNDO
O mel catarinense é reconhecido internacionalmente pela qualidade. A maior exportadora do Brasil fica em Araranguá. É a Prodapys, que em 2015, na 44ª edição da Apimondia, principal evento de apicultura mundial, na Coreia do Sul, recebeu medalhas como o melhor mel do mundo para os tipos cremoso, claro, âmbar claro e escuro. A empresa já havia recebido a certificação em 2007, na Austrália, e em 2013, na Ucrânia. Os méis são julgados por um painel internacional que avalia sabor, aparência e textura, submetidos a análises de laboratório para confirmar a pureza. Ao ser questionado sobre o segredo do sucesso, Célio Hercílio Silva, fundador da Prodapys, afirma que fica de olho na qualidade dos produtos que chegam de mais de 700 famílias de apicultores do Brasil, muitos deles de SC. São oito profissionais no setor que testa todos os tambores que saem da fábrica rumo principalmente a Europa e Estados Unidos. Um dos sucessos no exterior – e que já ganhou como melhor do mundo e o mais exótico – é o melato de bracatinga, planta típica dos costões da Serra catarinense. Todos os anos ela floresce, mas resulta num mel muito amargo. A cada dois anos, ela é atacada por um inseto (a cochonilha) que fura a casca e suga a seiva. As abelhas transformam a seiva em mel. O melato de bracatinga tem seis vezes mais minerais, é escuro e tem gosto semelhante ao melado. Hoje é um dos méis mais caros da Prodapys e custa 30% mais do que o mel de floradas. O processamento desse mel na empresa é de quase 600 toneladas por ano.
Célio Silva (E), fundador da Prodapys: análise em laboratório e controle rigoroso dos toneis com mel que saem da fábrica garantem a qualidade
OS MAIORES PRODUTORES
1º Estado em exportação de mel
3º Estado em produção de mel
300 mil colmeias no Estado
90% das cidades de SC produzem mel
FOCO NA PRODUTIVIDADE
Ao orientar apicultores menos experientes, Fabrícia é taxativa: precisa ter muita paciência. Por ser uma atividade instável, muitos produtores têm na apicultura uma renda complementar. Ainda assim, mais de 500 famílias catarinenses têm na apicultura a maior fonte de renda, segundo levantamento da Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de SC (Faasc). Enquanto o Estado produz em média 18,5 quilos de mel por colmeia anualmente, a apicultora Fabrícia chega a produzir 45. Em um ano, chegou a 78. Ela e SC estão acima da média nacional, de 16 quilos. Quando o parâmetro é a produção por quilômetro quadrado, o Estado se destaca ainda mais: 28 kg/km², enquanto a média brasileira é de 6 kg/km². – Nos últimos anos, está havendo um choque de tecnologia. Se o tempo colaborar, com mais dois anos a nossa produção vai ser ainda maior – reforça o presidente da Faasc, Nésio Fernandes de Medeiros. Trocar a abelha-rainha todos os anos, substituir favos velhos, além da alimentação complementar dos insetos no inverno ajudam a melhorar a produtividade dos pequenos apicultores. Mas tudo depende do clima. A chuva em excesso, por exemplo, pode reduzir a safra, o que ocorreu na última primavera, quando 90% da produção foi perdida.
A COLMEIA ARTIFICIAL Usada pelos produtores, tem vários modelos cujas dimensões devem obedecer às normas da ABNT
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O ORGÂNICO PREVALECE
O mel da apicultora Fabrícia Wernke, por exemplo, tem inspeção federal e é 100% enviado para o exterior. A demanda de fora é que faz com que boa parte do mel produzido em Santa Catarina seja orgânico – 97% do exportado no Estado se enquadram nessa classificação. Mas o que garante o selo de orgânico? As exigências vão desde o apiário estar a três quilômetros de lavouras que recebem agrotóxicos ou transgênicos e de rodovias movimentadas. Além disso, as abelhas não podem receber tratamento químico e a cobertura da colmeia não pode ter amianto ou pintura, explica Nésio Medeiros. Esses fatores garantem um mel mais puro e sem defensivo agrícola. Em contrapartida, o Estado pode cobrar um preço mais elevado e essa demanda internacional impulsiona a exportação. Quase metade de todo mel produzido no Estado vai para o exterior. Os últimos dados divulgados pela Associação Brasileira de Exportadores de Mel (Abemel) mostram que em 2015 o Estado liderou as exportações, com mais de 6 mil toneladas vendidas.
OS MÉIS CATARINENSES
Santa Catarina produz cerca de 100 tipos com cor, aroma, sabor e consistência diferentes. Conheça os principais que são campeões de venda em SC:
Mel de uva-japão ou tripa-de-galinha Produzido no Oeste do Estado em novembro e dezembro, época de floração dessa planta. De cor clara e sabor muito suave, tem como peculiaridade o fato de dificilmente cristalizar em temperatura ambiente.
Mel de melato Produzido no Planalto Serrano entre março e maio, somente em anos pares (devido ao ciclo do inseto cochonilha). É um mel único, de coloração escura, bastante apreciado e valorizado no exterior. Tem seis vezes mais minerais que os demais.
Mel silvestre Produzido com o néctar coletado em várias plantas. Tem excelente qualidade. Sabor, aroma e consistência variam conforme a florada predominante no período de produção. A cor escura indica maior concentração de sais minerais. Os claros são mais suaves.
Mel de eucalipto É produzido de março a maio, principalmente no Sul do Estado, onde tem maior concentração da planta. Apresenta coloração âmbar e sabor mais forte, é uma boa pedida para quem precisa de um expectorante.
DOCE E NUTRITIVO
Além de o mel ser um substituto mais saudável do açúcar refinado – por ser formado principalmente por glicose e frutose –, é fonte de minerais 
essenciais para o organismo, incluindo selênio, manganês, zinco, cromo e alumínio, bem como compostos fenólicos e vitaminas. É o que aponta a nutricionista Carla Zanelatto: – Alguns estudos demonstraram que as qualidades terapêuticas do mel estão relacionadas à melhora no funcionamento do intestino, propriedades calmantes e cicatrizantes, atuando nos sintomas de gripes e resfriados. Além disso, o mel tem ação antioxidante, agindo na diminuição dos radicais livres e retardando o envelhecimento celular. Como os açúcares correspondem a 80% da composição química, o consumo deve ser moderado: duas colheres de sopa por dia. Mas essa recomendação pode variar para cada pessoa e deve ser avaliada por algum nutricionista. O mel não é recomendado a menores de dois anos. Segundo o engenheiro de alimentos da Epagri Henrry Diniz Petcov, como o mel não passa por processo térmico, que reduz os micro-organismos, pode ter Clostridium botulinum, uma bactéria que causa o botulismo e que ataca o sistema nervoso central.
PRODUTOS DA ABELHA
A VIDA DEPENDE DELAS
Albert Einstein certa vez observou: “Quando as abelhas desaparecerem da face da Terra, o homem terá apenas quatro anos de vida”. Exageros à parte, elas têm uma função primordial no meio ambiente muito além da produção do mel. As abelhas respondem pela polinização de 75% dos vegetais no mundo. – Elas fazem a polinização de plantas que têm o pólen pesado, que o vento não consegue transportar, como é o caso de maçã, pera e ameixa – explica Ivanir Cella, da Epagri. As abelhas garantem 85% da polinização da maçã, por exemplo, uma das principais culturas da Serra e do Meio-Oeste catarinense. Por isso, há um trabalho conjunto dos produtores da fruta com apicultores, que alugam caixas de abelha entre agosto e setembro. Nessa época, cerca de 20 mil colmeias são levadas a regiões produtoras de maçã e ficam cerca de 15 dias no pomar. A atividade não ajuda na produção de mel, mas é uma fonte complementar de renda para os apicultores. Segundo o presidente da Faasc, Nésio Medeiros, a prática cresce no Estado, mas ainda é incipiente se comparada a outros países. No Chile e nos Estados Unidos as abelhas são criadas apenas para polinização.
97% do mel exportado em SC é orgânico
500 colmeias por produtor é a média no Sul do Estado
35 colmeias 
por produtor no Oeste
12% do mel no Brasil é produzido 
no Estado
MORTALIDADE AINDA É BAIXA EM SC O professor do Centro de Ciências Agrárias da UFSC Afonso Inácio Orth estuda as abelhas há 35 anos. Ele analisou períodos de elevada mortalidade dos insetos, como entre 2011 e 2012, quando apiários do Planalto Norte perderam cerca de 90% das colmeias. A morte dos insetos é frequente e ocorre em torno de 10% dos apiários, principalmente no inverno. Mas não é confirmada a associação dessa mortalidade com a chamada “síndrome do colapso das colmeias”, descrita nos Estados Unidos em 2005, em que abelhas adultas abandonam a colmeia. – Na última safra tivemos a perda de muitas colmeias, mas foi devido às condições climáticas, com muita chuva, que praticamente mataram as abelhas de fome, pois elas não podiam sair para visitar as flores e recolher néctar e pólen – explica. Segundo Invanir Cela, da Epagri, apesar de ser um inseto muito resistente, alguns cuidados são essenciais para evitar que os ninhos das abelhas diminuam drasticamente, como não submetê-las aos excessos de agrotóxicos, evitar perdas de pasto apícola e interferências no habitat.
A roupa especial protege das picadas e a fumaça é usada para espantar as abelhas enquanto as lâminas da colmeia são recolhidas
Diabéticos devem evitar o consumo de mel porque é composto de açúcares como glicose e frutose, que não requerem muitas transformações por enzimas no organismo, e podem gerar picos de glicemia.
A cristalização do mel é um processo natural e não significa que esteja velho. O processo é acelerado pela temperatura (próxima de 14°C) e pela origem floral (quanto maior a quantidade de glicose em relação à frutose, mais rápida a cristalização).
Embora o mel seja considerado produto de origem animal, é composto por néctar das flores, acrescentado de enzimas produzidas pelas abelhas.