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Política  | 26/01/2013 15h03min

Ao completar primeira metade do governo, Dilma busca uma marca para sua gestão

Primeiros atos de 2013 indicam que a presidente está disposta a abrir mão do perfil discreto e centralizador para impulsionar negociações e propaganda do próprio governo

Caue Fonseca e Joana Colussi  |  caue.fonseca@gruporbs.com.br e joana.colussi@zerohora.com.br

Dilma Rousseff lutará contra o próprio estilo nos últimos e decisivos anos de mandato.

Os primeiros atos de 2013 dão a pista de que a gestora discreta e centralizadora dará lugar a outra, mais propensa à negociação e à propaganda do próprio governo. Uma presidente mais candidata, e uma Dilma menos Dilma.

s mudanças de postura da petista não visam apenas à reeleição, mas a um melhor andamento do governo.

— Dilma fez pequenos avanços. Um deles é tornar o debate sobre o desenvolvimento do país menos ideológico e mais pragmático. É consenso que o governo dela tem de acontecer em 2013 — avalia o cientista político André César, da consultoria Prospecta.

Enquanto Brasília ainda boceja pelo início de ano, Dilma aproveita para fazer uma agenda pré-eleitoral. Anunciou cortes na conta de luz e faz visitas a Estados que ainda não tinha ido como presidente.

Em relação ao Congresso, a avaliação da ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, é sintomática:

— As votações sobre os royalties do petróleo e o Código Florestal não foram influenciadas por força da oposição.

Por este motivo, o governo Dilma inicia o ano mais preocupado com a base aliada. Acompanha os movimentos do PSB — do qual pode sair um presidenciável, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos —, e reconhece a importância de um novo ator.

— Vejo zero chance de o PSB não estar com o governo em 2014 ou de se rebelar. O fiel da balança será o PSD — diz o deputado Marco Maia (PT-RS), de saída da presidência da Câmara.

A sigla liderada por Gilberto Kassab conta com 49 deputados, um a mais que o PSDB. Convidado ao governo, o PSD ficará com o Ministério da Micro e Pequena Empresa.

Com a oposição desarticulada, um receio do Planalto é voltar à vidraça por pecados alheios. Dilma assiste às presidências da Câmara e do Senado prestes a cair em mãos chamuscadas por suspeitas de corrupção, as dos peemedebistas Henrique Alves (RN) e Renan Calheiros (AL). Passará pela influência deles a aprovação de projetos com peso eleitoral, como o Plano de Educação.

Em 2007, em uma tentativa de manter viva a CPMF, Lula ficou ao lado de Renan até a saída do senador da presidência da Casa se tornar inevitável. Perdeu nas duas frentes. A diferença é que a reeleição de Lula já havia ocorrido.

A primeira mulher a comandar o Brasil fechou a primeira metade de governo sem fazer deslanchar metas assumidas na posse, mas com avanços em áreas importantes como transparência e emprego. Mirando 2014, Dilma Rousseff vai em busca nos próximos dois anos de uma marca para sua gestão. Confira um balanço político do mandato da petista:

Transparência

Segundo o pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e consultor da Controladoria-Geral da União (CGU) Fabiano Angélico, Dilma Rousseff pode colocar em sua biografia o marco regulatório da transparência no Brasil, a sanção da Lei de Acesso à Informação. No entanto, poderia ter ido além.

— O principal ponto é que a lei não abrange empresas estatais. E não vejo muita perspectiva de isso ocorrer. Pelo perfil desenvolvimentista da presidente, não creio que ela permitisse uma lei que pudesse atrapalhar o desempenho delas no mercado — afirma Angélico.

No quesito transparência, Dilma ainda levou adiante a Comissão Nacional da Verdade, disposta a investigar crimes do regime militar.

Política social

Menina dos olhos do governo Lula, o Bolsa Família foi ampliado e diversificado por Dilma. Segundo Tiago Falcão, secretário para Superação da Extrema Pobreza do Ministério de Desenvolvimento Social, o governo estima que o programa Brasil Carinhoso — focado inicialmente em crianças de zero a seis anos — tenha tirado 16,4 milhões da miséria extrema ao reforçar a renda das famílias com R$ 70 por filho.

O bom resultado levou o governo a ampliar o programa para até 15 anos e a aumentar repasses aos municípios que oferecessem creches aos beneficiados.

Nesta segunda-feira, o Brasil Sem Miséria (como é chamado o conjunto de ações de combate à pobreza extrema) divulga novos números.

Escândalos

A presidente estabeleceu um critério claro antes mesmo de iniciar o governo. Não vetaria as indicações políticas

dos partidos da base aliada para os ministérios, mas seria implacável frente a suspeitas de corrupção e colocaria nomes de sua confiança no lugar.

Demitidos ou aconselhados a renunciar por suspeitas, apenas no primeiro ano caíram seis nomes: Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo), Orlando Silva (Esportes) e Carlos Lupi (Trabalho).

O resultado de um 2011 atribulado foi um 2012 em céu de brigadeiro nessa seara, sem demissões que envolvessem manchas na biografia dos ministros.

Política externa

Em nenhum outro aspecto a diferença de estilo entre os presidentes Lula e Dilma fica tão evidente quanto na política externa. O que se estende aos ministros de Relações Exteriores dos dois governos: Celso Amorim e Antonio Patriota.

— Quando viajava, Lula levava a sua história e o seu carisma. Aquela figura que dava um abraço em um chefe de Estado chinês era o proletário presidente — observa Creomar de Souza, professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília.

Embora as agendas técnicas sejam praticamente as mesmas, uma mudança, aponta Creomar, é a distância segura que Dilma mantém de figuras polêmicas como o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o venezuelano Hugo Chávez.

Relação com o Congresso

Houve derrotas significativas do governo Dilma no Congresso, como a distribuição dos royalties do petróleo e o Código Florestal, mas a ministra das Relações Institucionais Ideli Salvatti salienta que as divergências foram "questões federativas", ou seja, as derrotas foram menos por quedas de braço políticas com a base aliada e a oposição e mais por interesses dos Estados a que os congressistas representam.

A ministra responsável pela articulação política do Planalto também salienta três vitórias do governo no Congresso: a alteração nas regras da caderneta de poupança, a desoneração da folha de pagamento de 42 setores da economia e o novo regime de previdência para os servidores públicos da União.

Reforma do Estado

Consciente da resistência petista à reforma do Estado, política que marca gestões tucanas, Dilma faz mudanças lentas na máquina pública. O foco não está na redução do Estado, mas na gestão. Mesmo assim, a burocracia ainda dificulta a ação do poder público e alimenta a ineficiência.

O brasileiro paga muitos impostos e não recebe os serviços com a qualidade que deveria. É só olhar os índices na saúde e na educação pública. A presidente deu um passo importante ao criar a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade. A equipe é responsável por implementar uma cultura gerencial no governo, mas os resultados do trabalho do grupo nunca foram inteiramente demonstrados.

Reforma política

Em fevereiro de 2012, em mensagem enviada ao Congresso, Dilma pediu que fossem votados os 11 projetos de lei que compõem a reforma política. Foi a primeira e última manifestação da presidente pelo tema, que está estagnado no Legislativo por falta de vontade política.

Questões como o voto em lista e o financiamento público de campanha dificilmente entrarão em pauta às vésperas das eleições legislativas de 2014, já que os principais alvos da reforma já dão início às campanhas.

— Pontos de difícil consenso não costumam ser votados em fim de mandato. A reforma, se sair, sai apenas em um eventual segundo governo de Dilma Rousseff — aposta o cientista político André César.

Ao encerrar a primeira metade do mandato com um pibinho (expressão já usada pelo ministro Guido Mantega para definir o crescimento da União Europeia), inflação acima do centro da meta, obras estagnadas e reformas na gaveta, Dilma Rousseff terá o desafio de abrir o leque de prioridades neste terceiro ano. Com um desempenho econômico inferior a países como Chile, Colômbia e Peru, onde a inflação não chega a metade da brasileira, o país ficou bem distante das metas estabelecidas na época da posse.

O saldo dos 24 meses iniciais de gestão reforça a convicção de que não é mais possível crescer apenas em cima do consumo das famílias. A política econômica baseada no aumento do poder de compra não consegue mais sustentar sozinha o desenvolvimento. Até mesmo entre especialistas de correntes diferentes, é consenso de que somente com um ambiente favorável para a retomada de investimentos privados e públicos será possível aumentar as taxas de crescimento e voltar a ostentar estatísticas dignas das maiores economias mundiais.

Confira o balanço econômico do mandato de Dilma:

Emprego e renda

Mesmo com o baixo crescimento da economia, o governo conseguiu reduzir ainda mais o desemprego. Em dezembro, o percentual de trabalhadores sem emprego formal nas seis principais regiões metropolitanas do país era de apenas 4,4%. A renda dos brasileiros também manteve a expansão na gestão Dilma.

— Vivemos um momento positivo. O setor de comércio e serviços continua criando muitos empregos, puxado pelo maior poder de compra da população — afirma Manuel Enriquez Garcia, professor da Universidade de São Paulo (USP).

No entanto, em 2012, o ritmo de criação de vagas foi 33% inferior ao do ano anterior, conforme dados divulgados na sexta-feira pelo Ministério do Trabalho. O desempenho, reflexo do baixo crescimento da economia, é o pior desde 2009.

Crescimento e investimentos

Com 2,7% de crescimento em 2011 e cerca de 1% em 2012, Dilma teve o pior desempenho nos dois primeiros anos de um governo desde Fernando Collor. O resultado abaixo do esperado é atribuído à insistência em manter a política baseada no incentivo ao consumo, sem criar ambiente favorável para aumento dos investimentos — público e privado.

— O governo vem insistindo em medidas de expansão do consumo e do crédito, desonerações tributárias e aumento do salário mínimo. Nosso problema não é de demanda, mas de oferta, por isso é preciso fazer com que o país torne-se mais eficiente e a indústria retome a competitividade — aponta Maílson da Nobrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria.

Infraestrutura e logística

Dilma anunciou a concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos à iniciativa privada para modernizar a deteriorada infraestrutura do país — considerada uma das responsáveis pelo baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Essa é a aposta para fazer o Brasil voltar a crescer e aumentar a taxa de investimentos, que teve queda em cinco trimestres consecutivos.

— Nos países onde a logística funciona, esse foi o sistema adotado. A questão é que ainda há um embate ideológico dentro do governo sobre "privatizar", modelo sempre criticado pelos partidos socialistas — avalia Carlos Honorato, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA).

Inflação

A inflação está acima do centro da meta, mas ainda dentro dos limites. A alta foi influenciada por dois protagonistas: pressão dos alimentos e dos serviços. Mesmo com a inflação de 6,5% em 2011 e 5,84% em 2012, o Banco Central baixou as taxas de juros aos menores níveis da história no ano passado. O aumento da renda do trabalhador fez com que a variação de preço dos serviços se aproximasse de dois dígitos — dificultando o controle inflacionário.

— O Brasil tem o dobro da inflação de países da América do Sul, como Chile, Colômbia e Peru, e menos da metade do percentual de crescimento — compara o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nobrega.

Contas públicas

No final de 2012, o governo Dilma recorreu a uma série de manobras contábeis para permitir o cumprimento da meta fiscal, ou seja, mostrar um superávit primário que não foi alcançado. A "maquiagem fiscal" foi alvo de críticas até no Exterior, com citações irônicas na revista The Economist e no jornal Financial Times. A mudança na meta do superávit primário, conforme o economista do Instituto Millenium Vítor Wilher, teve impacto negativo:

— A política econômica tem de ser previsível, para não gerar desconfiança entre os investidores.

Na sua "contabilidade criativa", o governo omitiu despesas em infraestrutura, antecipou dividendos de estatais e mexeu no fundo soberano.

Energia

Apesar de o risco de racionamento ter voltado a assombrar em 2012, quando os níveis dos reservatórios das principais hidrelétricas baixaram pela escassez de chuva, a situação nem de longe é comparável ao período do apagão, em 2001. O temor é afastado no médio prazo pela geração das usinas térmicas e pelo reforço das linhas de transmissão do sistema interligado.

— Houve esforço para aumentar a confiança do sistema, mas ainda dependemos de uma matriz energética. Não podemos ficar nas mãos de São Pedro — avalia Carlos Honorato, da Fundação Instituto de Administração (FIA).

Com grandes obras de hidrelétricas, como Belo Monte, o governo investiu também em fontes renováveis.

Reforma tributária

Aguardada há anos, a reforma tributária começou a ser ensaiada pelo governo, mas as medidas ainda são consideradas tímidas.

— Houve alguns ensaios, mas a peça teatral não começou ainda — destaca João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).

Em 2012, o valor total pago pelos brasileiros em impostos chegou a R$ 1,55 trilhão — quase 35% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Fala-se em "reforma fatiada", mas as medidas estruturais não saíram do papel.

— É preciso diminuir a tributação sobre o consumo, que impacta mais justamente naqueles que ganham menos — aponta Olenike.

 

DIRETO DE BRASÍLIA

Klécio Santos

Em busca de um legado

Há um sentimento nas entranhas do PT de que o governo Dilma precisa deslanchar em 2013. De fato, há pouco o que comemorar nos dois primeiros anos de mandato. Com fama de gestora eficiente, esperava-se que a presidente impusesse um ritmo capaz de destravar o país, sobretudo nas áreas de infraestrutura. O imobilismo, contudo, é visível. Obras vitais se arrastam. E se a culpa é da economia, que não atingiu os índices desejáveis — e o pibinho é o exemplo mais factível —, o certo é que o governo patinou justamente em setores que poderiam dar ao país um salto desenvolvimentista. Falta uma marca, um carimbo, uma imagem. Uma prova de que Dilma está ciente da necessidade de correção de rumo é a mudança de postura nesses primeiros dias do ano.

Ao anunciar em cadeia nacional a redução dos custos da eletricidade, a presidente deflagrou a campanha eleitoral. E mais: agradou ao PT, com um tom — exageram alguns graduados da legenda — que nem Lula ousou, o que praticamente deixa em stand by os lampejos de afoitos que pregam o retorno do ex-presidente. Dias atrás, Dilma já havia voltado a falar na erradicação da miséria no seu governo. São sinais inequívocos de que o Planalto se deu conta de que a petista precisa deixar um legado.

Como o país vive um ambiente de absoluta tranquilidade e na oposição não há nenhuma luz capaz de ameaçar o seu reinado, só uma hecatombe política ou um colapso econômico ameaçam a popularidade da presidente. É justamente essa zona de conforto que angustia o PT. Nas sombras dessa gestão insípida, quem cresce perigosamente é o PMDB, cada vez mais voraz e que passará a dominar o Congresso.

Se Dilma não se tornar a grande estrela do seu próprio governo e sair às ruas com algo palpável a oferecer aos eleitores, corre o riso de se tornar refém da máquina de interesses, conduzida por Renan Calheiros, Henrique Eduardo Alves & Cia.

 
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