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Geral  | 18/05/2013 17h03min

Cresce número de jovens que estendem a permanência na casa dos pais

Retardar ao máximo a saída da casa dos pais é fenômeno em ascensão desde a década de 90

Bruna Scirea  |  bruna.scirea@zerohora.com.br

Nathalia Tweedie tem a feição delicada de uma garota e a postura segura e determinada de uma mulher independente. Aos 28 anos, carrega a responsabilidade de ser sócia de um reconhecido escritório de arquitetura de Porto Alegre, assina projetos elogiados e abraça o mundo em busca de tendências e inspiração. Vai bem do bolso. E do coração. Só que, apesar da autonomia conquistada, ela nunca saiu de casa.

Deixar o teto dos pais, os funcionários públicos aposentados Georgina e Carlos, ainda é uma página não escrita da vida de Nathalia. A falta de pressa tem motivo: a falta dele.

A família de Nathalia é exemplo de um fenômeno identificado no fim da década de 90 e, 20 anos depois, ainda crescente no país. Pelo menos um em cada quatro jovens adultos entre 25 anos e 34 anos mora com os pais. No Rio Grande do Sul, o índice é de 22% — o maior da região sul do Brasil. É a chamada "geração canguru", de filhos que prolongam a permanência em casa por opção.

— Estender o convívio com os pais proporciona uma comodidade emocional, que traz apoio e cumplicidade, e o conforto físico de um padrão de vida geralmente elevado. É uma situação conveniente para os dois lados, pois os pais também se beneficiam com a presença do filho em casa — analisa a psicóloga Célia Regina Henriques, pesquisadora do fenômeno no país.

Nathalia não programou o destino fora da casa dos pais. Mas também não traçou planos para chegar quase aos 30 anos ao lado deles. Pela relação de amizade e, sobretudo, respeito, o caminho se fez por conta própria. A mãe agradece. O pai paparica. E a arquiteta tem a certeza de que as coisas aconteceram da melhor maneira.

— Morando em casa, pude contar com o apoio para me jogar naquilo que mais me satisfaz, que é a minha profissão. Economizei o que não seria possível morando fora e, hoje, todo o meu investimento em tempo e energia é no escritório — avalia a arquiteta.

Convivência mais respeitosa

Retardar ao máximo este último grito de independência só é possível porque os jovens desta geração cresceram em um ambiente muito diferente do da anterior, afirma Célia Henriques. Os pais cinquentões e sessentões recriaram o modelo familiar pautados em ideais pelos quais lutaram na juventude: de mais diálogo, democracia e liberdade sexual.

— Somos de uma geração que casou para sair de casa. E se hoje não existe mais isso, é porque a convivência entre pais e filhos é mais respeitosa, com espaço para que as relações aconteçam de uma forma saudável — justifica o pai, Carlos Tweedie.

Nathalia sabe que pode estar próximo o dia em que o cordão umbilical será cortado de vez. Por isso, adiantou-se e projetou uma casa na praia de Atlântida. Com cômodos suficientes para acolher toda a família — que ainda conta com a irmã Paula, 31 anos, o cunhado e o sobrinho —, a moradia serve como ponto de encontro. Mas nem sempre.

— Agora meus pais só querem saber de ficar lá. É por isso que digo que nunca me senti sufocada. Eles me dão tanto espaço que geralmente acabo sentindo falta da casa cheia — brinca a filha.

 
Cyro e Vera viram os filhos sair de casa e voltar para o lar
Foto: Anderson Fetter, Agência RBS

Efeito "bumerangue"

A demora para deixar a casa dos pais é reflexo do prolongamento do ciclo vital — um processo evidenciado nos últimos anos, explica Clarisse Mosmann, terapeuta de família e professora do programa de pós-graduação em Psicologia da Unisinos:

— As fronteiras entre idades estão cada vez menos demarcadas. Hoje, a adolescência pode se estender para além dos 30 anos e prolongar as atribuições de ser jovem. Com isso, casamentos mais tardios e a demanda pela profissionalização acabam sendo motivos que retardam a saída de casa.

No Estado, 60% dos jovens-adultos que ainda moram com os pais são do sexo masculino. Na casa dos Canabarro, em Porto Alegre, o ninho ainda está cheio — para alegria do corretor de imóveis Cyro e da médica pediatra Vera.

Os irmãos Vicente, Murilo e Cícero têm quartos separados e até uma sala de jogos nos fundos da casa no bairro Azenha. Amigos são bem-vindos e, não raramente, a família é anfitriã de festas ao redor da piscina. Os pais "são uns santos", definem os filhos.

Como carreira, os três escolheram respectivamente publicidade, engenharia civil e advocacia. Com idades entre 28 anos e 33 anos, e um período da vida longe da asa dos pais, eles também se inserem no grupo chamado de "bumerangue" — dos que saem, mas retornam para o lar da família.

Após morar no Canadá, em São Paulo, e passar um tempo na Austrália, voltar para casa trouxe concepções diferentes para Vicente, 33 anos. Longe da comida caseira, teve de se virar e gostou tanto da vida na cozinha que, em sua última viagem, fez um curso de gastronomia. Hoje, quando pode, ele é quem comanda o fogão de casa.

Se, por um lado, passar um tempo sem o aconchego e as mordomias oferecidas pelo teto dos pais trouxe aprendizados para o filho, por outro, um momento de respiro contribui para o crescimento do casal.

— Meus pais aprenderam a curtir melhor a vida a dois. Hoje, saem mais de casa, jantam fora, vão ao teatro. A distância também melhorou a nossa relação como pais e filhos — conta o publicitário, que está abrindo sua própria empresa.

Do tempo de casa vazia, surgiu um projeto que está sendo erguido na zona sul da Capital. Mas com o retorno dos filhos à casa dos pais, já recebeu modificações. Novos cômodos foram acrescentados.

— Mas quarto deles será com "triliche", para que não se estendam mais muito — adianta Vera, brincando com os três filhos.

Para a psicóloga Clarisse, ainda está cedo para se falar das vantagens e desvantagens desse prolongamento no convívio familiar. Inegável, no entanto, é que as famílias continuam sendo continentes de conforto. E, assim sendo, nem pais, nem filhos teriam motivos para não aproveitar.

Os gastos com o dinheiro poupado

Ter diploma em Direito e cargo de gerência em uma agência de banco não garante a Robinson Hoff, 30 anos, o mesmo nível de vida oferecido na casa dos pais. Por isso, resolveu prolongar a estada ao lado de seu Isidoro e dona Cloraci.

— Aí já sabe, né? É todo ano viagem para Uruguai, Argentina, Chile... — cutuca o pai, entregando as preferências do jovem na hora de gastar o dinheiro.

— E jantar fora com frequência, trocar de carro e investir na qualificação profissional — complementa o filho, que não vê nenhum problema em ter completado 30 anos debaixo das asas dos pais.

Robinson faz parte dos cerca de 90% de jovens da geração canguru que não precisam ajudar nas despesas de casa e que, por isso, viraram alvo de estudos na área de consumo. De acordo com a pesquisadora e professora da ESPM Sul Iara Silva, eles têm uma tendência maior a gastar com lazer e produtos que gerem status e reconhecimento.

Pelos pais de Robinson, tudo bem. Bom mesmo é ter o filho em casa. Mas nem sempre tanta comodidade é vista com bons olhos. Clóvis de Barros Filho, professor de Ética na Universidade de São Paulo (USP), é dos pais que, apesar de não incentivar a inércia, encara a permanência dos filhos como uma situação delicada — em que qualquer deslize pode ser mal interpretado como um desapreço ou uma ameaça de expulsão.

De tal forma, o filho Martin Barros, 25 anos, formou-se em Publicidade e Propaganda e hoje atua como profissional de marketing no mercado de luxo. Mas não saiu de casa e não há qualquer perspectiva de que isso ocorra em breve.

— Não existe, da parte dele, o menor pudor de ir vivendo como sempre viveu. E ainda melhor: agora, dedicando o próprio salário exclusivamente à diversão. Aliás, não há queixas nesse sentido — brinca Clóvis.

E o que já é realidade no lar dos Hoff, em Porto Alegre, é fenômeno também previsto na casa dos Barros, em São Paulo. Robinson hoje ocupa a suíte da casa. Os pais passaram a dormir em um quarto menor, no primeiro piso da moradia. Na capital paulista, Clóvis e a mulher já adquiriram uma casa no interior pensando na aposentadoria.

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