ENTREVISTA | IVETE APPEL DA SILVEIRA

Dor e lembranças

Seis meses após a morte de Luiz Henrique da Silveira,

viúva do senador revela, em entrevista exclusiva

ao jornal “A Notícia”, os acontecimentos do dia do

falecimento e como reage à perda repentina do marido

m uma manhã chuvosa, fui recebida por Ivete Appel da Silveira, viúva do senador Luiz Henrique da Silveira, em seu apartamento, em Joinville. Cheguei antes do horário agendado. Fui anunciada pela portaria do prédio e subi para o encontro. A própria Ivete abriu a porta e me cumprimentou com um abraço fraterno. Sempre muito elegante e educada, deixou-me à vontade.

Na sala ampla, com muitas obras de arte e velas perfumadas acesas, vários porta-retratos com Luiz Henrique e familiares davam o tom da bela decoração. No ambiente de jantar, o balcão estava arrumado com café, água e alguns petit fours.

A filha Márcia Mell e o marido Ronaldo Espíndola acompanharam a entrevista. Ivete aceitou falar comigo sobre o momento de luto, de dor e de ausência do marido após seis meses da sua morte, ocorrida em 10 de maio. Tranquila, ela relembrou os momentos marcantes dos 51 anos de convivência – 48 de casamento – ao lado de Luiz Henrique.

Texto

Adri Buch

adribuch@an.com.br

 

Edição

Jean Balbinotti

 

Imagens

Rodrigo Philipps

Arquivo pessoal

Leo Munhoz

 

vídeo

Rodrigo Philipps

 

design

Juliano de Souza

E

O marido, o pai e o avô

 

– O Luiz Henrique sempre foi um marido, um pai, um avô presente e carinhoso. Os filhos queriam o pai em casa e ele arrumava uma brecha na agenda para passar em casa, ver os filhos, saber como estavam, dar um abraço, dar um carinho. Se não conseguia, ligava várias vezes. Sempre foi um pai muito amoroso. Com os netos, mais ainda. Como eu digo: avôs são pai e mãe com açúcar. Tanto que ele escreveu um artigo sobre “netoterapia”. Ele sempre foi um avô presente, que gostava de curtir os netos. Na praia, adorava andar de pedalinho com os netos. Certa vez, quando foram a uma fazenda no Carnaval, o avô puxava os netos em um cavalo, sempre curtindo cada momento. Na praia, brincavam juntos com pranchas de surfe, aquelas pequenas, tanto com os netos quanto com o filho Claudio. Quando o Luiz Henrique era prefeito de Joinville, o Claudio não deixava o pai cumprimentar os outros, de tão grudado que era. Pegava na mão dele e não largava.

 

 

 

Amigo dos amigos

 

– O Luiz Henrique sempre foi amigo dos amigos. Gostava de preservar essas amizades. Quando estava em casa de noite, ligava para saber de um ou de outro. Ligava para amigos em Brasília, para amigos em Joinville. Ligava para o meu irmão, para os familiares. Se tinha uma pessoa doente, ia visitar no hospital. O Luiz Henrique era uma pessoa especial. Olha, é difícil encontrar uma pessoa igual a ele. Não sei se existe.

 

 

 

Rotina e hábitos

 

– Ele acordava sempre cedo e tomava uma vitamina. O café da manhã era uma vitamina. Depois, colocava o agasalho e saía para caminhar. Esse era o hábito dele. Em Brasília, caminhava nas ruas, entre as árvores. Eu, às vezes, caminhava com ele. Observava os diferentes tipos de pássaros e comentava comigo. Na praia, caminhávamos na areia. Aqui em casa, também caminhávamos até dentro da piscina. Todos os dias, ele caminhava. Por isso, nunca poderia imaginar que aquela falta de ar que ele teve poderia ser um infarte. Era um homem que se cuidava, que tomava vitaminas, que tinha uma pressão arterial de 12 por 8 (considerada normal). É uma coisa que não dá para entender!

 

 

 

Projetos, ideias

e articulações

 

– Quando ele tinha ideias, projetos, ligava para os amigos. Não digo que ligava às 3 horas da manhã, mas às 11 horas da noite ou no outro dia bem cedo, ligava:. “Temos que fazer isso, pensei nisso, tive a seguinte ideia”. O Luiz Henrique se realizava. Eu posso dizer que ele tinha uma visão de futuro. As ideias, projetos e articulações compartilhava comigo e eu dava a minha opinião. Não em tudo, é lógico.

 

 

 

Livros

 

– Ele era um homem que lia muito, um homem de muitos livros. Não vou dizer que na cabeceira dele tinha quatro ou cinco livros. Era assim: na pasta, tinha um livro que quando estávamos vindo ou indo de Brasília, de avião, ele lia. Tinha um livro em Joinville e outro  na praia. Sempre estava lendo, se atualizando. Por meio da internet, se conectava com o mundo.

 

Visão de futuro

 

– Acompanhei o Luiz Henrique em todas as viagens, desde o começo da carreira dele. Ele era muito convidado para dar palestras. Lembro que, no início, quando era prefeito de Joinville, já falava sobre a reforma tributária, que só hoje os deputados e senadores estão falando e debatendo. E o Luiz Henrique, naquela época, acho que por volta de 1974, já falava sobre isso em suas palestras. Sobre a divisão de recursos e outras coisas. Uma parcela maior para os municípios, um terço para o Estado e menos para o governo federal. Porque, para ele, é o prefeito que sabe administrar, que sabe o que precisa e que está mais perto do povo. Sabe das ruas que precisam ser asfaltadas, onde deve ter escola, creches, como cuidar da saúde. Isso eu ouço há mais de 40 anos e, até agora, nada foi feito. Mas tenho fé, tenho esperança, de que os meus netos – não os filhos – possam ver um Brasil melhor. Tenho viajado e vejo que cada país tem alguma coisa, e nós temos tudo. Deus irá olhar e nos ajudar. Porque vemos todas essas tragédias, com enchentes, temporais as pessoas sofrendo, perdendo tudo. As pessoas choram, secam as lágrimas e dão a volta por
cima, reconstroem. Por isso, acredito no nosso País. O nosso povo é muito trabalhador. A única coisa é que tem que melhorar muita coisa lá em cima, em Brasília.

 

 

 

Articulações e

derrota no Senado

 

– Haviam dez ou 12 senadores que se reuniam sempre e conversavam com seus amigos ou aliados pedindo voto para o Luiz Henrique. No dia 1º de fevereiro, um domingo, pela manhã, o Luiz estava para ganhar (a eleição para a presidência do Senado) por dez ou 12 votos. Só que aí, o ex-presidente Lula entrou em ação, juntamente com a presidente Dilma, e viraram o jogo. Essa foi uma grande decepção para ele porque muitos senadores que iriam votar nele, na hora H disseram não. Eu notei ali a grande decepção da vida dele. Não da derrota política, mas a decepção com as pessoas. O Luiz era uma pessoa de palavra. A palavra bastava, não precisava escrever. Se alguém diz que sim, é sim. Ali, eu disse a ele: “Luiz Henrique, quem sabe isso foi melhor para ti, na conjuntura atual da política, talvez tenha sido melhor pra ti”. Ele disse: “Também acho!” E ficou por isso mesmo. Mas foi uma decepção muito grande para nós.

 

 

 

O legado

 

– O Luiz Henrique já teve um instituto com o nome dele que nós estamos pensando em reativar. Para mim, ainda está muito difícil pensar nisso. Vou deixar para o próximo ano. Conversei com os meus filhos e eles concordaram. É muita coisa para mim. Ainda sinto muita dor, muito sofrimento. Tanto que deleguei tudo ao Claudio, meu filho, e aos nossos advogados. Não tenho cabeça, nem condições para pensar nisso. Vamos dar tempo ao tempo. Tanto que o que veio de Brasília está tudo encaixotado. As coisas do escritório levaram para uma sala do PMDB. Eu não vi nada. Não consegui entrar no escritório dele depois que ele faleceu. Fui a Brasília para a missa de um mês de falecimento que o Senado realizou. Também estive na homenagem do Congresso e aproveitei para fazer a mudança do apartamento. A única coisa que fiz foi ir na nossa suíte em Brasília para pegar os meus pertences e os dele, o que tinha no nosso quarto. O restante das coisas, o Geraldo, nosso motorista, que trabalha conosco há quase 20 anos, e a Lúcia, que trabalha comigo há 19 anos, cuidaram de tudo. Eles que coordenaram toda a mudança. Depois da missa, fui dormir em um hotel. Não quis ficar no apartamento e ver a mudança. Também não vi ela chegar lá em casa, pois fui para o meu apartamento em Itapema e me isolei. E quando saiu a mudança, lá da casa, do (bairro) Boa Vista para cá, também saí. Fui a Campos Novos para a inauguração de uma biblioteca, belíssima por sinal, de cinco andares, na qual o prefeito Nelson Cruz colocou o nome de governador Luiz Henrique da Silveira. Ele fez questão de usar governador. Não quis colocar senador, pois acredita que o Luiz Henrique esteve lá por mais de 60 vezes. Uma biblioteca que é um exemplo, é maravilhosa. Acho que não tem outra igual no Estado. Fui mais duas ou três vezes lá na casa do Boa Vista, mas não aguentei. Fui muito feliz na minha casa, onde vivi por 19 anos. Eu e ele estamos em cada canto da casa. A nossa história está em cada quadro, em cada porta-retrato, em cada detalhe. Foram muitos Natais, muitas festas, só momentos bons. O pior momento foi o último Dia das Mães, quando o perdi. Depois disso, não quis mais ficar lá e pretendo vender a casa.

 

 

 

Compromissos e homenagens

 

– Eu cuido da minha agenda e tenho ido somente às homenagens. Fui em um único evento político, em Joinville, porque estavam prestando uma homenagem a ele. Não quero me envolver com política, não penso em me envolver em nada politicamente. Penso que a minha parte eu já fiz, já contribui. Mas são muitas homenagens ao Luiz Henrique, muitas mesmo. A minha cunhada, às vezes, diz: “Ivete, não vai!”. Mas eu penso: ele fez tanta coisa, as pessoas estão fazendo como um agradecimento. Não ir é negar ao Luiz Henrique. É duro pra mim, é difícil. Fizeram o selo, trouxeram aqui em casa. Isso tudo mexe tanto. Eu procuro ser forte, tenho muita fé em Deus, rezo muito. Leio muito os Salmos. Hoje em dia, não estou conseguindo ler um livro, uma revista. Não consigo me concentrar. Então, leio um Salmo. É muito difícil! Às vezes, guardo uma coisa, daí não lembro mais. O Arthur (neto) tem passado as noites comigo.

 

 

 

Amigos depois da morte

 

– Tenho muitos amigos que me dão apoio. Muitos! Mas nem tantos como quando ele era vivo. Os verdadeiros amigos a gente conhece, a gente sente. Mas existem os conhecidos. É bem diferente e eu sei distinguir. E não é de agora, é desde muito novinha, lá com os meus 30 anos, quando o Luiz Henrique ainda era prefeito.
Quero deixar bem claro que eu sei distinguir
quem é amigo há mais de 30 anos. Amigo é
aquele que me telefona e que diz: “Você está precisando de alguma coisa? Está em casa? Vou passar aí para tomar um café contigo”. Esses, sim, são meus amigos.

Vamos dar tempo ao tempo. Tanto que o que veio de Brasília está tudo encaixotado. As coisas do escritório levaram para uma sala do PMDB. Eu não vi nada. Não consegui entrar no escritório depois que ele faleceu.

"

Poeta

 

– O Luiz era um poeta, um compositor. Compôs duas músicas: Canto de praia e O monge tibetano. Muitas vezes, em seus discursos, falava uma bela frase, uma poesia. Se preparava para isso. Em alguns eventos e cerimoniais longos, muitos diziam: “ainda falta o discurso do governador”. E ele chegava e brilhava, era aplaudido de pé, porque sabia falar. Ele tinha paixão. A música O monge tibetano, Luiz Henrique fez para o filho da Márcia, o Arthur, quando ele tinha quatro anos de idade.

Saiba mais clique na imagem

A obra literária

 

– Nesta segunda-feira, finalmente será feito o lançamento do livro dele com a dedicatória. Ainda bem que ele deixou a dedicatória para mim. É um livro para ler sobre uma mesa. Ler esse livro na cama não dá. São muitas páginas, é um peso. O livro chama-se Quarentage, tem 1.295 páginas e será lançado no Instituto Juarez Machado. A capa foi feita pelo próprio Juarez.

 

 

 

Joinville

 

– O Luiz Henrique amava Joinville. Amava estar aqui, fazia tudo por essa cidade. Por isso, fiz questão de enterrá-lo aqui em Joinville, pela paixão que ele tinha por essa cidade.

 

 

 

Véspera da morte

 

– No sábado (dia 9 de maio), estávamos em Itapema. Fomos para lá porque ele estava com uma bota ortopédica. O pé dele estava quebrado e ficava difícil se locomover na casa em Joinville, devido às escadas. Fizemos um almoço superagradável, tomamos vinho, conversamos muito e rimos. Tudo em clima de festa. Coloquei a melhor louça, preparei uma mesa linda. Como ele tinha compromisso em Joinville na segunda-feira – consulta médica e precisava fazer um raio-X para ver se já poderia tirar a bota –, para depois seguir para Brasília, eu aconselhei: “Vamos no domingo para Joinville, assim a Márcia não precisa vir nos buscar. Mas tem que prometer uma coisa: você almoça, sobe para o quarto e descansa, lê, vê televisão. Se chegar alguém, eu peço para subir. À noite, eu levo o seu jantar no quarto.” Ele concordou. Tudo que eu falava, quando ele estava com o pé quebrado, ele concordava. Eu repetia o tempo todo, se cuide! Pedia para que usasse a cadeira de rodas, o andador.

 

 

 

Almoço do Dia das

Mães e a morte

 

– Chegando em Joinville, o ajudei a ir até a poltrona vermelha da sala e o deixei com o meu neto, o filho da Márcia, o Arthur, de 18 anos .
Fui até a cozinha determinar o almoço. Estava sempre me revezando entre a cozinha e a sala. Perguntei se ele queria beber algo. Disse que não. Eu falei então: “Que tal um vinho do Porto?”
Ele disse que era uma boa. Procurei, procurei e levei o vinho. Ele disse: “De onde é esse vinho do Porto? Não sabia da existência desse vinho do Porto!” Eu disse que era da adega velha, que ficava embaixo da escada, uma adega antiga da casa. Abri, servi para ele, para o Arthur e me servi. Brindamos, me sentei, conversamos mais um pouco. Depois almoçamos e ele estava bem. Pedi para que o Arthur e o Ronaldo o ajudassem com
as escadas. E eu ajudando e segurando-o por trás na camiseta. Ele parou, se virou e disse: “Essa Ivete não deixa eu me virar sozinho. Não viu o que o médico falou, que essa semana eu podia pisar o pé no chão.” Fiz sinal para os dois irem atrás dele e ficarem atentos. Quando estava quase terminando de subir a escada (faltavam cinco degraus), ele parou. Passei por todos, segurei e disse: “Traz o andador.” Ele estava ofegante. Pensei que era por causa das escadas, do esforço, por causa da bota, que era pesada. Não imaginava que poderia ser o coração.

 

 

 

Os últimos momentos

 

– Pedi para trazerem a cadeira de rodas e, quando olhei para ele, estava suando muito no rosto. Chegando no quarto, ele pediu para ir ao banheiro. Eu o ajudei. Fui fechar a janela da sacada e quando o vi, estava com as pernas bambas. Pensei que era fraqueza. O segurei e disse para não desmaiar, que eu não ia conseguir segurá-lo. Chamei por socorro. Eles me ajudaram e o colocamos no banheiro, depois na sacada,
pois ele queria ar. Peguei uma revista e comecei abanar. Ele ainda disse: “Isso é bom!” Foi tudo muito rápido. A Márcia já tinha ligado para os médicos e, em dez minutos, o Samu estava lá em casa. Os meus sobrinhos médicos também estavam lá. Falta de assistência não foi. Foi fulminante. Na garagem, vi quando o Samu
tentou reanimá-lo, as primeiras manobras.
Mas depois me tiraram de lá e não vi mais nada. Fui de carro para a Unimed, seguindo a ambulância. Minha sobrinha ia informando o
que estava sendo feito.

O Luiz Henrique amava Joinville. Amava estar aqui e fazia tudo por essa cidade. Por isso, fiz questão de enterrá-lo aqui.

"

A família sempre foi a base de tudo para Luiz Henrique da Silveira. Nos álbuns de fotos, ele esbanja felicidade ao lado da mulher, dos dois filhos e dos três netos. Abaixo, vereadores de Joinville e deputados estaduais o homenageiam, após a sua morte, com a criação de um selo comemorativo.

Compartilhar