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Geral  | 08/07/2013 05h01min

Moisés Mendes: a ilusão das línguas de fogo e a falsa sensação de destruição

Jornalista fala que a hipnose das chamas provocou a falsa impressão de profundidade do fogaréu

Moisés Mendes  |  moises.mendes@zerohora.com.br

Uma língua de fogo no segundo andar, na altura do teto, entre o Bar Chopp Atlântico e o restaurante Mamma Julia. Foi o que Daltro Souza viu, no térreo, do centro do Mercado Público, aí pelas 20h30min, logo depois do término do jogo do Grêmio contra o Atlético Paranaense. O fogo começava quase no meio da ala norte, da Avenida Júlio de Castilhos, mas Daltro não se assustou. É funcionário da banca 26, quase do lado oposto. As portas haviam sido fechadas às 18h30min, e ele ainda estava ali, com outro empregado, para trocar uma pia:

– O jogo terminou e eu tinha saído da banca para avisar o pessoal da limpeza que eles poderiam deixar que eu iria limpar o piso aqui do meu lado.

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Foi quando viu o fogo. Voltou à banca, avisou o funcionário para que alertasse alguém da segurança e retornou ao corredor. Em menos de um minuto, o fogo tinha crescido e andava para o oeste, para o lado da esquina com a Rua Siqueira Campos, em direção ao restaurante Telúrico. Depois, viu que as chamas seguiam também para leste, sempre pelo alto, pegando o Memorial, que guardava documentos e objetos históricos.

Foi assim, alastrando-se para os dois lados, que o incêndio promoveu uma devastação em “U”, indo até as salas do Sebrae, na ala da Praça Parobé, de um lado, até o restaurante Marco Zero, no lado oposto, da prefeitura.

Daltro tem 30 anos de Mercado, onde conseguiu o primeiro emprego. O que ele sentiu, desde o começo, reflete a sensação média de outras testemunhas do incêndio. Intuiu, já do lado de fora, antes das 23h, que, apesar das carências enfrentadas pelos bombeiros, o Mercado seria salvo.

E por que a sensação inicial, de outros que também estavam lá, e dos que viam as imagens pela TVCom, foi de que o maior patrimônio afetivo de Porto Alegre iria virar cinzas? A hipnose das línguas de fogo expelidas pelo telhado provocou a falsa impressão de profundidade do fogaréu. Mas as chamas ficaram, todo o tempo, longe do centro do Mercado, e percorreram o trajeto em “U” a pelo menos cinco metros de altura do chão do térreo.

– A impressão no começo era mesmo de uma fornalha – admitia Nilson Pilati, da Cooperativa dos Assentados e da banca da Reforma Agrária.

O Mercado Público está atordoado, mas em pé

Pilati chegou ao Mercado às 21h e foi outro que, antes das 23h, estava convencido de que o fogo ficaria no segundo andar:

– O primeiro susto foi: não vai sobrar nada.

Celso Rossatto, dono da banca 10, teve a mesma percepção. Às 21h, quando se aproximou do local, imaginou que tudo seria destruído. Aos poucos, viu que o primeiro piso estava salvo. Foi dormir, aí pela 1h da madrugada, convencido de que sua banca escapara, mas lamentando as perdas de colegas dos restaurantes do segundo andar.

Valdir Sauer, da banca San Remo, mora a algumas quadras dali, saiu de casa correndo e chegou ao Mercado logo depois de iniciado o incêndio. Temia que o fogo chegasse à subestação de energia elétrica, e chegou. No domingo, o vice-prefeito Sebastião Melo transitava pelo mercado com uma preocupação: as bancas dependem da subestação, que será avaliada, para que voltem a funcionar. O vice esteve no local no sábado à noite e foi dormir sem a exata dimensão dos danos. Chegou a pensar em coisa pior. No retorno, na tarde de domingo, olhava ao redor, lamentava a destruição de parte do segundo piso, mas se consolava:

– É um alívio.

O Mercado está atordoado – para muito além da questão comercial, como diz Melo –, mas ficou em pé. Salvaram-se a Banca 40, o Gambrinus, o Naval, as especiarias da Banca do Holandês, o Armazém do Confeiteiro – todo o térreo e metade das lojas do segundo piso. O que o fogo consumiu pode ser refeito. O Mercado que cheirava a carvão na tarde de domingo estará, daqui a pouco, cheirando de novo a erva doce, pé de porco, tainha, rabada, queijo, história e gente.

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