Do sonho do estaleiro

ao pesadelo da incerteza

Um dos locais mais procurados pelo joinvilense nos fins de semana, Vigorelli é um dos símbolos das polêmicas das ocupações na cidade

A fatia de terra às margens da baía da Babitonga, no bairro Cubatão, em Joinville, batizada de Praia da Vigorelli,  perdeu as características originais de mangue na década de 1970, quando a economia se desenvolveu e deu início à exploração industrial na cidade. Foi nesta época que a empresa Procópio Gomes de Oliveira Incorporadora S/A (Progisa) obteve a concessão da área da União e iniciou, em 1979, a operação do estaleiro Vigorelli.

Embora o empreendimento não tenha vingado, a empresa supostamente manteve uma escola de dragagem que retirou areia do rio Palmital até os anos 1980. Segundo consta nos autos do processo que julga a ocupação irregular da Vigorelli, a empresa abriu um canal artificial e todo o material da escavação foi depositado no local. Assim, teria surgido o aterro sobre a área que alcançou sete hectares e chamou a atenção de pessoas que perceberam ali uma oportunidade de ocupação.

A primeira família teria se instalado na Vigorelli no mesmo ano em que a empresa iniciou a operação no local. Vinte anos depois, eram aproximadamente 150 construções (entre casas, abrigos para embarcações e comércios). Hoje, a área possui 110 ocupantes e cerca de 200 construções.

A primeira notificação sobre a ocupação irregular da área de preservação permanente (APP) chegou ao Ministério Público Federal em 1992, na época do prefeito Luiz Gomes (extinto PDS). Sete anos mais tarde, em 1999, o MPF ajuizou ação civil pública contra a Prefeitura, a União e o Ibama solicitando fiscalização, retirada das construções e recuperação ambiental. Na época, a gestão municipal pertencia a Luiz Henrique da Silveira (PMDB) que assumiu após Wittich Freitag (extinto PFL). Segundo a ação, o município já havia providenciado a conservação da estrada e linhas de ônibus, o que dificultava a retirada das famílias.

Mais 14 anos se passaram até que, em 2013, o juiz federal Roberto Fernandes Junior sentenciou os três órgãos a promoverem regularização fundiária, urbanística e ambiental, mas com ressalvas. A sentença permitiu apenas a permanência dos pescadores artesanais. Os demais moradores e comerciantes deveriam sair.

Em resposta à ação, a Prefeitura alegou que a responsabilidade da exploração era da Progisa e que a fiscalização deveria ser competência da União. A empresa, por sua vez, disse que estava tomando providências para evitar invasões e degradações e propôs ação de reintegração de posse. A União alegou que a empresa detinha a ocupação da área e que o Poder Judiciário não tinha competência para “assegurar a efetivação e a melhoria na prestação do serviço público”.

NA JUSTIÇA

Documentos falam da não consolidação do projeto do estaleiro, de ocupação e determina regularização de interesse social

LINHA DO TEMPO

Negociação identifica quem pode ficar

 

Segundo a gerente de assistente social da Secretaria de Habitação, Marcela Bona, a sentença ainda não foi cumprida porque a Prefeitura quer negociar com o judiciário a permanência dos moradores que tiram a sua subsistência na região e contribuem para o trabalho da pesca e da venda do peixe, por exemplo. O objetivo é retirar apenas os veranistas e evitar um impacto social ainda maior.

Pelo mesmo motivo, o município deixou de cumprir um termo de ajustamento de conduta firmado no ano passado com o Ministério Público Federal que previa a ligação formal de água e instalação de energia elétrica (hoje, a energia funciona por meio de gerador).

O MPF, por sua vez, aguarda o levantamento para encontrar uma solução e finalizar o processo judicial.

– O próximo passo é fazer um termo de ajustamento de conduta, caso a Prefeitura e o MPF cheguem a um acordo, a fim de regularizar a região e finalizar o processo judicial – diz o procurador da República, Mário Sérgio Barbosa.

Um projeto desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento da Prefeitura (Ippuj) prevê a realocação das moradias de forma ordenada, recuo de 30 metros dos restaurantes às margens da Baía da Babitonga e benfeitorias turísticas próximas à margem. De acordo com o último levantamento de 2015, há 32 moradores, 28 veranistas, cinco comerciantes, 38 moradores/pescadores e sete moradores/comerciantes.

Enquanto não tiver uma resposta definitiva sobre quem fica, não tem previsão de quando sai a regularização”.

 

Marcela Bona, gerente de assistência social da Secretaria de Habitação de Joinville

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Mapa da área

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O que diz a Prefeitura

 

Secretarias de Meio Ambiente e Habitação

 

O secretário Juarez Tirelli, da Secretaria do Meio Ambiente, afirma que a intenção da Prefeitura é manter o maior número de moradores, com exceção dos veranistas.

– O que não temos dúvidas é que veranistas têm que sair. Mas o nosso questionamento é o comércio, porque não adianta ter o pescador e não ter pra quem vender o peixe. Nós somos favoráveis que os empreendimentos turísticos estabelecidos permaneçam porque eles é que dão a sobrevida para a região que vive da pesca.

A gerente de assistência social da Secretaria de Habitação, Marcela Bona, garante que o levantamento social dos moradores já foi encaminhado ao Ministério Público Federal e que a secretaria aguarda o posicionamento do órgão fiscalizador.

– Foram feitos vários estudos pelo Ippuj. Nunca se projetou a realocação porque sempre ficou nessa discussão de quem realmente poderia ficar. Enquanto não tiver uma resposta definitiva sobre quem fica, não tem previsão de quando sai a regularização.

Dilema de Maristela resume a indefinição

 

Se a sentença de 2013 tivesse sido cumprida, a comerciante Maristela Tartara, 48 anos, estaria dividida entre o casamento e o trabalho, pois a decisão judicial permitia apenas a permanência dos pescadores artesanais. Dona de um dos restaurantes às margens da baía e moradora da Vigorelli há 23 anos, Maristela é mulher de pescador. O peixe que o marido pesca é vendido no estabelecimento dela, de onde a família tira o sustento.

A comerciante conta que comprou o estabelecimento de terceiros. Na época, havia apenas um fogão. Ela levou um freezer e a partir daí foi melhorando as condições do restaurante que hoje conta fogão industrial, mesas novas e mais espaço.

– Como eu vou me separar do meu marido, ele fica e eu vou embora? O que vai acontecer com o pescador e o comerciante? A gente quer uma resposta.

Ainda que a sentença não tenha sido cumprida, a indefinição judicial deixa Maristela e os demais moradores apreensivos. Além disso, eles precisam viver à base de gerador de energia e sem condições básicas de infraestrutura.

– Quem trabalha na Vigorelli sabe a luta que é isso aqui. Nós queremos cuidar da natureza também porque sem a Vigorelli nós não somos ninguém. Mas precisamos de ajuda, de lixeira pra colocar o lixo correto, saneamento básico e energia elétrica. Não é fácil viver só com gerador. No verão é complicado porque corre o risco de estragar a comida e o calor em si é muito intenso. Então, a gente queria que olhassem um pouquinho essa parte.

Comerciante na Vigorelli, Maristela, segundo o levantamento, teria de sair. O marido, pescador, poderia ficar