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Geral  | 27/07/2013 17h01min

Pontífice fala sobre temas como dependência química, desigualdade social, infância e velhice

Em cada gesto e a cada discurso durante a semana da Jornada Mundial da Juventude, o Papa discursou sobre temas da condição humana

Taís Seibt  |  tais.seibt@zerohora.com.br

Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo. Venho em seu nome para alimentar a chama de amor fraterno que arde em cada coração."

As primeiras palavras do papa Francisco no Rio de Janeiro, em cerimônia no Palácio da Guanabara, na terça-feira, já indicavam a tônica da mensagem que o Pontífice empossado há pouco mais de três meses deixaria durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

— O pano de fundo é a pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus e personificada em Jesus Cristo. Esta é a grande mensagem: o respeito à dignidade humana em todas suas dimensões — sintetiza o padre Leandro Chiarello, diretor da faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Cada gesto e cada discurso do Papa durante a semana da JMJ lançou luz sobre algum tema que diz respeito à condição humana: a dependência química, a desigualdade social, a infância e a velhice. O Papa que conclamou pela solidariedade, visitou dependentes em recuperação, foi até uma favela e entrou na casa de uma família da comunidade. Por onde passou, esteve perto das pessoas.

— O projeto de Francisco parece dizer que temos de ir ao encontro das pessoas, e o Brasil se tornou a grande plataforma de lançamento do papado de Francisco, porque este é o primeiro grande momento de repercussão universal desde a sua posse — analisa o padre jesuíta Atílio Hartmann.

Ele não crê que o novo Papa vá mudar tudo na Igreja Católica, mas acredita que, com a opção pela simplicidade e atenção aos mais pobres, ele vá mexer fundo na estrutura da instituição. De dentro, a renovação pode partir para fora, atraindo mais fiéis — ou reconquistando aqueles que estão afastados.

— Francisco está mostrando que o Papa não é uma pessoa distante, ele está próximo, está junto, isso dá um novo visual para a Igreja, que contagia não só a juventude — destaca o frei Olavio José Dotto, do Centro Vocacional Franciscano no Rio Grande do Sul.

Agora, se o peso carismático e teológico das declarações do Pontífice sinalizam para efeitos concretos no catolicismo e contribuem para reflexões na sociedade de uma maneira geral, na esfera política, o peso das declarações do chefe da Igreja parece mais limitado. Ainda que contenham alfinetadas a autoridades e deem pistas para discussões de temas polêmicos da atualidade, as mensagens do Papa não devem ser suficientes para mudar posturas de países que discutem a liberação da maconha, por exemplo.

— O discurso do Papa é teológico. É uma orientação que nos leva a pensar, mas não no sentido de influenciar a política — avalia o sociólogo Juan Mario Fandino, do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A esperança de intervenção fica pelo impulso dado às manifestações sociais contra a injustiça, já que o Papa aclamou para que os jovens saiam de dentro da Igreja e tomem as ruas de suas dioceses.

Confira a análise de declarações do papa Francisco em diferentes momentos da Jornada Mundial da Juventude, tentando dimensionar o impacto que elas podem ter em decisões políticas e em transformações sociais.

Jovens nas ruas

"Desejo dizer-lhes qual é a consequência que espero da Jornada: espero que façam barulho. Aqui farão barulho, sem dúvida. Aqui, no Rio, farão barulho. Mas quero que se façam ouvir também nas dioceses, quero que saiam, que a Igreja saia pelas estradas, quero que nos defendamos de tudo o que é mundanismo, imobilismo, nos defendamos do que é comodidade, do que é clericalismo, de tudo aquilo que é viver fechados em nós mesmos. As paróquias, as escolas, as instituições são feitas para sair; se não o fizerem, tornam-se uma ONG, e a Igreja não pode ser uma ONG."

Encontro com jovens argentinos na Catedral de São Sebastião, quinta-feira, 25 de julho

Para o padre jesuíta Atílio Hartmann, embora não tenha feito menção direta, o papa Francisco deu força às manifestações.

— Ele sabia de todos esses movimentos. Uma grande parte de jovens cristãos não estava nessas manifestações. Eles podem ir à missa, mas também podem estar nas manifestações contra injustiças, corrupção, mas sem violência — estimula o jesuíta.

O frei franciscano Olavio Dotto interpretou o recado de forma um pouco diferente:

— Quando ele diz para os jovens fazerem barulho, é no sentido de manifestarem a alegria de ser cristão.

Diretor da faculdade de Teologia da PUCRS, padre Leandro Chiarello pondera que essa missionariedade da Igreja tem de se dar com uma Igreja renovada, que se aproxime mais da realidade das pessoas, uma igreja acolhedora, que dialogue.

Combate às drogas

"... A chaga do tráfico de drogas, que favorece a violência e que semeia a dor e a morte, exige da inteira sociedade um ato de coragem. Não é deixando livre o uso das drogas, como se discute em várias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da dependência química. É necessário enfrentar os problemas que estão na raiz do uso das drogas, promovendo uma maior justiça, educando os jovens para os valores que constroem a vida comum, acompanhando quem está em dificuldade e dando esperança no futuro."

Visita ao Hospital São Francisco de Assis na Providência de Deus, quarta-feira, 24 de julho

O sociólogo Juan Mario Fandino, do Núcleo de Estudos sobre Violência da UFRGS, diverge do Papa na questão da liberação das drogas, mas concorda com a visão educativa como ferramenta para manter o jovem afastado do vício, a longo prazo.

— Estamos numa situação em que é preciso resolver o problema pontual, que vem embutido num problema de lucro, de tráfico, em gente interessada em fazer dinheiro dessa maneira. O alvo da política de descriminalização é o traficante — sustenta.

Já o presidente da ONG Brasil Sem Grades, Luiz Fernando Oderich, afirma que a posição da ONG é a mesma: contra a liberação e favorável ao desenvolvimento de valores.

— Ensinar tem a ver com dar limite, que é uma coisa da família, então quando o Papa fala dos valores, é disso que ele está falando — comenta.

Ambos veem limitada a capacidade de interferência da mensagem do Papa nas decisões políticas em torno da questão, mas consideram positiva a contribuição para o debate, colocando o tema em pauta.

Respeito ao idoso

"Como os avós são importantes na vida da família, para comunicar o patrimônio de humanidade e de fé que é essencial para qualquer sociedade! E como é importante o encontro e o diálogo entre as gerações (...). O Documento de Aparecida nos recorda: 'Crianças e anciãos constroem o futuro dos povos; as crianças porque levarão por adiante a história, os anciãos porque transmitem a experiência e a sabedoria de suas vidas' (DAp 447). (...) Este diálogo entre as gerações é um tesouro que deve ser conservado e alimentado!"

Oração do Angelus Domini no Palácio Arquiepiscopal São Joaquim, sexta-feira, 26 de julho

O Pontífice já havia falado sobre a exclusão dos idosos no encontro com os jovens argentinos, um dia antes. "Alguém poderia ser levado a pensar que nisso exista, oculta, uma espécie de eutanásia, isto é, não se cuida dos idosos; mas há também uma eutanásia cultural, porque não se lhes deixa falar, não se lhes deixa agir", disse Francisco.

Padre Hartmann destaca que o tema voltou ao discurso papal no Angelus porque 26 de julho é a data litúrgica em que a Igreja lembra os avós de Jesus, São Joaquim e Santa'Ana, para reforçar o recado essencial: o idoso tem direito de chegar ao fim de sua vida com dignidade. E o recado vem de um de 76 anos, lembra o geriatra Newton Terra, diretor do Instituto de Geriatria da PUCRS.

— A longo prazo não sei a repercussão, mas pelo menos momentaneamente serve para chamar atenção para essa população que na maioria dos países é marginalizada. Faltam políticas públicas para os idosos — comenta Terra.

O presidente do Conselho Estadual do Idoso, Leonildo Mariani, confia que o recado papal possa abrir os olhos de gestores públicos para essa realidade.

— O Papa faz um alerta para que os gestores públicos se preocupem mais com políticas para essas pessoas e, por outro lado, ele faz com que o idoso se sinta protagonista nas transformações sociais — observa.

Luta contra a pobreza

"Queria lançar um apelo a todos os que têm mais recursos, às autoridades públicas e a todas as pessoas de boa vontade comprometidas com a justiça social: não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades que existem no mundo! Cada um, na medida das próprias possibilidades e responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para acabar com tantas injustiças sociais! Quero encorajar os esforços que a sociedade brasileira tem feito para integrar as partes do seu corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, pelo combate à fome e à miséria. Nenhum esforço de 'pacificação' será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, deixa à margem, abandona na periferia parte de si. Uma sociedade assim simplesmente empobrece a si mesma; antes, perde algo de essencial para si mesma."

Visita à comunidade de Varginha, na favela de Manguinhos, quinta-feira, 25 de julho

Para o sociólogo da UFRGS Juan Mario Fandino, a visão do Pontífice sobre o processo de pacificação — visto que estava em uma favela pacificada pela polícia carioca — reforça a ideia de que só a repressão não resolve, com a qual compactua.

Na interpretação do padre jesuíta Atílio Hartmann, o Papa acena para a dimensão de dar chances de crescimento para a população da periferia e também conclama para que a sociedade civil assuma uma cultura de solidariedade para dar uma vida digna para mais pessoas.

— A maioria não é violenta porque gosta de ser violenta, é uma luta pela vida. Quando apela para a solidariedade, o Papa não está falando para o povo da favela, mas para as pessoas que têm mais posses — frisa Hartmann.

O teólogo Leandro Chiarello ressalta que o recado de Francisco legitima e deve reforçar medidas do governo para a promoção do trabalho, da educação, da saúde e da moradia à população mais empobrecida.

ZERO HORA
Gabriel Bouys / AFP

Durante o evento, líder máximo da Igreja Católica conclamou pela solidariedade, esteve com dependentes químicos em recuperação e visitou família em favela carioca
Foto:  Gabriel Bouys  /  AFP


 
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