A força da torcida azurra

Viviane Bevilacqua | viviane.bevilacqua@diario.com.br Guto Kuerten

Tempo para curtir

Vida de mulher casada, que tem filhos para criar, marido para olhar e que ainda trabalha fora, não é nada fácil. O tempo para os próprios divertimentos é escasso. E muitos sonhos e projetos ficam para depois.

Para a palhocense radicada em Florianópolis Nezi Brina Furlani, este "depois" chegou em 2002. Todos os quatro filhos criados; marido (o promotor público José Jayme Furlani) aposentado, e ela também já dispensada do trabalho que exerceu durante mais de 30 anos como funcionária pública, chegou a hora de dedicar-se à sua grande paixão: o Avaí. Há seis anos, ao título de "torcedora fanática" incorporou os de diretora social e de conselheira do clube.

A vida de Nezi, 71 anos, está ligada ao clube. É lá, entre as arquibancadas, salas, gramado, funcionários e jogadores, que passa a maior parte de seu dia. Recebe os escolares que visitam o estádio, estimula as estrelas do time a participarem de campanhas sociais — como as visitas às crianças no Hospital Infantil Joana de Gusmão —, promove festas e eventos.

O marido, em casa, não tem ciúme, e ainda coopera: grava os jogos, os comentários e as notícias do Avaí, para ela assistir depois.

— José não vai ao campo, assiste pela televisão — brinca Nezi, que sabe que sua paixão beira ao fanatismo.

Esta história de amor nasceu quando Nezi ainda era uma menina, e morava com uma tia. Sua prima já torcia pelo Avaí.

— Escutávamos no rádio as partidas na época áurea, entre 1945 e 1948, e, algumas vezes, íamos ao campo, no antigo Pasto do Bode, onde hoje fica o Beiramar Shopping.

Depois, veio o casamento, os filhos pequenos, a mudança da família para Rio Negro e, sete anos depois, a volta para Florianópolis. Naquela época, ela participava também do Movimento Bandeirante, que ocupava boa parte de seus finais de semana. Nezi, porém, já tinha tudo planejado: era só uma questão de tempo para dedicar-se ao time do coração.

E hoje, sempre de roupa azul e um sorriso enorme no rosto — a não ser quando o Avaí perde — Nezi é um símbolo de que paixão por um time de futebol não tem sexo, idade, nem condição social. Só sentimento.

Susi Padilha

A Gertrudes e os nove

Era uma vez uma Kombi chamada Gertrudes. Ela tinha lugar para nove pessoas. Era uma vez nove amigos e colegas de trabalho, torcedores do Avaí e com o desejo de formarem uma torcida organizada. Quando Gertrudes e os nove amigos encontraram-se, foi amor à primeira vista.

Era coincidência demais: a Kombi estava pintada de azul e branco, acomodava todos os torcedores e, embora fabricada em 1983, possuía motor de Santana 2000, ou seja, seria possível viajar com ela para acompanhar os jogos do Avaí fora de casa.

Não havia mais o que pensar: era o casamento perfeito. E Gertrudes ganhou um até sobrenome. Transformou-se na Gertudes Avaiana, e é uma das grandes sensações nas ruas da cidade e nas imediações da Ressacada em dias de jogo.

Também pudera, a Kombi "chega chegando": muita fumaça colorida, hino do Avaí tocando a todo volume, foguetes, luzes piscando, néon que sai debaixo do carro, mascotes pendurados.

Esta história de amor começou há cerca de três meses, quando uma senhora levou sua Kombi para vender na loja Repecon, no Trevo de Barreiros, em São José. Ela queria R$ 10 mil pelo veículo. Nove funcionários da loja já vinham pensando na possibilidade de criarem uma torcida diferente. O veículo, porém, estava acima do que podiam pagar.

Passados alguns dias, entretanto, não resistiram à tentação. Fizeram rateio, dividiram em suaves prestações e compraram o carro. Aí, precisaram de mais grana para embelezar Gertrudes, até deixá-la "escandalosamente bonita". Ela recebeu um completo sistema de sonorização, duas máquinas de fumaça, plotagem, pintura, néon e tudo o mais que cabia na imaginação. Ficou linda por fora e por dentro, onde cada um dos nove integrantes tem seu banco — reclinável, para descansar durante as viagens — e o nome gravado na lataria.

Adriano, Odail, Custódio, Donaldson, Alexandre, Júlio, André, Gustavo e Jorge formam a torcida organizada Os Nove da Kombi e são os proprietários da Gertrudes. Todos sócios do setor B. A cada jogo do time, eles cumprem a mesma rotina. Trabalham até o final da tarde e saem direto da loja para a Ressacada. Quando chegam ao estádio, estacionam em frente à secretaria e, invariavelmente, recebem pedidos de torcedores para tirarem foto na Gertrudes.

— Ela virou atração turística — diz Adriano de Souza, o mais fanático.

Guto Kuerten

Está no sangue

Não tinha como ser diferente. O pai era goleiro do Avaí, no final dos anos 1950 e começo da década seguinte. Jaime "Matagato" de Paula, era o nome dele. Kátia de Paula era pequena, uma garotinha, que adorava ver o pai no campo.

Cresceu assim, admirando o esporte e cada vez mais fanática pelo Avaí, a ponto de trocar qualquer programa com amigos e familiares pelo jogo no estádio.

— Meus amigos já sabem. Tem jogo? Ah, então a Kaká está na Ressacada — ela comenta, com o orgulho em alta.

Kátia de Paula, solteira e secretária do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é figurinha carimbada na Toca do Leão, sempre acompanhada das amigas, com quem costuma dividir um camarote em dias de jogo. Possui, também, quatro cadeiras no estádio, que paga religiosamente para ajudar o Avaí, e que empresta para amigos e colegas que não têm condições de pagar pelo ingresso.

— Faço por amor mesmo. Contribuo com prazer, porque, ao longo dos meus 50 anos de vida, o Avaí já me trouxe muitos momentos felizes e esta é uma forma de contribuir com o time — ensina.

Kátia nasceu em 1958, quando seu pai já era goleiro do Avaí. Mesmo não sendo muito comum mulheres freqüentarem jogos de futebol naquela época, sua mãe, dona Odete, sempre acompanhava o marido no campo. Às vezes, as únicas duas mulheres na arquibancada eram ela e a mulher do juiz. Naquela época, não havia salário para jogador. Matagato precisava trabalhar como comerciário durante o dia para defender o gol do Avaí nos jogos à noite e nos finais de semana.

— Ele sempre dizia que o dinheiro que ganhava dava apenas para levar a mãe ao cinema e tomar uma cervejinha depois — relembra Kátia.

Matagato morreu aos 50 anos, no início da década de 1980. Não teve a alegria de ver o Avaí campeão em 1988. Odete mora no mesmo local daquela época, pertinho do Beira-mar Shopping, onde ficava o campo do Avaí. Até hoje, aos 73 anos, junto com a irmã Otília, de 82, assiste pela televisão ou escuta no rádio os jogos do time, e reza pedindo uma vitória.

Em homenagem ao pai, Kátia criou o blog "Matagato e Tullo: um defende e outro ataca", com uma visão feminina sobre o futebol e, principalmente, sobre o Avaí. Desde que foi criado, há cerca de seis meses, o blog já recebeu mais de 11,5 mil acessos, do Brasil e do exterior.

Sinal de que mulher também tem o que dizer quando o assunto é futebol.

 
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