PALCO DE VINGANÇA
E MORTES

REPORTAGEM

DIOGO VARGAS E JÚLIO ETTORE

EDIÇÃO

NATÁLIA LEAL E JACSON ALMEIDA

DESIGN E DESENVOLVIMENTO

CRIS MACARI

INFOGRAFIA

BEN AMI SCOPINHO

 

"NÃO É SÓ
UM TRABALHO
DE POLÍCIA"

O

embate entre facções rivais por território assusta a população de comunidades empobrecidas na Grande Florianópolis. Há mortes com requintes de execução, toques de recolher, tiroteios à luz do dia entre bandidos e com policiais, intimidações ou expulsões que mudam a rotina até durante cultos.

A polícia afirma que há uma guerra por domínio de pontos do tráfico entre facções rivais: o Primeiro Grupo Catarinense (PGC) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). A última, a maior e mais temida facção de São Paulo, investe forças em cobrir a lacuna no comando dos pontos de drogas antes chefiados pelo PGC e aberta pela prisão de lideranças do grupo nos últimos anos. Os conflitos começaram em Joinville, no Norte, em razão da proximidade com o Paraná, onde o PCC já domina o sistema prisional, e agora eclodem em Florianópolis e cidades vizinhas.

De fato, a criminalidade tem aumentado na Capital. Este ano, até outubro, foram 60 assassinatos, contra 36 no mesmo período de 2015. Já é o maior número desde 2013. Policiais e promotores especializados em investigar facções criminosas demonstram preocupação, ainda mais com a eminente batalha entre os criminosos rivais, uma conjuntura que fatalmente atinge inocentes.

Morador do Morro da Boa Vista, em São José, o pedreiro Roberto Carlos Padilha, 46 anos, se negou a obedecer uma ordem de traficantes para que deixasse a casa em que morava com a família. Foi executado no dia 22 de outubro com 18 tiros por cinco homens armados que invadiram a residência de madrugada. Dois dias depois, a mulher de Padilha voltou ao local com a família para buscar a mudança, desta vez escoltada por policiais. Ninguém foi preso. O Morro da Boa Vista fica no final da Avenida das Torres, próximo ao bairro José Nitro. Na região há nítida ausência de políticas públicas como ações sociais e de lazer. A praça do bairro, por exemplo, está totalmente abandonada e os bancos foram pichados com inscrições do PGC e do Comando Vermelho, uma das maiores organizações criminosas do país.

Na Chico Mendes, na parte Continental de Florianópolis, são constantes as trocas de tiros entre bandos rivais ou com a Polícia Militar. Este ano, são 12 assassinatos no bairro, como o de Evandro Jean Vieira, 24 anos. Executado no dia 2 de novembro com tiros de pistola 9mm, ele não tinha antecedente criminal.

 

TROCA DE TIROS E EXECUÇÕES EM PONTOS
MOVIMENTADOS ASSUSTAM E PREOCUPAM

O poder de fogo dos grupos criminosos também assusta. Investigadores suspeitam que fuzis estejam nas mãos de criminosos em morros como Mocotó e Costeira, na Ilha de Santa Catarina. Na manhã do dia 22 de outubro, um sábado, um avião monomotor de uma escola de aviação que havia saído do aeroporto Hercílio Luz foi atingido por um tiro em uma das asas. Tudo aponta que o disparo tenha partido de um desses lugares. Em junho, uma bala perdida acertou o prédio do Tribunal de Justiça de SC em plena tarde. Ali perto, instantes antes, havia acontecido uma troca de tiros entre traficantes e a PM no acesso à Rua Treze de Maio, no Morro do Mocotó. A bala atingiu a sala de um desembargador.

Acertos de contas do tráfico em pontos urbanos movimentados expõem ainda mais a violência. E preocupam. Na Costeira, um mesmo posto de combustíveis foi palco de duas execuções desde 2015. Na madrugada de 28 de outubro deste ano, um motociclista se aproximou e matou a tiros Valdecir de Souza, irmão do traficante Neném da Costeira, que cumpre pena em presídio federal no Norte do país. Em 2015, atiradores invadiram a loja de conveniência do mesmo posto por volta das 22h e mataram o gerente do tráfico na Costeira, Tiago Cordeiro, o Calcinha.

Essa realidade ameaçou explodir há três anos. Na série A Máfia das Cadeias, publicada em abril de 2013, o Diário Catarinense comprovou o começo do conflito entre as duas organizações criminosas no Estado. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que se trata de assunto sensível, com informações sigilosas, tratado no âmbito das instituições de segurança, a quem compete investigar esses grupos criminosos. A SSP ressaltou que esses grupos já foram objeto de inquérito policial com identificação, prisão e condenação das principais lideranças.

 

 

Assim como a facção catarinense, o PCC cobra de seus membros mensalidades e outros valores obtidos com a prática de crimes.

As quantias são revertidas tanto para ajudar os membros presos (advogados e visitas de familiares) como para comprar armas e drogas:

 

Cauteloso nas informações para não atrapalhar as investigações, o diretor da Deic, delegado Adriano Bini, garante que a Polícia Civil dará as respostas que a sociedade espera. Ele admite preocupação com a movimentação do PCC no Estado e a violência.

— Esse enfrentamento não é exclusivo da Grande Florianópolis, em Joinville isso já vem ocorrendo. Trata-se de disputa de território pelo controle do tráfico de drogas. SC é um Estado muito atrativo pela questão econômica. Foi feito enfrentamento bastante maciço contra a facção nascida aqui e, em razão disso, houve certa lacuna e foi possível o ingresso da facção criminosa de SP.

Bini aponta dificuldades com o temor da população em denunciar e colaborar com os investigadores. Na Deic há uma divisão especializada em repressão a organizações criminosas (Draco). Recentemente, a equipe foi reformulada e passou a ser comandada pelo delegado Antônio Seixas Joca, um dos policiais envolvidos na primeira força-tarefa contra o PGC em 2012 e que resultou na condenação das principais lideranças.

 

O norte da Ilha de SC tornou-se um dos palcos das mortes por confrontos entre facções desde o ano passado. Jovens e mulheres são as vítimas.

Símbolo de terror e para não deixar vestígios, o crime ao estilo microondas, em que o corpo é queimado envolto de pneus, fez mais uma vítima na comunidade Papaquara, no feriado de ontem. Quando os policiais chegaram ainda havia fogo no local, segundo o delegado Ênio Mattos. A suspeita é de que a vítima não seja de Florianópolis e que o crime esteja relacionado aos conflitos entre traficantes no local. O corpo ainda não havia sido identificado.

A matança no norte da Ilha poderia ser ainda maior não fossem a intervenção policial e as prisões de líderes do PCC no Estado. A Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) investigou os cabeças do bando, houve prisões e condenações. Moradores afirmam que mesmo assim o crime organizado segue impondo o medo.

Breno Gama da Silva, 20 anos, foi morto com 10 tiros há dois anos no Morro do Mosquito, na Vargem do Bom Jesus. O crime teria acontecido após uma desavença pessoal com um conhecido. Para a polícia, o assassinato ilustra a divisão e a rivalidade entre os criminosos. Após a morte, o PCC tramou eliminar os rivais do PGC. A polícia rastreou os investigados e evitou que mais pessoas fossem mortas. No mesmo dia do homicídio de Breno, membros da facção paulista fizeram conferência telefônica (leia, ao lado, a transcrição de trechos da conversa). A Deic ficou no encalço deles e abordou o grupo na casa de Eduardo Teixeira, o Kojac, antes de mais homicídios. No local havia 10 pessoas com rádios comunicadores, além de cartas da facção.

Num dos inquéritos sobre o PCC no Estado, mais de 35 mil ligações foram rastreadas pela Deic. No início, a investigação pretendia chegar aos membros do PGC, mas durante a apuração os policiais identificaram um núcleo do PCC. Muitos contatos eram de telefones usados por detentos em presídios como a Colônia Agrícola de Palhoça e unidades do Paraná.

– Isso aí é uma falta de gestão responsável da segurança pública, você permitir que uma pessoa que esteja dentro de uma penitenciária tenha acesso a um telefone celular e fique articulando em nome de uma facção criminosa com praticamente o país inteiro – critica o delegado Procópio Batista da Silveira Neto.

Nas mais de 3 mil páginas do inquérito, a Deic apurou a hierarquia do PCC. Houve suspeitas de corrupção envolvendo agentes prisionais do Paraná e facilitação da entrada de drogas e celulares por funcionários terceirizados. Nos depoimentos, testemunhas mencionam conversas entre criminosos sobre negociação de maconha, cocaína e crack, além de assaltos e mortes.

Assim como o PGC, o PCC faz conferências por telefone, nas quais repassa coordenadas e decisões. São as chamadas linhas vermelhas. A polícia tem dificuldade em acompanhar os planos e ações porque os criminosos trocam constantemente de aparelhos e usam cadastros falsos. “Usam os chamados celulares de estouro, ou seja, celulares de custo barato que são utilizados por um curto espaço de tempo e trocados para evitar a interceptação”, escreveram os policiais.

Os presos fazem conferências telefônicas praticamente todos os dias. Em cada ligação chegam a participar 20 membros da facção, espalhados por todo o Brasil. Nessas chamadas, eles definem estratégias, julgam as ações, cobram dízimos e rifas e autorizam o uso de drogas e armas. No PCC, a divisão de tarefas é extremamente rígida. Diferentemente do que acontece com o PGC, cada cargo tem responsabilidades bem definidas e cada um dos encarregados exerce suas atribuições na sua plenitude, sendo respeitado pelos demais.

 

CAÇADA A PRESO APÓS MORTE
DE MULHERES EM FLORIANÓPOLIS

A violência de facções também está por trás do assassinato de duas mulheres mortas a tiros na Vargem Pequena, em Florianópolis. Os corpos de Taís Cristina Vieira de Almeida, 18 anos, e de uma adolescente de 15 anos foram encontrados dentro de um carro em 18 de novembro de 2015. Segundo relatou a Delegacia de Homicídios na ação penal do caso que tramita na Vara do Tribunal do Júri, Taís convivia com um homem ligado ao PCC e ao tráfico na comunidade Papaquara, no norte da Ilha. Dias antes, ele viajou a Curitiba com um amigo para comprar armas. O homem não retornou a SC, apenas o amigo dele. Taís então passou a cobrar do amigo sobre o companheiro e marcou um encontro com ele, levando junto a adolescente. No dia seguinte, as duas foram encontradas mortas. A polícia prendeu o homem e o indiciou pelas mortes. Policiais afirmam que integrantes do PCC estariam caçando o preso para vingar os assassinatos das mulheres.

A Polícia Militar foi procurada por meio do centro de comunicação social para se manifestar sobre os conflitos entre facções, mas até o fechamento da edição não havia se pronunciado.

 

 

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A presença da facção paulista e o consequente “batismo” de novos integrantes geram ordens de mortes pelo PGC dentro e fora das cadeias:

Nos últimos anos, o promotor do Ministério Público de Santa Catarina Wilson Paulo Mendonça Neto tem tido papel importante ao lado de investigações policiais complexas.

Foi assim em Joinville e depois na Grande Florianópolis,

onde atua. Para ele, o combate às facções criminosas está longe de ser um trabalho apenas da polícia: é também do poder público, ao levar educação integral, saneamento e melhorar as condições de habitação nas comunidades, para que o Estado não perca o lugar para o crime organizado. Confira os principais trechos da entrevista:

Por que continua cada vez mais forte a violência entre facções criminosas na Grande Florianópolis?

Existem diversas investigações e processos judiciais que já ocorreram sobre isso, de diversos locais, vários grupos, mas, infelizmente, ainda que se atue forte, elas tendem a se reestruturar e voltam a atingir Santa Catarina e esses lugares específicos.

 

Na Grande Florianópolis há mortes, tiroteios entre grupos rivais. O que o mapeamento aponta até agora?

Existe a chegada de um novo grupo criminoso em Santa Catarina. Isso é bem forte na região da comunidade Chico Mendes com a Novo Horizonte (parte Continental de Florianópolis). Existe ali uma disputa muito grande de poder entre as facções e isso acaba resultado em vítimas fatais. Também há problemas no Morro do 25, no Morro do Horácio.

 

Por que a escolha dessa facção por SC?

São novas áreas de atuação. Eles vêm tomando espaço em outros locais e SC também foi escolhida, principalmente em relação ao tráfico, que ainda é bastante lucrativo. Cada vez que se tira um traficante, rapidamente ele é substituído por outro traficante. Existe um grande número de adolescentes envolvidos, muitas vezes acreditando na impunidade, dando apoio, guarida, sendo fogueteiro. Há necessidade de uma reforma no Estatuto da Criança e do Adolescente, um certo endurecimento.

 

Qual é o grau de organização dessa nova facção criminosa em SC?

Essa facção está bem estruturada e muito organizada. Da mesma maneira que o PGC, ela tem uma divisão de tarefas entre seus membros e foca, principalmente, no tráfico de entorpecentes.

 

Que ações estão faltando para levar paz a essas comunidades que já são tão castigadas economicamente?

Não há só necessidade de investimento em política criminal. Há inúmeras investigações em curso. Acontece que também tem de se investir em educação, habitação, investir em segurança preventiva de forma a controlar a incidência desses crimes. Não é só um trabalho de polícia. Visitei algumas áreas. Existe um afastamento muito grande do poder público. Há necessidade de políticas públicas, de levar educação integral, saneamento. A maior parte das pessoas que vivem lá são boas, mas infelizmente há um número pequeno (de pessoas) que se aproveita das carências para instalar ali o crime e as organizações.

 

E a facilidade, no sistema prisional, de os presos terem celulares. Que ações devem ser tomadas?

Há necessidade de se proibir o uso de celular, uso de câmeras e microchips. Grande parte dos presos comenta das deficiências no sistema prisional, então grande parte das reivindicações vêm daí.