Gaudí

Vida e obra

Inspiração

no grande livro

da natureza

Para Gaudí, não havia razão das formas serem retas, se no meio ambiente tudo é curvo. Ao observar o entorno, desenvolveu uma estética moderna única, que marcou a cidade de Barcelona e transcendeu o tempo

Anatureza é onde o ser humano se sente melhor. E na natureza não há linhas retas. Se Deus, como dizem, continuou sua criação pelo homem, Antoni Gaudí (1852-1926) buscou ser digno desse ato ao elevar o concreto à grandeza das formas orgânicas. Até hoje, 90 anos depois de sua morte, é chamado de inventivo e ousado porque nada mais fez do que observar o entorno: ele não inventou nada, estava tudo pronto. Apenas teve coragem de procurar.

Gaudí, Barcelona 1900, exposição inédita no Brasil, apresenta no Museu de Arte de Santa Catarina (Masc), em Florianópolis, o universo artístico de uma época e os processos de criação de um arquiteto que instaurou uma estética moderna única, que marcou definitivamente a cidade de Barcelona e transcendeu o tempo.

Em busca da verdade absoluta e da beleza mais autêntica, Gaudí encontra resposta na forma das flores, na geometria das ondas e das montanhas, na curva imperfeita das plantas e na estrutura das árvores, com seus troncos, galhos, frutos e animais que coabitam o mesmo espaço. Ainda que tenha projetado apenas 17 obras em 48 anos de carreira, cinco das quais foram, de fato, concluídas quando ainda vivo, o que faz dele tão singular não é a quantidade, mas a complexidade de seu legado.

– A natureza tem solução para tudo. Você só tem que encontrar. Os planos octogonais, não. São artificiais. Ele dizia: ‘não invente soluções, mas observe como a natureza se organiza. Uma árvore aguenta todas as folhas. Como eu faço em pedra esse organismo?’ – explica um dos curadores da mostra, o pesquisador de história da arte Raimon Ramis.

Na medida em que se conhece melhor a natureza, vê-se que Gaudí não estava equivocado. Até porque suas obras continuam – e muito bem – de pé.

Gaudí é filho de um tempo. Sua evolução como arquiteto reflete  claramente a história social e artística da Catalunha da virada do século 19 para o 20. Na época, Barcelona começava a crescer para além das velhas muralhas para se transformar numa das mais estonteantes cidades da Europa. A cidade vivia o êxtase da prosperidade, graças aos efeitos da revolução industrial. A burguesia ostentava o luxo e financiava as artes, como poucas vezes se fez.

Protótipo da nave (cobertura da igreja)
da Sagrada Família, inspirado
na copa de uma árvore

No fim da vida, abriu
mão da riqueza mundana

Gaudí beneficiou-se dessa bonança. Graças ao olhar visionário de Eusebi Güell (1846-1918), rico empresário que investiu no arquiteto, Gaudí deu vasão à criatividade em projetos cujas cifras são difíceis de traduzir em valores atuais. Foi, no entanto, uma figura contraditória. Se viabilizou o luxo alheio com suas ideias, ele, ao contrário, gozou da simplicidade, principalmente no fim da vida. Chegou a dizer que riqueza não está ligada a bens materiais, mas à dignidade das pessoas.

– Ele se afasta dos amigos e vira quase um ermitão. Vive sozinho, às voltas com pesquisas e à construção da Sagrada Família. A partir de 1914 até o ano de sua morte, em 1926, dedica-se com exclusividade à construção. Ele se aproxima cada vez mais da religião e da clausura. Faz votos de ficar sem comer e abraça a sacralidade da pobreza –diz Priscyla Gomes, pesquisadora do Instituto Tomie Ohtake, instituição parceira da mostra.

O episódio de sua morte, aliás, é emblemático do quanto abdicou da vida mundana. Em 17 de junho de 1926, um bonde o atropelou quando caminhava pela rua. Velho e mal vestido, foi confundido com um mendigo. Taxistas recusaram-se a levá-lo ao hospital e o auxílio médico tardou. Morreu três dias depois. O corpo foi enterrado na Cripta da Sagrada Família, a única parte do templo que ele viu construir junto à Fachada do Nascimento.

“Se a natureza é um feito do Criador e as formas arquiteturais derivam da natureza, isto significa que o trabalho do Criador estará sendo continuado.”

Antoni Gaudí

Esqueleto de uma serpente, inspiração para os estudos estruturais de
Gaudí para a construção de arcos

A adoração

pela natureza

Quando menino, Gaudí teve uma doença reumática que o impediu de brincar com outras crianças e o obrigou a passar muitos dias na casa de campo da família. Foi então que aprendeu a contemplar as formas naturais, já que não podia experimentá-las fisicamente, e desenvolveu um modo particular de interpretar a luz e o
mundo à sua volta.

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Gaudí fez estudos estruturais
com cordas e pesos para modelar os arcos da Sagrada Família

Um arquiteto

nada usual

A principal característica de Gaudí é o trabalho com formas volumétricas. Diferente de outros arquitetos, não começava um projeto a partir de desenhos e cálculos, mas a partir do volume. Diziam que ele era mais escultor do que arquiteto, porque
modelava a ideias antes de
executá-las.

Gaudí projetou
17 obras
em
48 anos
de carreira.
Apenas
5
foram concluídas quando ainda vivo,
o que faz dele tão singular
não é a quantidade,
mas a complexidade.

OPINIÃO

Marcos Jobim,
Arquiteto

"Ver a obra de Gaudí em Florianópolis é uma experiência inusitada que permite uma reflexão sobre a capacidade que a arquitetura tem de representar uma sociedade criando uma identidade local."

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Muda-se para a casa-modelo do Parque Güell, onde vive quase 20 anos. Em 1963, foi transformada na Casa-Museu Gaudí.

Decide deixar todos os projetos em andamento para dedicar-se apenas à obra da Sagrada Família.

Em 7 de junho de 1926 é atropelado por um bonde. Idoso e vestido de forma simples, foi confundido com mendigo. Morreu três dias depois no hospital. O cortejo fúnebre percorreu a cidade até a Sagrada Família, onde seu corpo foi enterrado na cripta.

 

1906

1914

1926

Nasceu em 25 de junho em Reus, a 92 quilômetros de Barcelona, na Espanha.

Elabora o projeto de El Capricho, entre 1883 e 1885, assim como a propriedade e o Palácio de Güell.

Filho de um latoeiro, começou no mundo dos artesanatos na oficina do pai, aos oito anos.

Já formado, começa a projetar de acordo com um estilo Vitoriano. Desenvolveu uma maneira de compor por meio de justaposições de massas geométricas, até aí nunca usadas, cujas superfícies eram animadas com pedra ou tijolo modelado, painéis cerâmicos de cores vivas e estruturas de metal utilizando motivos florais ou repteis. Conhece Eusebi Güell, empresário e principal financiador de suas obras.

Obra no Palácio Episcopal de Astorga.

À exceção de alguns edifícios em que é clara representação simbólica da natureza ou da religião, os edifícios de Gaudí se transformam em representações da sua estrutura e dos materiais que os constituem.

Assume a renovação da Casa Batlló, com transformação na fachada e espaços internos, desenvolveu iluminação e ventilação natural, adicionou dois andares e remodelou o terraço.

Desde criança mostrou interesse pela arquitetura. Mudou-se para Barcelona, então centro político e intelectual da Catalunha e cidade mais moderna da Espanha.

Projeta a Casa Vicens, construída em estilo Mudéjar – mistura especial da arte muçulmana com a cristã.

Obra em estilo barroco na Casa Calvet, em Barcelona.

Projetou a Casa Milà – edifícios são metáforas da paisagem montanhosa e marítima da Catalunha. O imóvel é conhecido hoje como La Pedrera e é Patrimônio Mundial da Unesco.

Ingressa na Escola de Arquitetura e trabalha como assistente em estudos de arquitetos e oficinas de carpintaria, vidraçaria e serralheria. Estudante regular, destacava-se em projetos, desenho e cálculo.

Assume o projeto do Templo Expiatório Sagrada Família e toca a obra junto com outros trabalhos. Até então, era uma catedral neogótica na qual fez profundas transformações. Trabalhou por 43 anos no templo, até a sua morte em 1926.

Começa a construção do Parque Güell e da igreja da Colonia Güell. Reflete a plenitude artística de Gaudí, com referências de sua fase naturalista. Em 1984 foi classificado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.

Antoni Gaudí:

vida e obra

1852

1878

1883/ 1885

1860

1887/  1893

1902

1868

1878/ 1880

1898/1904

1904/ 1906

1873

1883

1900/ 1914

1905/ 1910